Ricardo Afonso Teixeira*

Os japoneses têm uma tradição chamada de hakidashisara, em que hakidashi significa cuspir, expulsar, purificar, e sara se refere a um prato ou disco. Eles escrevem sobre pensamentos negativos numa placa e depois a destroem. Hakidashisara é um festival anual em que as pessoas quebram pequenos discos que representam coisas que as deixam com raiva, levando-as a uma sensação de alívio.

Pesquisadores da Universidade de Nagoya acabam de publicar na Scientific Reports da Nature os resultados de um estudo que mostra que, ao sentir raiva, a simples atitude de escrever sobre a resposta emocional ao incidente em um pedaço de papel, e jogá-lo no cesto de lixo ou triturá-lo, é capaz de neutralizar esse sentimento negativo. Os voluntários voltavam a ter os mesmos níveis de raiva que tinham antes do insulto. Isso não acontecia com aqueles que escreviam, mas eram instruídos a guardar o papel. Estes apresentaram uma redução apenas discreta dos níveis de raiva.

O estudo reforça evidências anteriores de que escrever ajuda no controle da raiva e os autores chamam atenção paras as inúmeras aplicações práticas, especialmente na redução da violência doméstica. Eles reportam que ficaram surpresos com a intensidade desse efeito após o descarte do papel e foi a primeira vez que isso foi demonstrado empiricamente.

 *Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Isso pode significar menor risco de demência

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira

Um dos maiores estudos populacionais sobre o impacto de fatores de risco no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e demência é o “Framingham Heart Study”, iniciado em 1948. Há alguns anos, resultados desse estudo americano, e também de outros da Inglaterra, Holanda e Suécia, chegaram a mostrar uma menor incidência de demência ao longo das últimas cinco décadas, provavelmente associada a um melhor controle de fatores de risco vasculares e melhora dos níveis educacionais e nutricionais dessas populações. Não é o caso do Brasil, onde os estudos evidenciam aumento na incidência e prevalência de demência. Como era de se esperar, o aumento dos índices de demência acompanham o aumento dos índices de diabetes, obesidade, sedentarismo e analfabetismo.

 

Uma pesquisa recém-publicada pelo JAMA Neurology (25 março), prestigiado periódico da Academia Americana de Medicina, aponta que o volume cerebral é maior entre as pessoas que nasceram na década de 1970 comparadas às nascidas nos anos 1930. Exames de ressonância magnética de mais de três mil indivíduos foram analisados e os que nasceram nos anos 1970 tinham um volume cerebral e superfície do córtex 6.6% e 15% maiores. Os cérebros eram de americanos participantes do estudo de Framingham. Aumento de volume cerebral e superfície cortical pode estar associado a menor risco de demência por promover uma maior reserva cerebral.   

    

O psicólogo americano James Flynn descreveu no início da década de 1980 que testes de inteligência têm resultados com melhor desempenho de geração em geração, fenômeno conhecido por efeito Flynn. Nosso QI tem mais chance de ser maior que o dos nossos pais, enquanto o dos nossos filhos será maior que o nosso. Discute-se que os fatores mais implicados nesse incremento também são os educacionais, nutricionais e de melhor controle dos fatores de risco cardiovasculares. Para a população americana estudada originalmente por Flynn, seus resultados são concordantes com os cérebros de Framingham crescendo ao longo das décadas. Entretanto, o efeito Flynn também é demonstrado em países de baixa e média renda, o que abre uma brecha para interrogarmos o efeito civilizatório de maior acesso à informação no mundo conectado. Será que a desinformação e fake news nas redes sociais serão capazes de inverter essas tendências?

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

*Ricardo Afonso Teixeira

O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, iniciado em 1991, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology, em março de 2024, e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. DALYs é um dos principais indicadores para mensuração da carga global da doença, pois mede simultaneamente o efeito da mortalidade e dos problemas de saúde que afetam a qualidade de vida dos indivíduos. Um DALY quer dizer um ano de vida saudável perdida, e incorpora conceitos de morte prematura e anos vividos com incapacidade. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso.

A carga das disfunções neurológicas demonstrada nos alerta para a urgência da inclusão do problema na agenda das políticas públicas para a promoção de prevenção, identificação precoce, tratamento e reabilitação dessas condições que devem ser encaradas como prioritárias. Essa tarefa é de importância seminal nos países de baixa e média renda, já que o GBD também revelou que 80% dessa carga neurológica recai sobre esses países.  

  

Uma das disfunções que o GBD não conseguiria catalogar é o leve rebaixamento intelectual associado à fome e à pobreza, reconhecida como uma epidemia neurológica silenciosa.

A pobreza é reconhecida como um dos principais fatores que contribuem para o número de pessoas com retardo mental ao redor o mundo. Em países desenvolvidos, a prevalência de retardo mental situa-se em torno de 3-5 / 1000 indivíduos, enquanto em países pobres encontramos uma prevalência que chega a ser cinco vezes maior. A pobreza está por trás de dois dos principais fatores de risco para o retardo mental: deficiência nutricional e de estímulo cerebral. Do ponto de vista de saúde pública, a pobreza tem um impacto sobre o estado neurológico muito maior que a grande maioria das doenças neurológicas com suas organizadas sociedades médicas e seus medicamentos que movem o business da saúde.

Uma pesquisa publicada pela revista Neurology mostra que mesmo as crianças que não desenvolvem retardo mental chegam em idades avançadas com menor desempenho cognitivo quando crescem em situação de pobreza. Os resultados também mostraram um envelhecimento cerebral mais rápido entre os pobres.

Atacar de frente a pobreza vai além da questão de humanismo e de direitos humanos. O Banco Mundial reconhece que dentre todas as intervenções em saúde, o controle da desnutrição pode ser considerado a que apresenta melhor custo-benefício. E os primeiros anos de vida de uma criança são os mais vulneráveis para o cérebro, começando a contar desde o primeiro dia da concepção, na barriga da mãe. A mãe precisa comer bem. Todo mundo tem que comer bem. Crianças desnutridas têm menor chance de chegar à escola, e quando chegam, têm maior chance de evasão.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Na última semana, atendi uma paciente com seus 40 anos de idade com queixas de memória e atenção. Ela relatava que teve um desempenho acadêmico ótimo na infância, adolescência e início da idade adulta, há poucos anos não tinha queixas cognitivas e não tinha evidências clínicas de associação das queixas com um episódio de infecção pela COVID-19. Outros fatores que levam muito frequentemente pessoas nessa idade a terem queixas cognitivas também não estavam presentes, como ansiedade, depressão, sono não reparador, hipotiroidismo, deficiência de vitamina B12 e uso frequente de maconha. Mas ela tinha o hábito de consumir aiahuasca, Santo Daime, semanalmente. Temos evidências que o uso agudo ou crônico desse alucinógeno pode afetar negativamente a cognição?

