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Ricardo Afonso Teixeira*

Você pode imaginar que as pessoas ao chegarem aos 90 anos de idade com as funções cognitivas excelentes tenham um contingente menor de alterações estruturais no cérebro quando comparadas àquelas com declínio cognitivo por Doença de Alzheimer. Entretanto, um estudo recém-publicado pelo Journal of Alheimer’s Disease, liderado por pesquisadores da Universidade da California-Irvine, nos EUA, apontou que as autopsias desses “super-olds” apresentavam alterações microscópicas vasculares ou as associadas à Doença de Alzheimer da mesma monta quando comparadas às de indivíduos com a doença. Super-olds são os idosos que chegam aos 90 anos com o as funções cognitivas preservadas.

Esses achados sugerem que os cérebros de pessoas com envelhecimento cerebral funcionalmente ótimo sejam mais resilientes a essas alterações patológicas, comuns também entre indivíduos idosos sem doença. Essas lesões são consideradas marcadores da Doença de Alzheimer e essa suposta resiliência não aconteceria nos indivíduos que desenvolvem a doença. Os resultados ainda mostraram que os super-olds tinham menos lesões que estão associadas a outras doenças neurodegenerativas, como a Doença de Parkinson. A menor presença dessas outras lesões (corpúsculos de Lewy e esclerose hipocampal) é um forte candidato para explicar a resiliência dos super-olds e novos estudos deverão pontuar como os hábitos de vida podem influenciar esses achados neuropatológicos. O cérebro de Olga Kotelko, atleta aos 93 anos, já nos trouxe algumas pistas sobre o impacto da atividade física no cérebro que ultrapassa os 90 anos.

A canadense Olga Kotelko, detentora de mais 30 recordes mundiais em diversas modalidades de atletismo, faleceu no ano de 2014, mas teve seu cérebro estudado cuidadosamente em 2012 pela Universidade de Illinois nos EUA.

Os pesquisadores compararam o desempenho cognitivo de Olga e as características da ressonância magnética de seu cérebro com outras 58 mulheres com idades entre 66 e 78 anos. Nessa época Olga tinha 93 anos. Os resultados foram publicados na revista Neurocase.

O estudo mostrou que o cérebro de Olga era mais volumoso do que o esperado para sua idade. Surpreendente foi encontrar que a parte do cérebro que liga os dois hemisférios, o corpo caloso, era mais intacta em Olga do que entre as mulheres dez ou vinte anos mais jovens!

O desempenho cognitivo de Olga mostrou-se levemente inferior ao das mulheres mais jovens, mas superior ao de mulheres da mesma idade e não atletas de um estudo independente. Os hipocampos de Olga, área cerebral fortemente responsável por nossa memória, também eram menores que o das mulheres de 60-70 anos, mas maiores que o de mulheres da mesma idade.

Estudos prévios já haviam demonstrado que a atividade aeróbica é capaz de garantir um bom funcionamento cerebral entre os idosos e até preservar o volume de algumas áreas estratégicas do pensamento, como o hipocampo.

O mais interessante é que Olga iniciou sua vida de atleta aos 65 anos e passou a se dedicar ao atletismo aos 77 anos. Competiu em corridas curtas e longas, saltos e arremessos de disco, martelo e dardos.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília

O tempo de exposição ao estrogênio pode ser estimado em uma mulher antes da menopausa pelo tempo entre a primeira menstruação e a menopausa adicionado ao tempo em que usou estrogênio como anticoncepcional. Uma pergunta muito comum no consultório neurológico é se o tempo prolongado do uso de anticoncepcionais pode aumentar o risco de derrame cerebral e uma grande pesquisa publicada recentemente no periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia aponta que maior exposição de estrogênio antes da menopausa, na verdade, reduz esse risco.

O estudo envolveu mais de 120 mil mulheres já na menopausa com acompanhamento por nove anos em média. Tanto o tempo de fertilidade, da primeira menstruação à menopausa, como o tempo de uso de estrogênio como pílula anticoncepcional, conferiram proteção contra a ocorrência de derrame cerebral.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que o estrogênio tem um certo grau de proteção vascular no coração e no cérebro por suas propriedades vasodilatadoras, antioxidantes e de regulação no metabolismo do colesterol e glicose. Quando se pensa em reposição de estrogênio após a menopausa, essa proteção ocorre com o uso até os 60 anos de idade ou dentro de um período de dez anos após a menopausa. Após esse tempo, a resposta é indiferente ou o risco pode até aumentar.   

 Por Dr. Ricardo Teixeira

Renato Aragão recebeu alta hospitalar nesta terça-feira após internação por um acidente isquêmico transitório (AIT) e, já em casa, com bom humor, se manifestou nas redes sociais dizendo que Didi está on. O AIT ocorre quando uma artéria cerebral é obstruída e os sintomas duram menos de 24 horas. Em cerca de 1/3 dos pacientes os sintomas duram menos de uma hora, em outro terço até 12 horas e o restante entre 12 e 24 horas. O correto diagnóstico é imprescindível, já que em 3 meses 10% irão apresentar um acidente vascular cerebral (AVC), sendo que metade deles ocorrerão nas primeiras 48 horas.

Trataremos em seguida o AIT e o AVC pelo termo Doença Cerebrovascular (DCV).  

Na luta contra a DCV, seu papel é muito maior do que você imagina! 

A DCV é mais comum entre as entre as pessoas que têm hipertensão arterial, diabetes, colesterol alto, doenças do coração e naqueles sedentários, que fumam e usam muito álcool. Calcula-se que o indivíduo que identifica e trata um desses fatores de risco reduz seu risco de DCV pela metade. Mais importante ainda é o fato que esse mesmo indivíduo que adota hábitos de vida saudáveis é capaz de influenciar as pessoas ao seu redor a assumirem também esses bons hábitos. Saúde é mesmo contagiante!

Como identificar um AIT ou AVC?

Toda vez que ocorrer algum destes sintomas, de forma REPENTINA:                  

  • Fraqueza de um lado do corpo
  • Dormência de um lado do corpo
  • Dificuldade visual
  • Dificuldade para falar
  • Dor de cabeça muito forte nunca antes sentida
  • Incapacidade de se manter em pé

O que fazer diante de um sintoma suspeito?

