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Por Ricardo Teixeira*
COVID longa, que podemos também chamar de sequela pós-infecção aguda por COVID-19, já tem mais de 200 sintomas registrados, mas aqueles associados à disfunção do sistema nervoso estão entre os mais prevalentes e incapacitantes. Na maioria das vezes os sintomas ocorrem mesmo após um quadro agudo de COVID-19 leve, devem durar pelo menos três meses após a infecção e podem persistir por anos. Estima-se que 10-40% dos infectados podem desenvolver COVID longa.
Sintomas comuns incluem fadiga, dificuldade de memória e concentração, hipersensibilidade à luz e ruídos, ansiedade, depressão e alterações do sistema nervoso autônomo que podem levar a tontura, taquicardia, desmaios, instabilidade da pressão arterial e distúrbios do ritmo intestinal.
Não é o ataque direto do vírus que provoca essa miríade de sintomas, mas provavelmente uma resposta imunológica desregulada e inflamação sejam os principais fatores. Partículas do vírus são mais encontradas no cérebro das pessoas que têm essas manifestações crônicas. Alterações nos pequenos vasos sanguíneos do cérebro parecem colaborar também e, junto aos neurônios e astrócitos, todos são vitimados pelo processo inflamatório.
A vacinação é imperativa para a redução dos perigos de uma infecção aguda grave, mas estima-se que só reduz a chance de desenvolvimento da COVID longa em 15%. Portanto o melhor negócio é não se infectar e para isso o uso de máscaras em ambientes fechados ainda é um grande aliado. Continuo recebendo frequentemente no consultório pacientes que se infectaram pela terceira ou quarta vez, sendo que a última há menos de três meses.
E então? Melhor é continuar se prevenindo, concorda?
*Ricardo Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília
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Por Ricardo Teixeira*
Ó! Assim se pronuncia a palavra awe da língua inglesa que significa deslumbramento, admiração, reverência, mas ao mesmo tempo temor. Atingir o topo de uma montanha ao pôr do sol ou remar assistindo à aurora parecem ser mais interessantes do que fazer o mesmo no sol do meio dia, concorda? Uma pesquisa publicada recentemente no Journal of Environmental Psychology confirmaessa tendência que pode até ser encarada como uma obviedade. O começo e o fim do dia são mais belos, os fotógrafos não vão discordar, mas os extremos do dia são também mais associados à experiência mental de awe, fato confirmado pela pesquisa. A natureza, qualquer que seja o momento do dia, já é capaz de proporcionar benefícios mentais e cognitivos, mas pesquisas demonstram que com a vivência do awe os efeitos são ainda maiores.
Awe não é um sentimento que é incitado por qualquer estímulo. Qualquer fenômeno mais raro ou surpreendente na natureza tem mais chance de promovê-lo que o sol do meio dia. Estamos falando de um arco íris numa cachoeira, uma tempestade e outros estímulos que misturam o deslumbramento com o temor. Uma das teorias mais aceitas para explicar essa experiência é o encolhimento do ego, quando passamos a nos sentir um grão de areia frente a algo sublime. Pesquisas demonstram que o awe é capaz de incrementar as emoções positivas e o estado de humor, deixa as pessoas com atitudes pró-sociais, condições valiosas para o bem estar psíquico.
Outras vivências frequentemente associadas ao awe são os ritos religiosos e não religiosos, drogas psicodélicas e a arte. Ah, a Nona Sinfonia de Beethoven é um awe só.
*Dr. Ricardo Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília

Uma pesquisa recém-publicada pelo periódico Frontiers in Psychology mostrou que a educação musical entre os adolescentes promove o bem estar mental com maiores indicadores de domínios positivos no desenvolvimento dos jovens como competência e autoconfiança, atributos que estão associados a maiores contribuições para a sociedade e menor chance de comportamentos de risco, mesmo em idades mais avançadas. Aqueles adolescentes em que a educação musical teve início antes dos oito anos de idade se mostraram mais esperançosos com o futuro. O estudo foi conduzido pela Universidade do Sul da California nos EUA e envolveu 120 voluntários.