Temos um crescente corpo de investigações sobre os efeitos de alucinógenos como aliados no tratamento de transtornos mentais, como estresse pós-traumático, drogadição, depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, anorexia. Muito menos se investigou sobre os efeitos cognitivos dessas substâncias e os achados ainda são muito inconsistentes. Alguns estudos apontam efeitos positivos sobre a memória e atenção, enquanto muitos mostram prejuízos. Doses maiores parecem ter efeitos mais deletérios. Novas pesquisas devem ser conduzidas para que se esclareça os efeitos da dose, frequência de uso e nível de pureza dos preparados, refiro-me à concentração de dimetriptana (DMT), componente psicoativo da aiahuaska. Além disso, amostras maiores de indivíduos devem ser estudadas, idealmente com e sem transtornos mentais. As pesquisas até o momento foram realizadas com um número muito limitado de participantes.  

Então, respondendo à pergunta da paciente “O chá de aiahuasca pode estar deixando meu cérebro ineficiente?”, a resposta é: pode sim, e pelo que temos de evidências, pode ser pior com doses mais altas.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

No final de fevereiro, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.

Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha.  Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.  

Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência.  Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.

Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.

Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de uma onça. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.

E mais um: demência.

Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.

* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

A meia-idade é um período de relativa estabilidade, especialmente nos relacionamentos pessoais, mas algumas pessoas passam por uma grande insegurança emocional nessa fase da vida. A crise da meia idade existe e afeta no máximo um quarto dos quarentões e cinquentões. Ao tomarem consciência de que existem menos anos de vida pela frente, algumas pessoas passam a ter planos menos ousados. Outras passam a ter o comportamento inverso: começam a realizar tudo aquilo que gostariam de ter feito e não fizeram.

As estatísticas vão de 10 a 25%. A maioria daqueles que referem ter passado por uma crise nessa idade reconhece que eventos como a perda do emprego ou de um parente foi muito mais importante que a idade por si só. Nem todo mundo entra em depressão ou começa a abusar do álcool ou outras substâncias psicoativas.

Estudos populacionais nos mostram que, ao longo da vida, as pessoas sentem-se menos felizes nesta época da vida. Há um comportamento chamado de curva em formato de “U”. A base do “U” é o menor estado de felicidade na meia idade e as pontas do “U” representam a velhice e infância / adolescência. Por outro lado, quando se pergunta a idosos qual a idade que eles mais gostariam de viver novamente, eles respondem que é os quarenta e poucos anos. Fatores biológicos podem ter sua importância, mas os eventos que acontecem no decorrer da vida podem ser mais importantes.

Muitos percebem falhas cognitivas que não apresentavam antes e uma desconfiança de que seja o início de uma doença neurodegenerativa. A Doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência, não costuma acometer as pessoas antes dos 60 anos de idade. Existe o envelhecimento normal do cérebro, assim como o de qualquer órgão do corpo, mas algumas pessoas caem numa espiral psíquica negativa por não tolerarem pequenas mudanças. Na dúvida, converse com um médico.  

As mulheres ainda passam pela transição para a menopausa, período em que as queixas cognitivas se acentuam, mas felizmente somente durante a transição. E as dificuldades no homem não devem ter como vilão um baixo nível de testosterona. A esmagadora maioria dos homens não apresenta hipogonadismo e, por isso, o termo andropausa é tão criticado pelos endocrinologistas.

O cérebro já é menor aos 40 anos quando comparado à adolescência, mas a experiência e sabedoria da maturidade contornam facilmente essas questões morfológicas. No ano de 2017, uma pesquisa publicada pelo periódico PLOS ONE, envolvendo mais de três mil voluntários com idades entre 16 e 44 anos, nos mostrou que aos 24 anos alcançamos nosso pico de desempenho cognitivo-motor. Apontou ainda que a maturidade traz algumas compensações. O desempenho dos voluntários, após milhares de horas num jogo de computador com a mesma lógica do xadrez, foi medido pela rapidez com que reagiram aos seus oponentes e pelas estratégias que usaram no desafio. Jogadores mais velhos, apesar de mais lentos, compensaram a desvantagem de velocidade com estratégias mais eficientes no jogo.  Neste mesmo ano, Roger Federer, aos 35 anos, ganhou seu oitavo título de Wimbledon e foi o atleta mais velho a faturá-lo.

Quando se pensa em criatividade, a maturidade traz também suas compensações. Uma análise feita das carreiras de 31 ganhadores do Nobel de economia nos mostra que existem épocas na vida em que somos mais criativos. Nessa avaliação, foram encontradas duas ondas diferentes de criatividade, uma por volta dos vinte e poucos anos e outra entre os cinquenta e sessenta anos.

A primeira onda foi chamada de inovação de conceitos. É o pensar “fora da caixinha”, onde novas ideias põem em xeque o saber convencional. A segunda onda, chamada de inovação experimental, é a produção de conhecimento a partir do saber acumulado e nos traz formas inéditas de análise, interpretação e síntese. Os resultados são concordantes com estudos prévios que analisaram ondas de criatividade nas artes e em outras áreas da ciência. Pablo Picasso e Albert Einstein tiveram suas maiores criações na primeira onda, enquanto Paul Cézanne, Virginia Woolf e Charles Darwin brilharam mais na segunda onda. A Teoria da Relatividade foi publicada por Einstein aos 26 anos de idade e Darwin publicou a Teoria da Evolução aos 51 anos.

Um outro estudo, publicado pela Nature Human Behavior, nos mostra que com o envelhecimento temos realmente um declínio no desempenho da atenção e funções executivas, fato esse já bem demonstrado por inúmeros estudos. Entretanto, os pesquisadores apontaram também que algumas funções executivas e de atenção não apresentaram piora. Voluntários, até mesmo entre os 70 e 80 anos de idade, revelaram melhor desempenho que os mais jovens.

Nesse último estudo, o estado de alerta realmente foi menor entre os mais velhos. É a capacidade de estar pronto para frear o carro numa intersecção. Já nos testes de orientação espacial, definida como a capacidade de mudar o foco de atenção para um outro ponto do espaço, os velhos se saíram melhor. É a capacidade de perceber, por exemplo, um pedestre aguardando para atravessar na faixa. Já na capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa, os velhos também foram melhores. É a capacidade de não ficar prestando atenção nos passarinhos e reduzir o foco na direção.

Mas como explicar o melhor desempenho em um cérebro mais velho que já passou por inúmeras alterações estruturais e fisiológicas? A experiência ao longo dos anos é capaz de explicar esse fenômeno? Há um robusto corpo de evidências de mecanismos adaptativos para reduzir o impacto das perdas que acumulamos ao longo dos anos. Isso vai desde compensações no metabolismo cerebral, como ter o mesmo resultado com menos energia. Maior a experiência, menor ativação neuronal, menor gasto energético e maior eficiência.