Procurar imediatamente um serviço médico especializado, pois o tratamento na maioria das vezes só tem efeito se realizado nas primeiras horas após o início dos sintomas.

O tratamento precoce aumenta a chance de preservar a parte do cérebro que está para ser destruída, diminuindo assim as sequelas tão temidas como paralisia e perda da fala, assim como o risco de morte.

 O que fazer para evitar a DCV?

  • Prática de exercícios regulares;
  • Alimentação balanceada evitando o consumo excessivo de alimentos de origem animal (ex. carnes, ovos, leites e derivados);
  • Não fumar;
  • Evitar o excesso de álcool e o estresse;
  • Se tiver mais de 40 anos: realizar pelo menos uma vez por ano controle de pressão arterial, dosagem de glicose e colesterol no sangue;
  • Se tiver diagnóstico de hipertensão arterial, diabetes, colesterol alto ou qualquer doença do coração: acompanhamento médico frequente para controle rígido destas condições.

Sabemos que uma dieta rica em peixes ricos em Omega-3 é recomendada para se ter um cérebro mais afiado na velhice. Mas será que adultos na meia-idade já colhem os frutos? Um estudo, que acaba de ser publicado pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, aponta que provavelmente sim, após avaliação dos níveis de Omega-3 nas hemácias de adultos com média de idade de 46 anos. Esses níveis refletiam o contingente dessa classe de ácido graxo oriundo da dieta, mas também de suplementos.

O estudo envolveu mais de dois mil voluntários e aqueles que apresentavam uma maior concentração de Omega-3 tinham um melhor desempenho cognitivo e também um maior volume dos hipocampos, estruturas cerebrais fortemente ligadas à memória. Esse efeito positivo se deu mesmo com níveis modestos de ácidos graxos Omega-3, cerca de metade do recomendado. Vale lembrar que os efeitos positivos se estendem aos vasos sanguíneos, contribuindo para uma menor incidência de eventos cardiovasculares como infarto do coração e acidente vascular cerebral. A Associação Americana de Cardiologia recomenda duas porções de peixe por semana para o incremento da saúde cardiovascular.

O consumo de ácidos graxos da família Omega-3 é a mais estudada interação entre alimento e a evolução das espécies. O ácido docosahexanóico (DHA) pode ser considerado o ácido graxo mais importante para o cérebro, já que é o mais abundante nas membranas das células cerebrais e são considerados essenciais por não serem produzidos pelo organismo humano, que precisa obtê-los por meio de dieta. Acredita-se que o consumo de Omega-3 teria sido fundamental para o processo de aumento na relação peso cérebro/ peso corpo, fenômeno conhecido como encefalização, ou seja, aumento progressivo do tamanho do cérebro em relação ao corpo ao longo do processo evolutivo. Estudos arqueológicos apoiam essa hipótese, já que o processo de encefalização não ocorreu enquanto os hominídeos não se adaptaram ao consumo de peixe.

Uma das publicações do The Lancet, eClinical  Medicine, acaba de publicar uma pesquisa conduzida pela Universidade Birmingham, na Inglaterra, apontando que adultos na meia idade que apresentam pesadelos frequentes têm mais chance de desenvolver um quadro de demência no futuro. Os resultados sugerem que os pesadelos frequentes podem ser indícios de uma doença degenerativa que se apresentará anos ou até décadas mais tarde.

A pesquisa foi feita com mais de 600 voluntários saudáveis com idades entre 35 e 64 anos e 2600 com idades acima de 79 anos, todos sem demência ou Parkinson no início do estudo. Após um acompanhamento clínico por cinco a nove anos, foi demonstrado que os adultos de meia idade que apresentavam pesadelos pelo menos uma vez por semana tinham uma chance quatro vezes maior de apresentar declínio cognitivo nesse período. O risco de desenvolver um quadro demencial foi duas vezes maior nos voluntários com mais de 79 anos quando comparados àqueles sem pesadelos frequentes. Entre os idosos, quando se analisou apenas os homens, o risco foi cinco vezes maior.

Pesquisas anteriores já tinham mostrado uma associação entre pesadelos frequentes e uma maior chance de uma pessoa vir a apresentar a Doença de Parkinson. Mostraram também a associação com uma pior evolução cognitiva nesses pacientes e até uma maior atrofia de regiões frontais do cérebro. Estudos não longitudinais também já tinham despertado a atenção para uma associação entre pesadelos e déficit cognitivo entre idosos na população geral.    

Pesadelos são comuns na população geral, especialmente entre os idosos, e estima-se que 5% dos adultos apresentam essa condição numa frequência mensal. Estudos apontam que os pesadelos são mais comuns entre as mulheres, mas só até a sexta década de vida, quando a proporção homem/mulher fica mais equilibrada. São ainda mais frequentes em pacientes com síndromes demenciais, assim como na Doença de Parkinson. Por fim, muito interessante é o resultado de uma pesquisa conduzida em camundongos que demonstrou redução dos marcadores patológicos da Doença de Alzheimer com a administração do anti-hipertensivo prazosin, medicação de escolha no tratamento de pesadelos.      

No ano de 2017, Roger Federer, aos 35 anos, ganhou seu oitavo título de Wimbledon e foi o atleta mais velho a faturá-lo. Nesse mesmo ano, uma pesquisa publicada pelo periódico PLOS ONE, envolvendo mais de três mil voluntários com idades entre 16 e 44 anos, nos mostrou que aos 24 anos alcançamos nosso pico de desempenho cognitivo-motor. Apontou ainda que a maturidade traz algumas compensações. O desempenho dos voluntários, após milhares de horas num jogo de computador com a mesma lógica do xadrez, foi medido pela rapidez com que reagiram aos seus oponentes e pelas estratégias que usaram no desafio. Jogadores mais velhos, apesar de mais lentos, compensaram a desvantagem de velocidade com estratégias mais eficientes no jogo.

Quando se pensa em criatividade, a maturidade traz também suas compensações. Uma análise feita das carreiras de 31 ganhadores do Nobel de economia nos mostra que existem épocas na vida em que somos mais criativos. Nessa avaliação, foram encontradas duas ondas diferentes de criatividade, uma por volta dos vinte e poucos anos e outra entre os cinquenta e sessenta anos.