Uma série de estudos já havia demonstrado resultados positivos da educação musical sobre o desempenho acadêmico de crianças, com maior desempenho cognitivo, incluindo criatividade, mais autoconfiança e estabilidade emocional e aumento da conexão com a escola e a comunidade. Na pesquisa inicialmente destacada, os efeitos positivos foram demonstrados mesmo entre aqueles que tiveram a educação musical através de curso online para estudantes do ensino médio desenvolvido pela Fundação Fender em 2020, ápice da pandemia por coronavirus. O curso tem duração de três meses, uma hora duas vezes por semana. Aqueles que se inscrevem têm os instrumentos musicais emprestados pela Fundação Fender.
Fica aí a dica para os produtores de instrumentos musicais e aos gestores de educação no Brasil. Termino com o fim da carta às próximas gerações de artistas escrita por Herbie Hancock e Wayne Shorter para acender as mentes criativas. Acho que isso deveria servir de inspiração a todos nós, independente de sermos ou não artistas. A vida pode ser uma obra de arte. Aliás, deve ser.
“Tudo o que existe é produto da imaginação de alguém; cuide bem e nutra sua imaginação e você sempre se encontrará à beira da descoberta. Como cada um desses fatores levam à criação de uma sociedade pacífica? – você deve estar se perguntando. Tudo começa com uma causa. Suas causas criam os efeitos que moldam o seu futuro e o futuro de todos ao seu redor. Sejam os protagonistas no filme de suas vidas. Vocês são os diretores, os produtores e os atores. Sejam ousados e incansavelmente benevolentes enquanto dançam pela viagem que é esta vida”.

A culpa de ter feito algo de que nos arrependemos é um sentimento bem desconfortável, especialmente quando ficamos ruminando essa culpa por longos períodos. Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Basel na Suíça, e recém-publicado pela prestigiada Scientific Reports, mostra que o placebo pode reduzir esse sentimento, mesmo que você saiba que está tomando uma pílula de farinha.
Os voluntários da pesquisa eram instruídos a escrever uma situação em que se sentiam arrependidos como uma conduta fora das regras sociais ou um tratamento injusto com outra pessoa. Tomavam então uma pílula placebo, sendo avisados ou não que era placebo. Um grupo controle não tomava nada e ficava folheando uma revista de paisagens. Logo depois eles eram orientados a pensar de olhos fechados por um minuto na situação que tinham escrito e então o sentimento de culpa era quantificado. Aqueles que tomaram placebo, sabendo ou não, apresentaram menor sentimento de culpa.
Os participantes da pesquisa não apresentavam qualquer transtorno mental e novos estudos deverão ser realizados em pacientes com doenças psiquiátricas, especialmente a depressão, condição onde o sentimento de culpa é muito prevalente.
Não é a primeira vez que temos evidências de que o placebo funciona mesmo quando o indivíduo sabe que o que está sendo administrado é placebo. Esse fenômeno já foi demonstrado no controle da ansiedade e dor, por exemplo, mas também em quadros de rinite, enxaqueca e síndrome do intestino irritável. É muito importante que o terapeuta instrua os pacientes que o placebo pode ter efeitos significativos e que devem ter um pensamento positivo para potencializar seu efeito. E mais: passar a mensagem de que o placebo funcionará mesmo sem esse pensamento positivo.
Um estudo publicado no ano de 2001 pela revista Science deu uma balançada naquilo que a comunidade científica até então entendia como efeito placebo. Pacientes portadores da Doença de Parkinson receberam medicação específica para a doença (levodopa) ou pílulas placebo e o surpreendente foi que tanto os pacientes que receberam a medicação como aqueles que receberam placebo, e que tiveram boa resposta clínica, demonstraram aumento das concentrações de dopamina no cérebro.
Em outro estudo mais recente, publicado pela revista Neurology, pesquisadores de Luxemburgo mostraram que pacientes com a Doença de Parkinson que tinham boa resposta ao placebo apresentavam aumento de dopamina no cérebro em regiões que são comuns ao efeito cerebral de recompensa. Isso sugere que o fator “expectativa positiva” pode ter um importante papel no efeito placebo.
Em quadros de dor, também há evidências de que o placebo muda quimicamente o cérebro, dessa vez através da liberação de opioides endógenos, efeito que pode ser desfeito através de medicações que bloqueiam o efeito de medicações opioides. As mudanças químicas também ocorrem em quadros depressivos, sendo que o placebo apresenta efeito muito semelhante às drogas que aumentam a concentração de serotonina (ex: fluoxetina). Nessas duas condições, a “expectativa positiva” também parece ser a forma como o cérebro faz com que o efeito placebo funcione. E essa parece ser a explicação do porquê de algumas pessoas responderem positivamente ao placebo e outras não. Há evidências de que bons respondedores apresentam expectativa de receber maiores recompensas e têm maior ativação do sistema de recompensa cerebral, não só na situação de tratamento, mas também em situações de jogos que envolvem recompensa em dinheiro.