Essa adaptação envolve também a reorganização de redes neurais ao longo das décadas. A reorganização conta até com o recrutamento de áreas do cérebro não tão envolvidas entre os jovens para uma dada tarefa, incluindo a participação maior de ambos os hemisférios, como é o caso da memória episódica. E não há dúvida de que a atividade física e estímulos cognitivos amplificam o impacto desses mecanismos adaptativos.  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Já conhecemos uma série de atitudes no dia a dia que reconhecidamente podem deixar nosso cérebro mais esperto. Estamos falando de atividade física, sono e alimentação regulares, estar sempre aprendendo, equilíbrio psíquico e um cafezinho para arrematar. Além disso, as famosas pílulas usadas para turbinar o cérebro, conhecidas como “smart drugs”, têm sido cada vez mais consumidas por pessoas sem qualquer tipo de problema neurológico ou psiquiátrico. Uma pesquisa que avaliou o consumo dessas drogas entre dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo mostra um crescimento nada discreto. Em 2017, 14% das pessoas utilizaram essas medicações pelo uma vez no último ano, comparado a 5% em 2015. Nos EUA, esse consumo é de 30% da população geral.


O fato é que dispomos de pouquíssimas evidências científicas de que essas pílulas trazem reais benefícios cognitivos a indivíduos sem transtornos neurológicos ou psiquiátricos, e há até resultados mostrando que algumas pessoas podem piorar o desempenho. É como se nosso cérebro fosse uma orquestra bem afinada e introduzíssemos 20 violinos a mais. Pode melhorar, pode não fazer diferença no resultado, ou pode até desafinar. E apesar desse conhecimento ainda estar engatinhando, essas medicações têm-se tornado cada vez mais populares entre adultos e adolescentes, na maior parte das vezes sem qualquer orientação médica.


Elenco a seguir algumas questões sobre esse fenômeno que têm sido discutidas nos últimos anos por pesquisadores da área.
– Existe atualmente um forte mercado negro dessas medicações voltado para indivíduos saudáveis, com transações de compra e venda que podem ser punidas até mesmo com prisão em países como os Estados Unidos.
– O uso de medicações dessa natureza para melhorar o desempenho cerebral poderia ser visto como “trapaça”, ao pensarmos que outras pessoas podem não estar usufruindo dos mesmos benefícios. Não dispomos ainda de regras que regulem se as pessoas podem ou não fazer uso dessas medicações para a realização de um concurso público, por exemplo. Outra situação: uma pessoa tem o hábito de investir no seu equilíbrio psíquico, como por exemplo através da meditação e atividade física regular, e outra pessoa não o faz. Esse equilíbrio psíquico tem grandes chances de aumentar o desempenho cognitivo, mas culturalmente isso não costuma ser visto como trapaça, já que a pessoa “investiu seus esforços” para alcançar sua vantagem. Por que a vantagem alcançada por pílulas deveria ser vista de outra forma? E será que essas drogas realmente oferecem vantagens no aprendizado ou só melhoram o desempenho a curto prazo em dias de maiores desafios? Será justo para aqueles que não usam as drogas concorrer com outros cérebros turbinados? Seria a mesma coisa se parte dos concorrentes num teste de matemática estivessem usando calculadora e outra parte não?
– Medicações dessa natureza poderiam provocar dependência e efeitos colaterais. Por outro lado, até a cafeína é passível de desenvolver dependência e efeitos colaterais, apesar do seu risco de fazer mal à saúde ser infinitamente menor do que de outras drogas. Com base na atual experiência, talvez os riscos de dependência / efeitos colaterais das medicações estimulantes não sejam muito diferentes do que os da cafeína e por isso não há razões para tanto receio. É preciso avançar nas pesquisas sobre o assunto.
– Em crianças, as questões éticas são muito mais complexas. A primeira questão é em relação à segurança dessas medicações em indivíduos que ainda têm o cérebro em franco desenvolvimento. Além disso, a criança não tem o poder de fazer suas próprias escolhas. Entre os adultos, há de se considerar no futuro questões éticas ligadas à obrigatoriedade em se usar tais medicações em algumas situações ocupacionais. Nos EUA, o modafinil é hoje uma droga aprovada pelo FDA para trabalhadores em turno invertido. Será que o empregador poderá um dia obrigar o trabalhador a usar a medicação para evitar acidentes ou para melhorar o desempenho?
– Como qualquer tecnologia, as “smart drugs” poderão um dia ser bem ou mal-usadas. Há muito trabalho pela frente para se avaliar seus custos e benefícios, para se educar a população sobre o assunto e para ajustar a legislação vigente caso se consiga demonstrar que elas são realmente seguras e eficazes para as pessoas que querem turbinar seus cérebros.

Em entrevista concedida à Scientific American, e publicada há alguns anos na revista Mente & Cérebro, o Prêmio Nobel Eric Kandel, um dos neurocientistas mais renomados do planeta e certamente um dos pesquisadores que mais contribuíram para o nosso atual entendimento da memória, declara: “Ainda não temos evidências de segurança e nem mesmo de eficácia do uso de medicações para melhorar o cérebro de pessoas saudáveis. Eu não aconselharia meus netos, pelo menos por enquanto, a usar essas medicações”.


E a cada dia o conselho de Kandel parece ser mais acertado. Em junho de 2023 pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e Melbourne, na Austrália, publicaram na Scientific Advances resultados de estudos mostrando que as tais “smart drugs” podem piorar o desempenho cognitivo entre pessoas sem transtornos cognitivos. As medicações deixam os voluntários mais motivados, mas com desempenho menos eficiente, mais errático, com maior demora para execução de tarefas complexas. No caso do metilfenidato (Ritalina), o tempo de execução da tarefa aumentou em 50%. E os mais prejudicados foram os que tinham o melhor desempenho antes de usar as medicações. Talvez caiba aqui novamente a analogia com a orquestra sinfônica com 20 violinos extras e sem ensaio.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Essa combinação aumenta o risco de doenças cardiovasculares.

Ricardo Afonso Teixeira*

Um grande estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Michigan, nos EUA, mostrou que os sintomas vasomotores na menopausa, que incluem ondas de calor e suor noturno, são mais comuns entre as mulheres que apresentavam enxaqueca antes desse período. A pesquisa foi publicada no periódico Menopause esta semana após acompanhamento por décadas de mais de 1900 mulheres.

As mulheres que tinham a combinação de enxaqueca e sintomas vasomotores por vários anos apresentaram maior risco de doenças cardiovasculares, incluindo infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Este é um grupo de mulheres em que os esforços para redução de risco vascular devem ser ainda maiores. E a receita de prevenção vascular hoje é vista como tendo 8 alvos essenciais: controle cuidadoso do peso, pressão arterial, glicemia e gorduras no sangue, não fumar, dieta saudável, e aqui os peixes ricos em ômega-3 têm seu papel, atividade física regular e boa qualidade do sono.

Enxaqueca é uma condição cerebral, mas não é que os sintomas vasomotores na menopausa também parecem ter origem no sistema nervoso central? Pesquisadores da Universidade do Arizona, nos EUA, descobriram um grupo de células do hipotálamo, região do cérebro que faz a ponte com os sinais hormonais, que podem ser as responsáveis pelas desconfortáveis ondas de calor que boa parte das mulheres vivencia nos primeiros anos da menopausa.