A primeira onda foi chamada de inovação de conceitos. É o pensar “fora da caixinha”, onde novas ideias põem em xeque o saber convencional. A segunda onda, chamada de inovação experimental, é a produção de conhecimento a partir do saber acumulado e nos traz formas inéditas de análise, interpretação e síntese. Os resultados são concordantes com estudos prévios que analisaram ondas de criatividade nas artes e em outras áreas da ciência. Pablo Picasso e Albert Einstein tiveram suas maiores criações na primeira onda, enquanto Paul Cézanne, Virginia Woolf e Charles Darwin brilharam mais na segunda onda. A Teoria da Relatividade foi publicada por Einstein aos 26 anos de idade e Darwin publicou a Teoria da Evolução aos 51 anos.

Um estudo mais recente, publicado pela Nature Human Behavior, nos mostra que com o envelhecimento temos realmente um declínio no desempenho da atenção e funções executivas, fato esse já bem demonstrado por inúmeros estudos. Entretanto, os pesquisadores apontaram também que algumas funções executivas e de atenção não apresentaram piora. Voluntários, até mesmo entre os 70 e 80 anos de idade, revelaram melhor desempenho que os mais jovens.

Nesse último estudo, o estado de alerta realmente foi menor entre os mais velhos. É a capacidade de estar pronto para frear o carro numa intersecção. Já nos testes de orientação espacial, definida como a capacidade de mudar o foco de atenção para um outro ponto do espaço, os velhos se saíram melhor. É a capacidade de perceber, por exemplo, um pedestre aguardando para atravessar na faixa. Já na capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa, os velhos também foram melhores. É a capacidade de não ficar prestando atenção nos passarinhos e reduzir o foco na direção.         

Mas como explicar o melhor desempenho em um cérebro mais velho que já passou por inúmeras alterações estruturais e fisiológicas? A experiência ao longo dos anos é capaz de explicar esse fenômeno? Há um robusto corpo de evidências de mecanismos adaptativos para reduzir o impacto das perdas que acumulamos ao longo dos anos. Isso vai desde compensações no metabolismo cerebral, como ter o mesmo resultado com menos energia. Maior a experiência, menor ativação neuronal, menor gasto energético e maior eficiência. Um estudo com uma droga usada para controle da epilepsia mostrou esse ajuste de gasto energético com bons resultados clínicos na cognição de idosos com declínio cognitivo.

Essa adaptação envolve também a reorganização de redes neurais ao longo das décadas. A reorganização conta até com o recrutamento de áreas do cérebro não tão envolvidas entre os jovens para uma dada tarefa, incluindo a participação maior de ambos os hemisférios, como é o caso da memória episódica. E não há dúvida que a atividade física e estímulos cognitivos amplificam o impacto desses mecanismos adaptativos.   

No contexto da evolução das espécies, o ser humano pode ser considerado um recém-nascido. Os mamíferos apareceram há 225 milhões de anos, os primatas há 65 milhões, e os ancestrais hominídeos apareceram há cinco milhões de anos. Alguns podem achar cinco milhões de anos muito tempo, mas pode ser interessante lembrar que nosso código genético, que é como se fosse um texto composto por três bilhões de letras, é idêntico ao de um chimpanzé em 98,5% do seu conteúdo.

A população mundial está envelhecendo, e isso é explicado em parte pelos grandes avanços da ciência nas últimas décadas. A expectativa de vida do Australopitecus há quatro milhões de anos era de apenas 15 anos, 25 anos para europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX, 55 anos no início do século XX, e atualmente, em muitos países, a expectativa de vida já é maior que 75 anos de idade. Como podemos perceber, nossos ancestrais não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie.

Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Essa é uma forma importante de entender o porquê das doenças degenerativas. Mas vamos deixar de lado as doenças, e focar no nosso envelhecimento normal.

Temos inúmeras evidências do declínio funcional de nosso organismo em idades mais avançadas. O impacto no sistema nervoso é significativo, pois é este sistema que permeia toda nossa interação com o mundo à nossa volta (e.g.; órgãos dos sentidos, respostas motoras, emoção), também chamada Vida de Relação. Talvez seja também o sistema cuja perda de funções seja mais temida por nós. O próprio conceito de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde reflete sobremaneira a dimensão de perdas do sistema nervoso: redução da adaptabilidade a estímulos sensoriais.

Já se conhece bastante sobre as alterações cerebrais morfológicas e fisiológicas associadas ao processo de envelhecimento normal. Por volta dos 15 anos de idade nosso encéfalo alcança seu maior peso (~ 1350g), com uma perda de cerca de 1,5% desse peso a cada década.  Essa redução se dá muito mais por redução do tamanho dos neurônios do que por destruição dos mesmos. Paralelamente, há uma redução no número de conexões entre os neurônios e significativo acúmulo de substâncias associadas ao envelhecimento que dificultam o pleno funcionamento cerebral.

Do ponto de vista funcional, essas alterações estruturais só começam a ter impacto após a sexta década de vida. Em média, só a partir dos 60 anos é possível confirmar declínio de capacidades psicométricas, com exceção da fluência verbal que declina levemente já na quinta década de vida. O declínio dessas capacidades é muito modesto até os 80 anos, quando se torna mais acentuado em pelo menos 50% dos indivíduos.

Um conceito fundamental para entendermos melhor como investir bem em nosso cérebro é o conceito de Reserva Cerebral. Se o nosso cérebro tem uma tendência natural a perder um pouco de seu desempenho em idades mais avançadas, quanto mais conexões formarmos no decorrer da vida, quanto mais aumentarmos nosso repertório, menor a chance de que pequenas perdas estruturais tenham repercussão funcional. E o que dirá quando o indivíduo apresenta doença cerebral como a Doença de Alzheimer? Maiores reservas fazem com que mais tempo de doença seja necessário para que ela se manifeste clinicamente. Ou seja, quanto maior a reserva, mais tempo o cérebro mantém seu funcionamento normal, mesmo que ele esteja doente. E isso já foi demonstrado em inúmeros estudos.

O status sócio-econômico e educacional é sem sombra de dúvidas um dos pilares mais fortes de nossa Reserva Cerebral, sendo que quanto maior esse status, maior a reserva. Até mesmo a época em que nascemos faz diferença, sendo que indivíduos que nasceram e cresceram em épocas mais recentes apresentam melhor desempenho cognitivo do que suas gerações anteriores.