Em 2016, o British Medical Journal publicou uma pesquisa revelando que a maioria dos americanos não vê problema em receber uma medicação placebo. O estudo envolveu 853 voluntários com idades entre 18 e 75 anos que eram acompanhados por alguma condição clínica crônica. Apenas 22% achavam inaceitável o uso de placebo. O restante considerava o placebo uma alternativa possível nos casos em que o médico tem clareza que os benefícios são maiores que os riscos e, melhor ainda, quando existir transparência no que está sendo proposto quando o médico é interrogado.

Por Prof. Dr. Ricardo Teixeira
Todas as pessoas que nos maltrataram durante anos merecem pagar, mesmo que estejam mortas – o inferno pode esperar. (Chico Science)
No dia 10 de janeiro, o jornal Estado de São Paulo divulgou estudo que apontou que 18.4% dos brasileiros entrevistados concordam com a depredação dos prédios públicos. Mostrou ainda que 38% acreditam que os atos golpistas se justificam de alguma forma. No dia seguinte, pesquisa Datafolha mostra que 3% dos entrevistas são a favor dos ataques.
O judiciário promete responsabilização e punição dos organizadores, financiadores e manifestantes do ato golpista. Inclui também nessa lista os incentivadores. A presidente interina do Conselho Federal de Medicina pode ser incluída nessa última categoria, ao comemorar nas redes sociais o ato terrorista com comentário de “agora vai!”? Jair Messias deveria ser incluído só nessa categoria ou também na categoria de idealizadores?
James Piazza da Universidade da Pensilvânia nos EUA nos ajuda a responder essa questão. Ele publicou uma pesquisa em 2020 no periódico International Interactions mostrando que discursos de ódio efetuados por políticos alimentam a polarização política que por sua vez aumenta o terrorismo doméstico. A pesquisa analisou o teor de ódio em discursos políticos e a incidência de atos terroristas em 163 países no período entre 2000 e 2017.
Existe um consenso de que há um espectro de visões políticas extremistas e outro de ações extremistas. O radicalismo nesse espectro de opiniões não chega a se manifestar em radicalismo de ações, como atentados terroristas, em 99% dos casos.
Há um perfil psicológico comum entre indivíduos que passam do extremismo de ideias para ações terroristas? Décadas de pesquisas têm nos mostrado que não existe um perfil psicológico para um terrorista. Não existe um transtorno mental específico que é associado ao terrorismo. Entretanto, alguns terroristas apresentam alguns traços psicológicos mais comuns que a população geral e, mesmo nesse grupo, a prevalência de transtornos mentais não chega a 50%. Chamar os perpetradores do ato terrorista de doentes mentais alimenta o estigma de quem realmente sofre com as doenças mentais.
A ideia de que o terrorista seja absolutamente racional para alcançar seus objetivos é bastante aceita. Porém, pesquisas têm demonstrado que eles são influenciados sim pelas emoções, como a raiva, assumindo comportamentos míopes, frequentemente cegos. Podemos pensar neles como buchas de canhão, com personalidade coletiva que seguem um grande influencer.
*Dr. Ricardo Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

Uma análise dos principais estudos sobre o efeito da maconha sobre o cérebro dos adolescentes confirma que seu uso pode realmente reduzir a capacidade cognitiva nessa população. O estudo envolveu 808 adolescentes que usavam a droga pelo menos uma vez por semana por pelo menos seis meses. Após acompanhamento até os 18 anos de idade, sendo que em um dos estudos até os 38 anos, os resultados mostraram que o consumo da maconha reduziu em dois pontos o Quociente de Inteligência, especialmente por redução da memória verbal.