Em um modelo de menopausa em camundongos, os pesquisadores mostraram que o efeito de dilatação dos vasos da pele era interrompido quando um grupo de células do hipotálamo, chamadas de KNDy, era inativado. Apesar de representarem uma pequena população de células do cérebro, elas têm grande importância no controle das fontes de energia do corpo, temperatura e reprodução. Com a baixa dos níveis do hormônio estradiol na menopausa, essas células ficam hiperfuncionantes e disparam o comando de vasodilatação, com a intenção não muito apropriada de provocar a perda de calor do organismo.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Os medicamentos da família do Viagra, inibidores da fosfodiesterase tipo 5, foram desenvolvidos como vasodilatadores para o tratamento da angina e hipertensão arterial e apresentaram um efeito colateral entre os homens que vocês já devem imaginar. Não tiveram sucesso na cardiologia, pois as medicações já existentes eram mais eficazes. Hoje são medicações aprovadas para o tratamento da hipertensão pulmonar e disfunção erétil.

Dois estudos publicados nos anos de 2021 e 2022 apontaram resultados controversos quanto ao efeito protetor desse grupo de medicamentos contra a Doença de Alzheimer. Um terceiro estudo, porém não definitivo, é publicado nesta quarta-feira pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, sugerindo que homens acima de 59 anos que receberam a prescrição dessas medicações tiveram menor chance de desenvolver o diagnóstico de Alzheimer após acompanhamento de cinco anos.

O estudo foi observacional e a metodologia não permite inferir uma relação de causa e efeito e, por isso, o estudo está longe de ser definitivo. Em camundongos, já tivemos evidências que essas drogas podem melhorar a memória e até reduzir um dos marcadores biológicos da Doença de Alzheimer. Teoricamente poderíamos esperar uma ação neuroprotetora do efeito de uma medicação que promova maior fluxo sanguíneo para o cérebro. Entretanto, as pesquisas que avaliaram esse efeito de incremento na perfusão cerebral também são contraditórias até o momento.

Futuros estudos deverão ser feitos nos moldes daqueles que vocês acompanharam na aprovação das vacinas contra a COVID-19 – estudos randomizados com número grande de participantes e inclusão das mulheres.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Para quem sofre de enxaqueca, poder prever se uma crise está por vir no outro dia pode fazer toda a diferença, promovendo um estado de maior segurança e autonomia. Ainda não chegamos ao ponto de implante de eletrodos cerebrais para fazer esse serviço, algo que já existe no caso da epilepsia, mas um aplicativo em que a pessoa alimenta de forma repetida sua percepção subjetiva de parâmetros sobre sono, energia e nível de estresse mostrou-se útil na previsão das crises.

O aplicativo ainda ajudou a saber se uma crise tem mais chance de acontecer pela manhã ou ao final da tarde. A sensação de pouca energia durante o dia e uma noite de sono ruim foram associadas a crises no outro dia pela manhã.  O sentimento de alta carga de estresse e muita energia durante o dia previram uma crise vespertina no dia seguinte. Não devemos esperar aqui, como em qualquer modelo biológico, que tenhamos cem por cento de acerto, mas os resultados chamam a atenção para a importância dos estados físico e emocional como preditores de uma crise de enxaqueca.

O estudo foi publicado esta semana pelo periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia.  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

A humildade intelectual é imprescindível para que isso aconteça.

Ricardo Afonso Teixeira*

Cada click de curtida nas redes sociais faz com que seja disparado no cérebro um circuito de recompensa que é o mesmo ativado quando experimentamos um delicioso chocolate ou quando terminamos uma tarefa que estava pendente. Temos realmente uma engrenagem que nos faz sentir confortáveis e seguros com o pensamento daqueles que pensam como a gente.

O diferente dá mais trabalho. Ele ativa outro circuito, o da amígdala, localizado no lobo temporal, que sinaliza medo e desconfiança daquilo que pode nos trazer perigo, do que é estranho, diferente.

Isso tudo é muito mais inconsciente do que podemos imaginar. Estudos mostram que brancos acham que os negros são mais violentos e propensos a provocar transtornos, simplesmente por serem negros. E essa opinião inconsciente acontece mesmo quando se fala em crianças negras de cinco anos de idade. Nessas situações, estudos de neuroimagem mostram que as amígdalas estão bem ativadas e essa ativação reflete o quanto as pessoas são relutantes em acreditar nas outras.

Por outro lado, o sistema de recompensa desempenha o seu papel de contrabalancear o efeito de desconfiança das amígdalas. Esses circuitos de recompensa são antigos na evolução dos vertebrados e estão presentes nos pássaros, répteis, anfíbios e nos mamíferos.  Uma pesquisa clássica conduzida por pesquisadores da Universidade de Stanford mostrou que o sistema de recompensa de camundongos era bastante ativado quando eles encontravam outro camundongo desconhecido, mas que era da sua própria linhagem genética.

Os cientistas desconhecem todos os segredos desses sistemas na promoção de interações sociais, mas a expansão dessa linha de pesquisa pode nos dar rumos de como fazer com que os “diferentes” cooperem entre si. Já sabemos que essa cooperação traz grandes resultados e é mais desafiador. Onde iremos parar com uma vida banhada de recompensa cerebral por aqueles que nos cercam, sem sermos desafiados por pontos de vista diversos?

Ouvir, de verdade, uma opinião diferente requer humildade intelectual. A troca envolve o exercício de apresentar suas ideias de maneira respeitosa. É chegar ao seu número certo: nem tão grande que você possa parecer arrogante e nem tão pequeno, o que é uma autodepreciação. E se você mudar suas convicções, mude de cabeça erguida e ainda cante Raul: “Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”

Pessoas com diferentes expertises têm mais sucesso no desempenho de uma tarefa complexa que um time de pessoas com formação muito homogênea. E a diversidade social também traz vantagens. Juntar pessoas com diferentes convicções políticas, etnias, gêneros e orientações sexuais pode ser muito melhor que uma turma de homens branquinhos que apoia o mesmo partido político.

Essa diversidade é vista hoje como condição necessária para uma equipe alcançar a inovação.  Pesquisas mostram que empresas que têm mais mistura étnica e de gênero ganham mais dinheiro que as muito homogêneas. Grupos de cientistas multiétnicos têm mais sucesso.

A diversidade permite mais criatividade. Quando interagimos com uma pessoa diferente da gente, temos a tendência em nos preparar melhor para a tarefa, para a argumentação.  É mais comum anteciparmos alternativas de opinião e temos a expectativa de que o esforço será grande para um consenso. As pessoas acabam se esforçando mais.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Estudo aponta que o contexto social da enxaqueca tem mais impacto na qualidade de vida
do paciente que a frequência das crises

Ricardo Afonso Teixeira*

 

Uma pesquisa acaba de ser publicada no periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia e mostra que um terço dos portadores de enxaqueca percebem frequentemente estigma associado à sua doença e isso está associado à dificuldade no controle das crises de cefaleia e a uma pior qualidade de vida. Cerca de 60 mil americanos com enxaqueca foram incluídos nesse estudo que foi o primeiro com dimensão populacional realizado até então para a análise do estigma na enxaqueca.