Pesquisas recentes demonstram que o cérebro do idoso ao ser treinado responde com melhora de desempenho nas habilidades ensinadas. Tais treinamentos foram realizados com exercícios para estimulação da memória, resolução de problemas, velocidade de processamento, alguns deles por meio de sofisticados softwares. Entretanto, parece que atitudes mais instintivas e artesanais podem ter efeito também bastante significativo: a atividade de lazer é um exemplo.

Há cerca de uma década, repetidos estudos vêm demonstrando que lazer é coisa séria, e é um hábito que está associado a um menor risco de desenvolver demência. A explicação reside no fato de que o lazer também é capaz de treinar nossos cérebros, aumentando nossa Reserva Cerebral. O interessante é que algumas atividades de lazer parecem ser mais positivas do que outras. Estudos realizados na cidade de Nova York revelaram que as atividades mais “protetoras” foram leitura, palavras cruzadas, jogos de tabuleiro, passeios turísticos, visitas a amigos e parentes, idas ao cinema, restaurante ou a evento esportivo, tocar instrumento musical.

Uma pesquisa recém-publicada pela Neurology da Academia Americana de Neurologia mostrou que o efeito protetor dessas atividades é menor entre os portadores de genótipo associado à Doença de Alzheimer – APOE4. Mostrou também o quanto a atividade física pode incrementar nossa Reserva Cerebral especialmente na velocidade do pensamento. Vale lembrar que o lazer para muitos está intimamente ligado a atividades esportivas.

De qualquer forma, precisamos estar atentos em estimular os nossos jovens a desenvolver um repertório amplo de atividades de lazer “inteligentes”, pois os hábitos são mais fáceis de serem adquiridos quando iniciados em fases mais precoces da vida. Quanto aos nossos idosos, atenção redobrada. Podemos começar por melhor conhecer e demandar aquilo que está escrito no Estatuto do Idoso, em vigor em nosso país desde 2003:

Art. 3º – É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 21º – O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.

Art. 24º – Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural e ao público sobre o processo de envelhecimento.

Os Titãs não estavam falando em luxo com: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Um estudo acaba de ser publicado pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, mostrando que mulheres na menopausa apresentam um contingente maior de lesões de pequenos vasos cerebrais quando comparadas a mulheres da mesma idade que não estão na menopausa. O volume dessas lesões também é maior nas mulheres na menopausa do que nos homens da mesma idade, mas isso não ocorre nas mulheres na pré-menopausa.

Mostraram ainda que o efeito deletério da hipertensão não controlada, quando se analisa a quantidade de lesões de pequenos vasos, foi maior entre as mulheres, independente de estarem ou não na menopausa.   Além disso, os pesquisadores demonstraram que a terapia de reposição hormonal não foi um fator que modificou essas correlações. Isso sugere que enxergar esses resultados como decorrentes da redução do hormônio estradiol pode ser uma visão reducionista. Uma série de outros mecanismos têm sido explorados para explicar essa maior vulnerabilidade da saúde vascular entre mulheres na menopausa.

Quando se fala em lesões dos pequenos vasos que chegam a provocar um buraquinho no cérebro, também chamadas de lacunas, estudos com ressonância magnética revelam que cerca de 20% dos idosos apresentam tais lesões sem nunca ter apresentado sintomas. Quando se fala em lesões que só fazem pequenas cicatrizes no cérebro, elas estão presentes em até 90% dos idosos e foram essas que foram analisadas no presente estudo. Muito frequentes, muito pequenas, mas nem tão inocentes assim.

O raciocínio habitual quando se pensa em doença dos pequenos vasos cerebrais é o de que uma ou duas lesões realmente não costumam provocar sintomas, a não ser quando se localizam em algumas regiões muito específicas, também chamadas de áreas eloquentes. Já o cérebro que apresenta inúmeras dessas cicatrizes, esse sim começa a funcionar de forma mais ineficiente. Algumas pessoas chegam a apresentar dificuldades graves do pensamento e da marcha, e hoje em dia reconhece-se que essa seja uma das principais causas de déficit cognitivo entre os idosos.

Existem fatores genéticos que determinam o quanto de lesões terá um cérebro que envelhece. Entretanto, é bem sabido que os conhecidos fatores de risco para aterosclerose (ex: hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, etc.) aumentam significativamente a chance de uma pessoa colecionar mais dessas lesões ao longo dos anos.

Pessoas que têm marcadores genéticos que predispõem ao desenvolvimento da Doença de Alzheimer podem atrasar o aparecimento de sintomas através de sete atitudes. Essa é a conclusão de um estudo publicado na última semana pelo periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia. As sete atitudes são: cérebro e corpo ativos, alimentação saudável, peso corporal em dia, não fumar, controle ótimo da pressão arterial, colesterol e glicemia.

Já sabíamos que os sete hábitos reduzem o risco da Doença de Alzheimer, mas o atual estudo nos mostra que isso é verdadeiro mesmo para aqueles que têm o perfil genético de maior risco. O estudo foi conduzido nos EUA envolvendo quase nove mil pessoas com idade maior que 54 anos e que foram seguidas por até 30 anos. O grupo de voluntários com maior risco genético foram aqueles que apresentavam pelo menos uma cópia da variante gênica APOE e4 que está associada a um maior risco da Doença de Alzheimer (pode aumentar o risco em até 12 vezes). Os que tinham ancestralidade europeia apresentavam em 27.9% dos casos a variante e4, e isso ocorreu em 40.4% de descendentes africanos. O grupo considerado de baixo risco era o que apresentava a variante e2 que está associada a um menor risco da doença (pelo menos 40% de redução de risco).

Para os descendentes europeus o risco de demência foi até 43% menor entre aqueles que melhor pontuaram numa escala dos sete hábitos descrito acima, independente do perfil genético. Já para os descendentes africanos com boa pontuação de hábitos, a redução de risco da doença foi de no máximo 17%.  

Como ainda não temos tratamentos que modificam o curso natural da Doença de Alzheimer, mudanças nos hábitos de vida são ferramentas preciosas para a prevenção da doença. E foi isso que o presente nos mostrou.