E não é só isso. Atendo no consultório recorrentemente adolescentes com transtornos psiquiátricos associados ao consumo da maconha. Usuários de maconha têm chance 40% maior de apresentar sintomas psicóticos no decorrer da vida, e um risco mais duas vezes maior de desenvolver esquizofrenia entre aqueles que usaram a droga antes dos 18 anos de idade. E aquilo que já foi um tema controverso, há algum tempo não é mais motivo de discussão: o uso regular de maconha aumenta sim o risco do uso de outras drogas ilícitas como a cocaína. Adolescentes com uso esporádico ou frequente têm um risco 26 vezes maior de usarem outras drogas ilícitas, 37 vezes maior de se tornarem tabagistas e três vezes maior de consumirem álcool em quantidades exageradas. Quanto mais precoce for o uso crônico da maconha, maiores os danos. O aumento do consumo de álcool foi demonstrado recentemente numa análise de mais de 4 milhões de adultos americanos em 11 estados em que houve a liberação do consumo recreativo da maconha, especialmente entre aqueles com idades entre 18 e 24 anos.
As evidências científicas dessa história não são nem um pouco tímidas. Uma prova incontestável de que o cérebro adolescente é realmente mais sensível aos efeitos tóxicos da maconha é o estudo publicado pela revista Brain em 2012 em que foram demonstradas alterações microestruturais que reduzem a eficiência das conexões cerebrais entre usuários crônicos de maconha. Mais uma vez, as perdas foram maiores naqueles que começaram a fumar já no início da adolescência.
Existe uma crescente ideia entre os jovens de que o cigarro é “careta”, pois faz mal à saúde, e de que a maconha é bem diferente. O conjunto de evidências que dispomos atualmente demonstra que tanto o cigarro como o álcool trazem muito mais danos à sociedade do que a maconha, mas também revelam que os efeitos negativos da maconha sobre a saúde humana não são nada desprezíveis. Para entender ainda mais os efeitos da maconha sobre o cérebro dos adolescentes, um grande estudo está em andamento nos EUA e acompanhará dez mil crianças a partir dos dez anos de idade (Adolescent Brain Cognitive Development Study). Esse estudo nos trará resultados sobre o efeito da maconha em um cérebro em desenvolvimento, reunindo análises genéticas, neuropsicológicas, de neuroimagem e rendimento acadêmico.

Pais, respirem fundo. Uma das tarefas mais difíceis que temos nos dias de hoje é a de limitar o número de horas que os filhos ficam absorvido nos games, concorrendo com o tempo para atividade física, convívio familiar, sono, tarefas escolares, etc. Quanto à socialização com amigos, o mundo dos games até que não é dos piores, pois muitos jogam em plataformas que permitem que o jogo aconteça com outros amigos online, mas na maior parte do tempo eles jogam sozinhos mesmo, especialmente as crianças. Entretanto, do ponto de vista cognitivo, os games podem até trazer benefícios. Isso é o que aponta um estudo recém-publicado pelo prestigiado periódico JAMA Network Open após uma avaliação de quase 2000 crianças americanas.
Este é o maior estudo feito até então para avaliar a relação entre a prática de videogames e desempenho cognitivo. Crianças com 9 a 10 anos de idade que jogavam três horas ou mais por dia pontuaram melhor em testes cognitivos envolvendo controle de impulsividade e de memória de trabalho quando comparadas a crianças que não jogavam. A Academia Americana de Pediatria recomendava que os eletrônicos fossem limitados a duas horas diárias em crianças maiores de seis anos. A partir de 2016, a mesma Academia publicou um novo documento mostrando-se um pouco mais flexível e não deu mais um limite fixo de horas, mas incentivou os pais a limitarem o uso dos eletrônicos visando a não concorrência com as atividades importantes de uma vida. Para as crianças entre 2 e 5 anos recomendou um limite de 1 hora por dia de eletrônicos e para as menores de dois anos, pequenos contatos de atividades inteligentes` sempre acompanhados dos pais.
No presente estudo, além de terem apresentado um desempenho mais rápido nos testes cognitivos, os jogadores de videogame apresentavam maior ativação de áreas cerebrais envolvidas na atenção e memória medida por Ressonância Magnética Funcional. Curiosamente, tinham também uma menor ativação em áreas visuais o que sugere um processamento visual mais eficiente.
Vários estudos já tinham demonstrado uma associação entre a prática de jogar videogame e piora do comportamento e saúde mental entre crianças e adolescentes. O atual estudo sugere que existem também ganhos cognitivos. Na população estudada não houve maior prevalência, entre os jogadores, de depressão, comportamento agressivo e violento. Infelizmente, a pesquisa não separou categorias de videogames (e.g., esporte, aventura, luta) e o impacto cognitivo separado por tipo de videogame deverá ser explorado em futuros estudos.