 

As pessoas que sofrem de crises de enxaqueca repetidamente explicitam a dificuldade que os outros têm de entender o quanto sua condição é capaz de restringir as atividades do dia a dia. A enxaqueca tem impacto negativo na vida acadêmica e profissional, limita o convívio familiar e social, isso sem falar na restrição de atividades de lazer e exercício físico. Muitos apresentam até um quadro de ansiedade antecipatória que é um fantasma para qualquer compromisso futuro. Marcarei esta reunião tão importante? E se no dia eu apresentar uma daquelas crises fortes? Compro ingresso para este show? E se no dia?

 

Vale lembrar que a enxaqueca é a segunda causa de incapacidade entre todas as doenças e, quando miramos nas mulheres com até 50 anos, ela é a principal causa de incapacidade. Os relatos dos pacientes demonstram que eles percebem o estigma até entre os familiares. Não vai à festa com a gente por conta de enxaqueca? Mas de novo? No ambiente de trabalho, não é tão comum a compreensão de que uma crise de enxaqueca é razão suficiente para que uma pessoa falte naquele dia.

 

O estigma associado à enxaqueca pode ser dividido em dois tipos. O primeiro é quando a pessoa sente que os outros estão achando que ela está se aproveitando para tirar vantagem e ir para casa antes do fim do expediente, por exemplo. Outro tipo é a percepção de que as pessoas estão achando que o problema está sendo supervalorizado. Afinal é só uma enxaqueca.

 

A relação entre estigma e controle das crises é aparentemente bidirecional. Aqueles que sofrem com crises mais incapacitantes percebem mais o estigma. Por outro lado, a percepção de estigma pode piorar o controle das crises. Os resultados do presente estudo apontam que o componente do estigma tem mais impacto na qualidade de vida do paciente com enxaqueca que a frequência de suas crises!

 

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de
medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

 

Áreas cerebrais menos vinculadas ao processo consciente participam desse processo   

Ricardo Afonso Teixeira*

Assisti na última semana ao documentário recém-lançado “Carlos”, uma biografia do sublime músico mexicano Carlos Santana. A obra traz o caminho de autoconhecimento que ele trilhou sem as drogas e vale, por si só, pelo recado que ele deixa para nós, reles mortais – “Deve existir algo para estimular sua imaginação, sua determinação e convicção. Sua realidade é muito limitada. Prefiro viver em um estado de sonho acordado. Um sonho acordado perpétuo” (em tradução livre).

Claro que Carlos tem seus inúmeros momentos em que o pensamento não vagueia. Entendo seu depoimento como uma forma de explicitar seu estado mental no ato de criação ou até na hora de executar uma obra. Quando estamos menos conectados com o aqui e o agora, abrimos portas para a criatividade. Nessas situações, a ativação de estruturas cerebrais pouco associadas às tarefas conscientes, como o cerebelo, podem fazer a diferença.

Pesquisadores da Universidade de Stanford nos EUA demonstraram há pouco tempo de que o cerebelo é um dos atores principais para a orquestração de nossa criatividade. Quando voluntários fazem desenhos dentro de uma máquina de ressonância magnética funcional, os desenhos eleitos pelos participantes como os mais criativos foram os feitos com uma maior ativação do cerebelo.  O cerebelo é um maestro que trabalha em um nível inconsciente. Quanto menor a consciência do processo, maior será sua ativação. Trocando em miúdos: quanto mais nos esforçamos para pensar e calcular uma criação, menos criativo será o produto final.

 *Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Políticas públicas contra a violência às mulheres e o rigor da lei é que farão a diferença.    

Ricardo Afonso Teixeira*

Poucos devem discordar de que as experiências sensoriais olfativas têm forte relação com nosso cérebro emocional. É aquele perfume que faz você lembrar, profundamente, da primeira paixão da sua vida. As vias olfativas têm conexão direta com regiões do cérebro que modulam as emoções, como é o caso das amígdalas nos lobos temporais. E essa conexão não tem escalas. Explico. No caso dos outros sentidos, todas as informações passam por uma modulação em uma estrutura cerebral, o tálamo, que de certa forma filtra os estímulos que farão conexão com regiões que regulam as emoções. O olfato segue seu caminho a essas regiões sem passar por essa peneira.

Discutimos recentemente o poder que a inalação de diferentes óleos essenciais durante o sono exerce sobre o cérebro humano, incrementando a memória e aumentando o fluxo sanguíneo de áreas associadas a esse domínio cognitivo. Em camundongos esse mesmo estímulo promove a gênese de neurônios nessas mesmas áreas que fazem parte de um sistema maior que também regula as emoções, o sistema límbico. Circuitos da memória e emoções são vizinhos íntimos.

Esta semana tivemos a demonstração por pesquisadores do Instituto de Ciências de Weizmann, em Israel, e da Universidade de Duke, nos EUA, de que a inalação de lágrimas de uma mulher, e precisa estar dentro de um contexto emocional, contêm sinais químicos capazes de reduzir em 43,7% a agressividade entre os homens, reduzindo o fluxo sanguíneo em áreas associadas à agressividade, especificamente ínsula anterior e córtex pré-frontal. Já sabíamos que a inalação das lágrimas femininas reduz os níveis de testosterona entre homens, que por sua vez têm relação com a agressividade masculina. A agressividade era provocada por um game em que homens eram sugestionados que tinham sido trapaceados e podiam usar táticas para se vingarem.

Em 2023, o Distrito Federal bateu o recorde de feminicídios em apenas um ano, de acordo com reportagem publicada neste jornal. Foram 35 mulheres e os machos indomáveis não pouparam nem a noite do último dia do ano. Jaqueline tinha 29 anos e foi morta a facadas pelo seu ex que não aceitava o fim do relacionamento, de acordo com apuração deste jornal. Jaqueline representa a história de grande parte das mulheres que perderam a vida por homens que tem ou teve relação íntima com a vítima e cometem o crime como vingança, penso eu que por não suportar a ideia de que ela agora não é mais sua propriedade. Quando usei o termo “machos indomáveis” foi em referência ao admirável livro “O macho demoníaco: as origens da agressividade humana” de Richard Whranhham e Dale Peterson. Um trabalho de campo com primatas com um corpo teórico impecável que nos faz entender melhor a violência humana. Editora Objetiva, 1988.  