Um novo estudo mostra que a inspiração nos hábitos de indígenas da Amazônia Boliviana (grupos Tsimane e Moseten) tem muito a colaborar no controle da avalanche de diagnósticos de demência mundo afora. Apenas 1% dos indígenas com idades acima de 60 anos apresentavam diagnóstico de demência comparados aos 11% encontrados no mundo industrializado. E não é qualquer grupo de indígena que tem esses resultados. Há pesquisas que indicam até 20% de prevalência de demência. O presente estudo foi publicado recentemente no periódico Alzheimer’s & Dementia: The Journal of the Alzheimer’s Association.                                                                                                       

O estilo de vida de subsistência pré-industrial é o maior candidato para explicar a proteção que esses grupos têm contra o desenvolvimento de demência. Os resultados também apontaram que, no grupo etário estudado, 10% apresentavam declínio cognitivo leve, número semelhante ao encontrado nas sociedades industriais. Essa condição é reconhecida como uma dificuldade cognitiva que não interfere substancialmente nas atividades de vida diárias, mas que a cada ano, em 10% dos casos, podem evoluir para um quadro de demência.

O estilo de vida dos Tsimanis e menor prevalência de fatores de risco vascular já foram apontados por uma publicação do The Lancet mostrando que eles têm um coração extremamente saudável com os menores índices de aterosclerose de qualquer população conhecida no mundo. Já foi demostrado também que o cérebro deles, entre a meia-idade e a velhice, têm uma redução de volume 70% menor do que o de europeus e americanos.

Esse estilo de vida pós-industrial é algo pra lá de recente na história da humanidade. Em 99% do tempo de sua existência, o Homo sapiens foi fisicamente ativo, tiveram uma dieta rica em fibras e gorduras saudáveis e uma atmosfera limpa.

Por Dr. Ricardo Teixeira*

É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo (Chico Science & Nação Zumbi)

Costumo provocar alguns dos meus pacientes que buscam minha orientação sobre como melhorar o funcionamento do cérebro de que existe uma hierarquia nas tarefas. A maioria está pensando em melhorar a memória, concentração e capacidades executivas. A hierarquia de tarefas se dá numa certa direção. Para otimizar essas capacidades precisamos estar vivos. Precisamos estar acordados.  Precisamos prestar atenção nas coisas. Só então atingiremos bom desempenho na memória e outras funções cognitivas complexas. Só que no meio desse caminho há uma pedra: nosso equilíbrio psíquico. Você pode estar vivo, mas se o equilíbrio emocional não estiver bem modulado, o resto da cadeia fica bem prejudicada.

Isso já se reflete no segundo passo que é estar acordado. O sono é influenciado sobremaneira pelas nossas emoções. Fica extremamente perturbado quando estamos preocupados, ansiosos ou deprimidos, sem falar de tantas outras condições que perturbam a qualidade do sono, muitas delas muito comuns, como o excesso de trabalho e o consumo exagerado de álcool. Como exigir desempenho do cérebro sem um sono reparador? O fato é que muitos desses fatores ameaçam também o primeiro estágio de nossa hierarquia que é o de nos mantermos vivos. Maiores índices de doenças que reduzem nossa expectativa de vida não nos ajudarão a passar para os próximos estágios.  

Temos um “zilhão” de evidências de que muitas ações que promovem o melhor funcionamento cerebral carregam também o potencial de modular nossas emoções. A atividade física regular libera substâncias no cérebro que o faz funcionar melhor. A mesma atividade física também ajuda no controle das emoções no dia a dia por outras vias neuroquímicas. E aqui nossa hierarquia de ações ganha autonomia de voo, com menos obstáculos para melhores resultados nas funções cognitivas complexas. O mesmo raciocínio vale para a sociabilidade, o trabalho altruísta, a experiência da arte, o contato com a natureza. E coisa boa atrai outras coisas boas.  Onde encontramos lazer, encontramos também mais limites no tempo dedicado ao trabalho. É claro que estamos falando daqueles que têm poder de escolha. Chico Science nos lembra disso em Samba Makossa: A responsabilidade de tocar o seu pandeiro é a responsabilidade de você manter-se inteiro. Se temos poder de escolha, somos um pouco mais responsáveis em manter-nos inteiros do que aqueles que não tem teto, comida na mesa ou que vivem num sistema Casa Grande e Senzala.

E coisa ruim atrai outras coisas ruins. O uso de substâncias neurotóxicas, por exemplo, atrai comportamentos que afetam toda nossa cadeia hierárquica, comprometendoa chance de nos mantermos vivos, nosso sono, nossa cognição. É o tão conhecido círculo vicioso.

Mas se essa discussão está ficando mais embolada do que você esperava, caro leitor, vamos a uma lista simples de atitudes para turbinar seu cérebro.

Durma bem

Pratique atividade física regularmente

A dieta mediterrânea pode preservar o funcionamento do seu cérebro ao longo dos anos (peixes, cereais integrais, frutas, legumes, azeite, pouca carne e laticínios)

Evite substâncias neurotóxicas e aqui se inclui o uso exagerado de álcool 

Sua socialização faz muita diferença

Seu cérebro precisa de atividades estimulantes  

E nesses tempos de pandemia e guerra, mantenha sua cabeça equilibrada em cima do corpo, procurando antenar boas vibrações, preocupando antenar boa diversão. Termino com Lenine, mais um ilustre pernambucano: Enquanto todo mundo espera a cura do mal… A gente espera do mundo e o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência.

*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

O encontro anual da Academia Americana de Neurologia apresentará, no início de abril, os resultados de uma pesquisa conduzida nos EUA apontando que ter um animal de estimação reduz o declínio cognitivo quando ultrapassamos os 60 anos. Após seis anos de seguimento de 1369 adultos, com média de idade de 65 anos, aqueles que tinham um pet em casa, especialmente quando por um tempo maior que cinco anos, apresentavam desempenho em testes cognitivos com declínio mais lento. No Japão foi demonstrado recentemente que ter um cachorro, e não um gato, reduz pela metade a chance de incapacidade após os 65 anos, efeito ainda mais robusto entre aqueles que praticam atividade física. Uma maior interação social também explica, em parte, esse efeito protetor dos cães.  

Sabemos que adultos que têm um animal de estimação em casa costumam ser mais integrados à comunidade.  Quanto mais um adulto participa do cuidado com o bicho de estimação, mais atitudes altruísticas ele tem na comunidade e entre amigos e familiares. Quanto maior a conexão com os bichos, maior a empatia com as outras pessoas e autoconfiança.