No caso da violência contra a mulher, esse estudo nos faz pensar em uma auto regulação da natureza que faz com que o homem se torne menos agressivo após ser exposto à inalação química das lágrimas da mulher. Mas essa auto regulação parece que está totalmente quebrada para muitos. O estudo me fez lembrar dos saches de óleos essenciais durante o sono para turbinar a memória. Saches de lágrimas femininas para controlar o macho indomável não vão dar conta, nem de longe, do recado. As lágrimas, muitas vezes, já são resultado de assédio moral, ameaças, e nada justifica ficarmos congelados. Temos a PM, a Central de Atendimento à Mulher, a Lei Maria da Penha e o protocolo Não é Não que foi sancionado como lei no último dia 28 de dezembro pelo Presidente Lula. Cinco amigas no Rio de Janeiro iniciaram um projeto com capilarização nacional no combate contra a violência sexual à mulher com este mesmo nome – Não é Não. Na mesma época, em 2018, a cidade de Barcelona, torna-se referência na proteção da mulher em espaços públicos através do protocolo “No Callem” (não nos calaremos, em tradução livre), ferramenta que deu celeridade à prisão do jogador Daniel Alves em 2022 após evidências de ter estuprado uma jovem no banheiro de uma boate.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Ricardo Afonso Teixeira*

O planejamento estratégico é uma das maiores armas que as empresas dispõem para garantir o crescimento e a viabilidade de seus negócios no longo prazo. É fato que existem muitas pessoas habilidosas que conduzem as decisões da empresa de forma instintiva, sem planejamento formal, e o negócio vai muito bem, obrigado. Isso hoje. E amanhã? Um cientista não começa um experimento sem que o método esteja muito bem descrito, incluindo como os resultados serão analisados ao final do trabalho. É difícil imaginar que Amyr Klink teria conseguido atravessar remando sete mil quilômetros do atlântico sem sua preciosa capacidade de planejamento.

Muitas pessoas passam os anos gastando semanas de reuniões para a formulação do planejamento de seu negócio ou dos outros, e não chegam a investir sequer minutos rabiscando ideias de seu próprio planejamento pessoal. Muitos certamente têm bastante simpatia com a música do talentoso Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar, vida leva eu...”. Outros não concordam com isso e parece que esse devia ser o caso do filósofo Sêneca que nos deixou o pensamento: “Para aqueles que não sabem para que porto vão, nenhum vento é bom”.

Podemos nos valer de algumas ideias do método de planejamento estratégico do mundo corporativo para nossa vida pessoal. São várias as dimensões essenciais de nossa vida que devem fazer parte dessa reflexão: saúde, família, amigos, carreira profissional, realização intelectual, lazer, sexualidade, espiritualidade, etc.

Planejamento pessoal 

Vamos começar por nossa análise interna. Aqui devemos focar em nossas próprias forças e fraquezas. Esse não é um processo exato, mas é bem provável que o rumo de sucesso pessoal mais certeiro seja o de solidificar / aumentar nossas forças e corrigir nossas fraquezas.  Ao elencarmos nossas forças e fraquezas, podemos priorizá-las e definir quais são aquelas em que devemos mais investir. Entre forças e fraquezas, vale sempre trabalhar em equilíbrio, pois as pessoas têm uma tendência em enxergar mais as fraquezas do que as forças. Acham que as fraquezas podem ser “trabalhadas” e deixam as forças de escanteio.

Uma boa dica é começar investindo naquelas que sejam sustentáveis no longo prazo. Talvez não valha a pena gastar tanta energia para nos aprimorar em uma determinada carreira se ela está em extinção, mesmo que exista um forte talento pessoal. Da mesma forma, não vale a pena apostar em corrigir uma fraqueza em que o resultado da correção não vai nos trazer muita vantagem. Se ao digitar no computador você “cata milho” de forma rápida e eficiente, investir em um curso de digitação para atingir uma performance olímpica pode não ser sua maior prioridade.

Um segundo passo na priorização de ações é a identificação de forças e fraquezas que são essenciais para nossa vida. Cada um tem sua própria análise, mas há algumas premissas que não deveriam ser muito diferentes entre as pessoas, como é o caso do investimento em nossa saúde. Sem saúde, todo o resto ficará congelado. Vale repensar se faz sentido estar atrasado em um ano com os exames periódicos preventivos, mas ter tempo para criar um novo projeto profissional. Investimento na saúde mental, então, fico até sem graça de estar sempre batendo nesta tecla.

Um terceiro passo, e esse considero que seja mais relevante no âmbito da carreira profissional, é o de identificar o quanto suas forças e fraquezas são raras, difíceis de imitar, difíceis de consertar. Ao identificar uma força valorosa do ponto de vista profissional, dê mais prioridade ainda às que são raras no seu meio. Essas forças diferenciam-lhe dos outros e fazem-lhe “sair da pilha”, como dizia Jack Welch, grande personalidade do mundo corporativo. Quanto às fraquezas, uma boa sugestão é a de priorizar nossos reparos com foco em dois momentos. Primeiro resolver a curtíssimo prazo aquilo que é fácil de consertar. Um médico talentoso que tem seu consultório vazio, talvez por ter o cabelo pintado de roxo, poderia pelo menos tentar pintar o cabelo de outra cor, e para ontem. Pensando mais no médio e longo prazo, devemos depositar um grande contingente de energia no reparo de fraquezas que são difíceis de corrigir e que nos trazem desvantagem. Difícil de corrigir significa que a deficiência não pode ser corrigida da noite para o dia, mas não quer dizer que seja a coisa mais difícil ou penosa do mundo. Pode ser a falta de proficiência em determinada língua, falta de ferramentas de gestão, um problema de saúde crônico, etc.  A análise interna pode ser vista como aquilo que poderíamos fazer para melhorar.

Após essa análise interna, podemos passar para a construção do cenário externo, que é a percepção das ameaças e oportunidades que nos rondam no presente e que nos aguardam no futuro. Se vivemos numa cidade em que o trânsito está ficando cada vez mais caótico, e só tende a piorar, esse fator que vem “de fora” deve fazer parte do planejamento de nossa vida, já que um dia pode vir a anular nossas forças. Parte desse cenário pode ser visto como aquilo que deveríamos fazer para melhorar.

Por fim, a decisão do que devemos fazer com nossas forças e fraquezas deve ser permeada também por aquilo que gostaríamos de fazer para melhorar, e para isso é necessário identificarmos com muita clareza qual é nossa missão e quais são os nossos valores. As empresas costumam pendurar em suas paredes frases de efeito descrevendo esses conceitos eloquentes, mas poucas realmente se comprometem a seguir fielmente o que está ali escrito. Assim como as empresas, somos pressionados por todos os lados para não darmos conta de fazer aquilo que acreditamos e que faz parte do nosso discurso.

Planejar minimamente nossas escolhas e ações pode nos ajudar a integrar nossos ideais com o que realmente fazemos no nosso dia a dia. Isso é viver com integridade em busca de uma vida não fragmentada. É bom ter em mente que não são poucas as coisas que fogem do nosso controle, e nesse quesito Zeca Pagodinho tem razão em deixar rolar quando a coisa não sai do jeito planejado. Colocando o Zeca e o Sêneca compondo juntos, o pagode poderia sair assim: “Se conheço bem para onde vou, vida leva eu, com vento bom, e para o melhor lugar.”

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Aliria Rosa Piedrahita de Villegas é uma colombiana de Medelin que têm uma forte predisposição genética a desenvolver a Doença de Alzheimer, já que faz parte de uma família que carrega um gene que faz com que seus membros desenvolvam a doença entre os 40 e 50 anos de idade. Nada de pânico. Esta forma familiar corresponde a apenas 1% dos casos da doença.