Em 2017 a prestigiada revista Scientific Reports do grupo Nature publicou os resultados de uma pesquisa que envolveu três milhões e meio de indivíduos na Suécia acompanhados desde o ano de 2001. Aqueles que tinham um cachorro como animal de estimação viveram mais! Tiveram menor incidência de doenças cardiovasculares, mas também de outras doenças. O interessante é que os que moravam sozinhos com o cachorro foram os que mais se beneficiaram. Além disso, esse efeito protetor foi maior entre os que tinham cães de caça.

Já tínhamos evidências que essa ligação entre os humanos e os animais é capaz de promover uma redução nos níveis da pressão arterial e do estresse.  Pesquisadores de Nova Iorque demonstraram que pacientes que têm cães sobrevivem mais após passado um ano de um infarto do coração. Nos últimos anos, diferentes grupos de pesquisadores evidenciaram que os indivíduos que têm cães apresentam um menor nível de alterações cardíacas provocadas pelo estresse.

E os efeitos positivos dos animais de estimação não param por aí. Há evidências de que a presença do animal está associada a uma menor procura por consultas médicas pelos indivíduos idosos e menor incidência de depressão.

As crianças também se beneficiam da presença do animal. Os cachorros são ótimos para o equilíbrio psíquico delas em situações estressantes. Durante uma prova de estresse em laboratório, a presença do cão de estimação conferiu uma resposta de estresse menor até mesmo quando comparada à presença dos pais.

Não estou advogando pela substituição dos amigos pelos animais. Entretanto, é razoável hoje em dia recomendar a uma pessoa com poucos contatos sociais, e que goste de animais, que não deixe de experimentar viver com um animal de estimação, pois ele pode fazer muito bem à nossa saúde do corpo e da mente. Também não estou querendo minimizar os efeitos positivos de um gato em casa, mas os estudos até o momento sugerem que os cães realmente parecem trazer impactos mais robustos que os gatos à saúde humana.

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Enquanto as doenças do coração mantêm a liderança como as principais causas de morte no mundo, observa-se um aumento substancial na prevalência das doenças do cérebro, especialmente as demências como a Doença de Alzheimer. É interessante notar que os quadros demenciais e as doenças do coração dividem os mesmos fatores de risco como a hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo. Está se tornando claro que a redução dos fatores de risco vascular pode fazer a diferença na redução de doenças do cérebro, e não estamos mais falando só de derrame cerebral.

A mortalidade global associada à Doença de Alzheimer e outras demências têm crescido num ritmo maior que o das doenças do coração. Entre 2010 e 2020 houve um aumento de 44% na mortalidade associada a quadros demenciais e de 21% por doenças do coração. Quando se pensa em 30 anos (1990-2020), o incremento de mortes por quadros demenciais foi de 144%. Nos EUA, a mortalidade por Doença de Alzheimer tem sido até maior que por derrame cerebral.

Voltando aos fatores de risco vascular, o periódico Circulation da Associação Americana do Coração nos trouxe nesta última semana dados inequívocos de que o que não faz bem ao coração também não faz bem ao cérebro. Hipertensão arterial aumenta em cinco vezes as chances de uma pessoa apresentar declínio cognitivo e quadros demenciais. No caso da obesidade, esse aumento é de três vezes. Tabagismo aumenta o risco de demência em 30-40%.

Há também uma forte relação entre a função do coração e o desempenho cognitivo. Menor desempenho cognitivo é encontrado com 40% mais chances em portadores de doença coronariana. Essa relação também existe em quem tem fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca comum. Insuficiência cardíaca eleva duas vezes o risco de um quadro demencial.

Fatores socioeconômicos, de gênero e raça também influenciam o risco de demência. Mulheres têm mais Doença de Alzheimer que os homens. Uma amostra global de 2020 mostra que 65% dos casos são de mulheres. Em uma análise da população americana, negros e hispânicos têm 3 a 4 vezes mais chances de desenvolver declínio cognitivo que interfere nas atividades de vida diárias quando comparados aos brancos, e aqui fatores socioeconômicos têm forte influência.

Voltando mais uma vez aos fatores de risco vascular, vale lembrar que o exercício físico e a dieta mediterrânea são um show na prevenção de doenças do coração e também de demência.     

Photo credit: Kevin Mazur - Getty Images

Recentemente pudemos acompanhar cenas do show da lenda do jazz Tony Bennet junto a Lady Gaga no Radio City Music Hall em Nova Iorque. Nos ensaios, ele não era capaz de reconhecer Lady Gaga, amiga e companheira em inúmeros projetos. Mas no dia do show, ele falou o nome dela com muita emoção quando ela subiu ao palco. Tony sofre de doença de Alzheimer desde 2016, está com 95 anos e a turnê era sua despedida dos palcos. O vídeo é emocionante. Clique aqui para assistir.

Depois do show Lady Gaga disse: “Eu quero que as pessoas saibam que, se tem alguém que você ama com Alzheimer, há uma maneira de se comunicar e tocar uma magia no coração que ainda está lá. E eu acho que cabe a nós questionarmos por quais maneiras podemos despertar esses sentimentos e assim nos comunicarmos melhor com eles.” O recado de Lady Gaga é precioso às famílias que têm um ente querido com a doença.

Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.

Já que não somos geneticamente tão “atualizados” assim, e esse tipo de atualização é coisa para milhão de anos, o que podemos fazer para chegar aos 80 anos com a cabeça tinindo é investir em atitudes de vida saudáveis. As estrelas de primeira grandeza são a atividade física regular e uma rotina em que o cérebro tenha muitas demandas, e aí o lazer certamente está incluído.

Além disso, a ciência demonstra, de forma inequívoca, que o padrão da dieta mediterrânea ajuda a prevenir a demência. Essa é uma dieta rica em peixes, verduras, legumes, frutas, cereais (melhor se forem integrais), azeite e outras fontes de ácidos graxos insaturados, e baixo consumo de carnes e laticínios e outras fontes de gorduras saturadas, além do uso moderado, porém regular, de álcool.