Aliria, como ela mesma diz, tem um cérebro de ouro. Aos 70 anos de idade ainda não tinha queixas cognitivas. Foi identificado em 2019 que, além do gene responsável por essa forte predisposição genética à doença (PSEN-1), ela também apresenta duas cópias de uma variante rara do gene APOE, conhecida como mutação de Christchurch, cidade na Nova Zelândia onde se deu sua descoberta. A mutação de Christchurch poderia ser então um fator crítico para a proteção. Aliria e seus familiares têm sido estudados há décadas por pesquisadores de Harvard nos EUA. Através de exame PET, sabemos que seu cérebro apresenta um alto contingente de placas beta-amiloides e uma quantidade muito limitada de emaranhados neurofibrilares (proteína tau), ambos biomarcadores da Doença de Alzheimer. Então a possível proteção da mutação de Christchurch pode se dar pela redução dos depósitos desses emaranhados evitando assim a morte neuronal.  

Uma pesquisa revolucionária foi publicada esta semana pela prestigiada revista Cell mostrando que camundongos geneticamente modificados para expressarem a variante de Christchurch apresentaram menores depósitos de proteína tau apesar de grandes quantidades de placas beta-amiloides. As células micróglia, que funcionam como um depósito de lixo do cérebro, ficaram muito mais eficientes em impedir o depósito intracelular de proteína tau. Foi dada a largada para a busca de tratamentos que mimetizem os efeitos da variante de Christchurch!  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Não só o povo brasileiro, mas toda a raça humana é otimista.  Essa é a conclusão de uma série de pesquisas que aponta que cerca de 80% das pessoas superestimam as chances de eventos positivos quando têm que predizer o futuro. Esse é um fenômeno inerente da natureza humana e é observado independente do gênero, da raça, idade e nacionalidade. Mesmo os experts são otimistas quando analisam prognósticos em suas áreas.

Pensamos que vamos viver acima da expectativa de vida do brasileiro, que teremos muito sucesso na carreira quando completamos um curso de formação e que nossos filhos serão brilhantes.  Também costumamos subestimar as chances de eventos negativos, pois achamos que essas coisas só acontecem com os outros – divórcio, acidentes de carro, doenças graves. Temos a tendência de incorporar ao nosso repertório as notícias que são ainda melhores que a nossa expectativa inicial. O contrário não acontece. Quando temos contato com previsões piores que nossa ideia inicial, não damos muita bola. A posição otimista é resistente a mudanças.

Pesquisas também mostram que as pessoas com quadros depressivos são as únicas que não apresentam essa expectativa otimista superestimada do futuro. Aqueles com um quadro de depressão leve não apresentam expectativas desviadas nem para o lado positivo, nem para o negativo. Já aqueles com depressão grave enxergam o futuro de uma forma negativa exagerada.

Os cientistas já localizaram as regiões do cérebro que orquestram esse otimismo. Quanto mais otimista for uma pessoa, menos importância seu lobo frontal direito (giro frontal inferior) dará para expectativas ruins. É como se a censura ficasse adormecida. Quando a previsão é ainda melhor do que o esperado, os lobos pré-frontais são ativados de forma similar tanto nos pouco como nos muito otimistas. Além disso, quando pensamos no futuro com otimismo, duas regiões envolvidas no controle das emoções são ativadas (amígdala e giro do cíngulo anterior rostral), as mesmas regiões disfuncionais em indivíduos deprimidos.

Mas afinal esse otimismo é um aliado de nossa saúde? Na maior parte das vezes sim. Os otimistas têm maior longevidade e melhores marcadores de saúde. Apresentam menores índices de doença cardiovascular, doenças infecciosas, ansiedade e depressão, e vivem mais quando acometidos por doenças como câncer e AIDS. Além disso, já foi demonstrado que pessoas mais otimistas têm maior tendência a assumir hábitos de vida saudáveis. Por outro lado, aqueles com excesso de otimismo podem ter uma saúde mais vulnerável, pois tem maior tendência em assumir comportamentos de risco.

E por que o ser humano é tão otimista? Uma explicação bem interessante é a de que, ao adquirirmos a consciência sobre o futuro, passamos a conviver de forma mais intensa com a ideia de nossa finitude e nossas fragilidades. Ilusões otimistas criam um equilíbrio para que toda nossa consciência não atrapalhe a dinâmica da vida. Essa ilusão não deve ser exagerada, já que isso pode ter efeito pernicioso no planejamento de nossas ações. Uma pesquisa recém-publicada por pesquisadores da Universidade Bath, na Inglaterra, no periódico Personality and Social Psychology Bulletin, revelou que as pessoas com excesso de otimismo apresentam menor desempenho em testes cognitivos. O Homo sapiens pode, em diferentes graus, balizar a tendência evolucionista em ser otimista. Aí não dá para deixar de citar a icônica frase de Ariano Suassuna: O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso. Como médico não posso nem pensar em usar o termo tolo, mas Ariano é Ariano.

*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Os hipocampos poderiam ser chamados como os principais centros da memória no cérebro, localizam-se nos lobos temporais, e a redução de seus tamanhos predizem o declínio cognitivo em idosos. A interpretação imediata para esse fato é de que a atrofia dessas estruturas seriam sinais precoces da Doença de Alzheimer. Essa interpretação está, na maioria das vezes, correta. Entretanto, uma pesquisa recém-publicada pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, mostra que o déficit cognitivo subsequente pode não estar associado exclusivamente à Doença de Alzheimer.

Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Harvard Medical School e de outros centros na Europa e Australia acompanharam idosos sem queixas cognitivas por uma década. Mediram de forma seriada as estruturas cerebrais pela ressonância magnética, assim como o contingente de acúmulo das proteínas tau e beta-amiloide através do exame PET (tomografia por emissão de pósitrons). Esses exames PET têm sido repetidamente apontados como preditores de declínio cognitivo na Doença de Alzheimer. Idosos sem queixas cognitivas, mas com PET anormal para ambas as proteínas, têm 50% de chance de apresentarem declínio cognitivo nos próximos 2 a 5 anos. 

Os resultados do presente estudo mostraram que os idosos com menores volumes dos hipocampos tiveram maior chance de declínio cognitivo durante o período de seguimento. Isso já era esperado. O que chamou mais a atenção foi o achado de que essa associação é independente dos resultados dos exames de PET, sugerindo que outras doenças neurodegenerativas, não só a Doença de Alzheimer, podem ser responsáveis pelo declínio cognitivo.

Entre essas doenças degenerativas devemos nos lembrar de algumas bem menos comuns que o Alzheimer e que têm diagnóstico somente através de lâminas de patologia na necropsia, já que ainda não temos biomarcadores para detecção enquanto o indivíduo está vivo. Uma delas é a LATE (Limbic-predominant age-related TDP-43 encephalopathy), descrita em 2019. Limbic é o envolvimento preferencial da doença nos circuitos límbicos, semelhante ao Alzheimer; Age related nos diz que é uma doença que ocorre em idosos, de forma mais gradual e numa idade até mais avançada que no Alzheimer; TDP-43 diz respeito ao acúmulo de proteínas com esse mesmo nome; Encephalopathy significa disfunção cerebral difusa. PART foi descrita em 2014 e é um outro diagnóstico que pode se assemelhar clinicamente com a demência de Alzheimer. PART é o acrônimo para “Primary Age-Related Tauopathy”, condição em que o acúmulo de proteínas beta-amiloide não é expressivo.