Tão importante quanto o incremento dessas atitudes saudáveis é evitar condições que diminuam as reservas do cérebro, como é o caso do tabagismo, álcool em excesso e o uso de outras drogas neurotóxicas. Para quem tem problemas de saúde como hipertensão arterial e diabetes, o tratamento rigoroso dessas condições é de extrema importância para proteger o cérebro das principais causas de “esclerose”, que são a doença de Alzheimer e demência vascular. Esta última é resultante de lesões causadas por vasos cerebrais doentes.

Grayscale Photo of Man Wearing Coat Holding Cane

Um estudo clínico fase 2 envolvendo 34 pacientes mostrou que a medicação levetiracetam, em doses mais baixas que as usadas para epilepsia, pode promover ganhos cognitivos em portadores da Doença de Alzheimer.  Os efeitos positivos, especialmente na memória espacial e funções executivas, foram significativos entre aqueles que apresentavam atividade epiléptica demonstrada pelas avalições neurofisiológicas. O estudo foi recém-publicado pelo periódico JAMA Neurology.

Atividade epiléptica pode ser acompanhada de sintomas, como ausências e convulsões, ou ser completamente assintomática. Entre os pacientes com Doença de Alzheimer, é estimado que 10-22% apresentam crises epilépticas sintomáticas e 22-54% apresentam atividade epilética assintomática.

Os mesmos autores do estudo já haviam demonstrado que os pacientes com Alzheimer que apresentam essa atividade epiléptica silenciosa apresentam um declínio cognitivo mais rápido. Em um modelo animal da doença, o uso do antiepilético provoca melhora do estado cognitivo. Dos pacientes estudados nesta última pesquisa, nenhum deles tinha história de crises epiléticas sintomáticas, mas 40% apresentavam atividade epilética subclínica. Esses últimos foram os que tiveram melhor resposta à droga antiepiléptica.

Os pesquisadores consideram que essa apresentação da Doença de Alzheimer com atividade epiléptica é bastante comum, chegando a 60% dos casos. A busca por atividade epiléptica pelos médicos entre esses pacientes não é prática comum e a pesquisa aponta a importância dessa investigação. A fase 3 da pesquisa deve agora seguir em frente com o recrutamento de um número maior de pacientes.

Man in Blue Crew Neck Shirt

Por Dr. Ricardo Teixeira*

Um dos principais marcadores da Doença de Alzheimer é o acúmulo no cérebro de uma substância proteica chamada de beta-amiloide, substância também encontrada no cérebro de idosos saudáveis, porém em pequenas quantidades. Esse acúmulo excessivo de proteínas no cérebro, que é geneticamente determinado, faz com que aos poucos ele vá ficando ineficiente. Os medicamentos atualmente aprovados para o tratamento da doença não mudam a história natural da doença, apenas melhoram os sintomas. O grande sonho é encontrar uma estratégia eficiente que reduza o acúmulo dessas proteínas no cérebro. Entretanto uma série enorme de estudos nos mostram que a simples redução desses depósitos proteicos não garante um impacto clínico positivo.

Os anticorpos monoclonais, medicações amplamente usadas em inúmeras condições clínicas, têm sido testados há muitos anos para o tratamento da Doença de Alzheimer, mas sem resultados muito animadores. Um desses anticorpos, o Aducanumab, foi aprovado pelo órgão regulador americano de medicamentos (FDA) este mês, mas com muitas críticas.

O Aducanumab se mostrou eficiente na redução do acúmulo das placas de beta-amiloide no cérebro, mas as evidências clínicas não foram muito convincentes, nem mesmo para o comitê consultor independente do FDA. Três membros desse comitê pediram afastamento após a aprovação como protesto. A desconfiança é a mesma com inúmeros especialistas ao redor do mundo. A aprovação foi feita, mas com a condição de que um estudo com resultados mais robustos seja realizado o mais breve possível e, se os resultados não forem clinicamente positivos, a liberação pode ser cancelada. A agência é criticada por não ter retirado de circulação algumas drogas para o tratamento do câncer que os respectivos fabricantes ficaram de conduzir um estudo complementar e não o fizeram. E com as medicações no mercado, quem se habilitaria a receber placebo em testes clínicos?

Os resultados clínicos foram muito discretos e apenas com as doses altas. Muito ainda será discutido sobre o custo-benefício da medicação, já que em altas doses ela teve associação com inchaço e hemorragia cerebral em 40% dos pacientes testados. Dos dois estudos realizados, um deles não mostrou eficácia clínica nem mesmo em doses altas.

A aprovação foi feita dentro de um programa do FDA chamado de aprovação acelerada que libera precocemente terapias potencialmente valiosas a pacientes com doenças graves mesmo sem a demonstração inequívoca do real benefício. 

É claro que o lobby da indústria farmacêutica move montanhas. As ações da fabricante subiram 38% no dia da aprovação e o custo do tratamento com Aducanumab é de 56 mil dólares por ano. Efeitos clínicos discretos já foram demonstrados com suplemento de curcumina por 18 meses, inclusive acompanhados de redução nos depósitos de amiloide. Que tal então, por enquanto, usar mais curry na sua cozinha?

5 Amazing Facts You Might Not Know About the Tsimane People - Blog

Eles são menos sedentários, têm uma dieta rica em fibras e gorduras saudáveis e têm o menor grau de aterosclerose nas artérias coronárias já descrito na literatura médica. Estamos falando dos índios da tribo Tsimane, habitantes da Amazônia Boliviana. E agora tivemos mais uma demonstração de que seus órgãos envelhecem de forma mais saudável. O cérebro deles, entre a meia-idade e a velhice, têm uma redução de volume 70% menor do que o de europeus e americanos.

Vale lembrar que um cérebro que encolhe menos ao longo das décadas tem menos chance de ser portador de uma patologia que pode levar a um quadro demencial, como a Doença de Alzheimer. Os resultados desse estudo foram publicados no periódico The Journal of Gerontology após análise do volume cerebral de 746 índios Tsimane com idades de 40 a 94 anos e comparados a moradores do mundo industrializado. A metodologia do estudo não permite criarmos uma relação causa e efeito entre o estilo de vida dos Tsimanes e a menor perda de volume cerebral, mas essa é uma conclusão para lá de tentadora. 

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Os humanos passam a apresentar amizades mais seletivas à medida que atravessam as décadas de vida. Damos prioridade a relações bem estabelecidas e passamos a evitar aquelas que trazem tensão e conflito. É como se não tivéssemos mais tempo para desperdiçar com relações sem muito sentido. Uma pesquisa recém-publicada pela revista Science mostra que os chimpanzés têm o mesmo comportamento, apesar de não terem consciência da finitude da vida.

Pesquisadores da Universidade de Harvard estudaram a socialização de chimpanzés selvagens durante 78.000 horas por um período de 21 anos em Uganda. Os chimpanzés à medida que envelheciam davam prioridade a relações com reciprocidade. Por exemplo, àqueles que retribuíam o ato de limpar o outro, conhecido por “grooming” na língua inglesa.

Isso me fez lembrar do nosso atual momento de pandemia. Li um artigo há pouco tempo, não me lembro a fonte, que discutia o futuro do nosso círculo social a curto e médio prazo e uma aposta que será mais seguro termos convívio pessoal em um círculo mais restrito de amigos. Talvez demore um pouco para podermos encontrar a “galera” e vamos ter que ficar velhos na marra…

É fato que nós humanos, após os 30 anos de idade, temos cada vez menos amizades novas. Isso é mais frequente ainda entre os homens. Um estudo mostra que o pico de amigos em nosso círculo social se dá aos 25 anos de idade com uma queda drástica após essa idade. Acredita-se que não perdemos nossas habilidades sociais, mas há uma mudança dos horizontes de responsabilidades que explica esse fenômeno. Entenda a mudança nos horizontes de responsabilidade pelo maior interesse que temos por pessoas que dividem interesses comuns, mais afinidades. Pais que se dão melhor com casais que compartilham entre si a experiência de cuidar dos filhos é bem diferente da situação dos mil amigos que um adolescente tem no ensino médio simplesmente por estudar na mesma escola.

Close-Up Photography of Woman Wearing Red and Black Scarf

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Mais da metade das mulheres apresentam queixas de memória na fase de transição para a menopausa e temos algumas evidências de que, nessa fase da vida, elas realmente apresentam uma menor velocidade de processamento cognitivo e menor desempenho da memória verbal.

 

Uma forma de explicar essa lenhificação do pensamento na transição da menopausa é que a redução ou flutuação dos níveis do hormônio estrogênio pode dificultar o pleno funcionamento cerebral. Já foi bem demonstrado que algumas áreas cerebrais são ricas em receptores de estrogênio, regiões que são fortemente vinculadas à memória, como é o caso do hipocampo e o córtex pré-frontal. Além disso, estudos experimentais revelam que o estrogênio é capaz de elevar os níveis de neurotransmissores e também promovem o crescimento neuronal e formação de conexão entre os neurônios.

 

Nada de pessimismo! A boa notícia é que esses efeitos parecem ser limitados, já que as mulheres voltam a apresentar o mesmo desempenho cognitivo que tinham antes da menopausa após ultrapassarem a transição. Além disso, as mulheres que recebem reposição hormonal antes do término da menstruação são beneficiadas do ponto de vista cognitivo, o que não acontece com aquelas que começam esse tipo de tratamento após o término da menstruação. Essa é mais uma evidência de que a reposição hormonal deve ser utilizada pelo menor tempo necessário. Temos até evidências que o uso prolongado desse tipo de tratamento pode levar à perda do volume de substância cinzenta do cérebro e declínio cognitivo.

 

Uma recente pesquisa aponta também que, quanto mais tarde se dá o início da menopausa, melhores são os indicadores de desempenho cognitivo e o uso de reposição hormonal não teve qualquer influência. Esses resultados não foram válidos para os casos de menopausa cirúrgica, condição em que as mulheres têm os ovários removidos cirurgicamente. E este ano, a revista Menopause, da Sociedade Americana de Menopausa, mostrou que durante as ondas de calor, as mulheres na menopausa têm o desempenho cognitivo ainda mais prejudicado. Foram identificadas alterações em regiões responsáveis pela memória, especialmente o hipocampo e o córtex pré-frontal, pelo método de ressonância magnética funcional.

E suplementos de soja podem ajudar? A soja é a principal fonte de isoflavonas da dieta, micronutrientes que se ligam aos receptores de estrogênio do cérebro. Uma série de pesquisas tem procurado demonstrar seus efeitos sobre o desempenho cognitivo na menopausa e os resultados são bem discretos. Vale ressaltar que essas pesquisas envolveram mulheres já na menopausa e por isso a discussão está longe de ser encerrada. O efeito da soja na transição da menopausa pode ser diferente.

100 and 50 Brazilian Reais Banknotes

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Por Dr. Ricardo Teixeira

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Uma pesquisa que acaba de ser publicada pelo jornal Neurology da Academia Americana de Neurologia mostra que os jovens que passam por redução de ganhos financeiros anuais maior que 25% têm um cérebro menos afiado ainda na meia idade.

 

O estudo envolveu mais de três mil jovens americanos com idades entre 23 e 35 anos que foram acompanhados por 20 anos. O grupo de jovens que apresentou dois ou mais períodos de queda dos proventos (>25%) apresentavam menor desempenho nos testes cognitivos mesmo quando se ajustava fatores como escolaridade, atividade física, tabagismo e hipertensão arterial. Cerca de 700 voluntários também foram submetidos a exames de neuroimagem no início do estudo e 20 anos depois. Aqueles com maior instabilidade financeira tiveram maior redução do volume cerebral e uma piora do padrão de conectividade entre as diversas regiões cerebrais.

 

São várias explicações possíveis para esses achados. As reduções de proventos podem dificultar o acesso à assistência médica e consequente déficit de tratamento de problemas de saúde. Estudos anteriores mostram que condições financeiras desfavoráveis aumentam o risco de doenças como depressão, ansiedade, obesidade, hipertensão arterial, que por si só já estão associados a um menor desempenho cognitivo. A instabilidade financeira pode reduzir as oportunidades de estímulos cerebrais saudáveis como incrementos na educação formal, um trabalho desafiador, atividade física, lazer, etc.

 

Os autores nos lembram de que políticas que minimizam esses altos e baixos de rendimentos, como seguro desemprego, podem favorecer a saúde cerebral da população. Mais de um terço dos lares americanos apresentou redução dos proventos maior que 25% entre os anos de 2014 e 2015.

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