Qual a importância disso tudo? Recentemente, três novas drogas para o Alzheimer (anticorpos monoclonais) mostraram efeitos na redução da velocidade do declínio cognitivo e redução no depósito de marcadores patológicos (placas beta-amiloides), resultados que já nos deixam enxergar uma luzinha no fim do túnel. Entretanto, os resultados clínicos foram muito modestos, e uma das explicações para isso é a de que outros diagnósticos foram incluídos nos estudos, além da Doença de Alzheimer. O desenvolvimento de marcadores para essas outras causas de demência que podem se confundir com o Alzheimer é urgente. Um marcador da proteína TDP-43 auxiliaria também no diagnóstico de metade dos pacientes com demência frontotemporal que apresenta depósitos dessa proteína e de 97% dos casos de esclerose lateral amiotrófica.  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Quem é que não deixa o carro no “piloto automático” enquanto rumina uma preocupação, pensamentos que costumam estar bem distantes da atenção que a condução de um veículo exige. Já sabemos o quanto o álcool e distrações, como o uso do celular, aumentam o risco de um acidente de trânsito, mas estudos demonstram que a redução da atenção por essas divagações da mente corresponde a até 20% dos acidentes.

Contudo, esses passeios do pensamento também podem ser vistos como valiosos para o aprendizado, criatividade e o planejamento da vida pessoal. A evolução da espécie provavelmente selecionou esses pensamentos internos como uma vantagem adaptativa para a resolução de problemas complexos, mas a condução de veículos não fazia parte do cenário. Se não estiver no volante, ou em outra situação em que a atenção seja fundamental, viver momentos em um mundo paralelo não é nada mau.

Assisti a um documentário recentemente sobre a vida do escritor Gabriel Garcia Marques em que amigos de infância e familiares contam que Gabito enxergava no dia a dia o que os outros não viam. Isso certamente contribuiu para que ele fosse categorizado como um representante maior do realismo mágico, alcunha que ele argumentava contrariamente: “a realidade que é mágica.” Uma salva de palmas a Gabito e a todos aqueles que enxergam na realidade o fantástico.

Isso me fez recordar uma carta que os brilhantes músicos americanos Herbie Hancock e Wayne Shorter escreveram para as próximas gerações de artistas para acender as mentes criativas. Acho que isso deveria servir de inspiração a todos nós, independente de sermos ou não artistas. A vida pode ser uma obra de arte. Aliás, deve ser.  

 

Seleciono aqui um trecho da carta que acho um primor: “Finalmente, esperamos que você viva em um estado de constante deslumbramento. Com o acúmulo dos anos, partes da nossa imaginação podem se apagar. Ou por tristeza, dificuldades prolongadas, ou condicionamento social, em algum momento de suas vidas as pessoas se esquecem de como acessar esta mágica inerente que existe dentro de nossas mentes. Não deixe essa parte da sua imaginação desaparecer. Olhe para as estrelas e imagine como seria ser um astronauta ou um piloto. Imagine explorar as pirâmides ou o Machu Picchu. Imagine poder voar como um pássaro ou passar por uma parede como o Super-Homem. Imagine correr com os dinossauros ou nadar com criaturas do mar. Tudo o que existe é produto da imaginação de alguém; cuide bem e nutra sua imaginação e você sempre se encontrará à beira da descoberta.  Como cada um desses fatores levam à criação de uma sociedade pacífica? – você deve estar se perguntando. Tudo começa com uma causa. Suas causas criam os efeitos que moldam o seu futuro e o futuro de todos ao seu redor. Sejam os protagonistas no filme de suas vidas. Vocês são os diretores, os produtores e os atores. Sejam ousados e incansavelmente benevolentes enquanto dançam pela viagem que é esta vida.”

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Nosso cérebro tem um mecanismo de alarme que acende a `luz vermelha` quando fazemos algo de perigoso, errado ou imoral. Contar uma mentira tem o poder de disparar esse alarme, também conhecido como amígdalas das regiões temporais. Em um estudo publicado pela prestigiada revista Nature Neuroscience tivemos a demonstração de como o cérebro colabora para o fenômeno “uma mentira leva a outra”.

Pesquisadores do University College of London estudaram através de ressonância magnética funcional os cérebros de 80 voluntários durante um jogo que eles tinham a possibilidade de mentir para aumentar as chances de ganhar o jogo.

Uma pequena mentira era capaz de estimular as amígdalas, e à medida que novas mentiras iam sendo contadas, as amígdalas iam ficando menos estimuladas, iam adormecendo. Com as amígdalas adormecidas, o cérebro ficaria mais encorajado a contatar mentiras mais robustas. E foi exatamente isso que os cientistas encontraram: à medida que eles iam mentindo, as amígdalas iam se apagando e as mentiras ficavam cada vez mais ousadas. Você deve estar aí imaginando que muitas personalidades do nosso noticiário diário devem ter as amídalas, não adormecidas, mas em coma.

E não é só de amígdalas adormecidas que a mentira vive. Regiões frontais do cérebro precisam estar intactas para que a mentira aconteça. Vejam só o caso dos portadores da Doença de Parkinson.

O Parkinson é muito conhecido pelos seus sintomas motores tais como o tremor e rigidez, mas o fato é que a doença vai muito além disso. Já é bem reconhecida a redução de funções cognitivas na evolução da doença e há quase um século já se descrevia que os parkinsonianos apresentavam uma personalidade peculiar e os estudos têm consistentemente demonstrado que há uma tendência a um maior grau de determinação, seriedade e inflexibilidade.

O processo de degeneração cerebral associado à doença é visto como um grande candidato para explicar esses traços de personalidade. A honestidade também é descrita como um traço peculiar da personalidade do parkinsoniano, descrita como uma tendência em não mentir. Nesse caso, o mais provável é que os doentes tenham dificuldade em mentir devido às alterações cerebrais e não porque sejam genuinamente mais honestos. E foi isso que pesquisadores japoneses conseguiram confirmar em um elegante estudo publicado no periódico especializado Brain.

Num teste psicológico experimental, indivíduos com o diagnóstico da Doença de Parkinson apresentaram mais dificuldade em dar respostas falsas quando comparados ao grupo controle sem a doença. Além disso, foi demonstrado que essa dificuldade em mentir foi maior entre os parkinsonianos que tinham menor metabolismo cerebral nas regiões pré-frontais, medido por tomografia por emissão de positrons (PET). Estudos anteriores já haviam demonstrado que essas mesmas regiões pré-frontais são ativadas quando um indivíduo saudável conta uma mentira. Essa foi a primeira vez que se demonstrou a base biológica da personalidade honesta dos portadores da Doença de Parkinson e que esta está associada à disfunção nas regiões frontais do cérebro.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

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