Você samba de que lado
De que lado você samba
De que lado, de que lado
De que lado, de que lado
Você vai sambar?
O problema são problemas demais
Se não correr atrás da maneira certa de solucionar
Samba do Lado – Chico Science
O último post tratou tratou do perfil psicológico de indivíduos que querem a destruição dos modelos institucionais vigentes, um ativismo disruptivo a que foi dado o nome de Necessidade de Caos por cientistas políticos da França e Dinamarca ainda este ano. Os pesquisadores se somaram a um grande corpo de evidências que estuda a escalada de líderes populistas nas democracias ocidentais nos últimos anos. Hoje, falaremos um pouco mais sobre esses personagens.
No ano de 2021 o presidente da Coalisão de Saúde Mental Mundial rejeitou a orientação da Associação Americana de Psiquiatria ao dar um diagnóstico psiquiátrico a uma pessoa pública, no caso, Donald Trump, sem examiná-lo pessoalmente. A Coalizão se valeu da Declaração de Genebra que defende que médicos podem se expressar quando frente a governos destrutivos, Declaração criada após a experiência do Nazismo.
De acordo com a Coalisão, o fenômeno Trump e seus seguidores estão embasados em um narcisismo simbiótico e uma psicose compartilhada. Por narcisismo simbiótico devemos entender que um líder, faminto por adulação para compensar sua baixa autoestima, projeta uma onipotência grandiosa, enquanto seus seguidores, carentes pelo estresse social e econômico, buscam ansiosamente por uma figura parental. Quando esses indivíduos assumem posições de poder, eles elicitam a mesma patologia numa parte da população com encaixe perfeito, como uma chave feita para aquela fechadura. Quanto à psicose compartilhada, eles a chamam também de folie à million. Folie à deux (loucura a dois) é um fenômeno descrito na psiquiatria desde o século XVII e refere-se a sintomas delirantes compartilhados por duas pessoas geralmente da mesma família ou próximas. A folie à deux também é chamada de transtorno psicótico induzido, e folie à million, socorro! Quando um indivíduo muito sintomático é colocado em posição de poder e influência, seus sintomas podem se propagar à população por meio de ligações emocionais, amplificando patologias pré-existentes e afetando até indivíduos previamente saudáveis. E o fator delirante provavelmente é mais forte do que um cálculo estratégico, pois ele se dissemina mais facilmente.
É importante salientar que os indivíduos com transtornos mentais como um grupo não são mais perigosos que a população geral, mas quando o transtorno mental vem acompanhado de componentes destrutivos, esses indivíduos são mais perigosos sim. E de onde vem esse elemento destrutivo? Simplificando, se uma pessoa não recebe amor, ela busca respeito. Se ela não tem o respeito, ela realiza ameaças. Trump viveu a rejeição e a violência é uma compensação à perda de poder.
Esta não é uma história de ficção e qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real aqui nos trópicos não é mera coincidência. Em 2021, um grupo de renomados advogados e professores pediram ao Supremo Tribunal Federal que o presidente Jair Bolsonaro fosse submetido a exames para avaliar se ele é mentalmente apto a exercer as funções de presidente. Poucos meses antes, o psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, autoridade com mais de 30 anos de dedicação ao assunto, apontou que o presidente apresenta traços inequívocos de transtorno mental, com sinais de desvio de personalidade e condutopatia, termo este cunhado por ele para deformidade de conduta, uma sociopatia em que a pessoa não apresenta ética e valores morais. O quadro foi descrito pela primeira vez em 1855 sob o nome de “Loucura Moral”. “Diante do comportamento do senhor Jair, eu acho que há elementos suficientes para que se possa dar uma hipótese diagnóstica. Se acham os grandes poderosos, e aí vem a tirania, porque só eles que estão certos. Essas pessoas não deveriam nunca ter esse poder de mando, mas quando têm é sempre uma lástima”, diz Palomba.
Desconheço qualquer posicionamento da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sobre a saúde mental de Bolsonaro. Conheço, sim, o manifesto de mais de mil profissionais da psiquiatria contra as medidas conduzidas pelo governo Bolsonaro e denúncia de aliança entre o governo, Conselho Federal de Medicina (CFM) e ABP favorecendo o desmonte da reforma psiquiátrica brasileira e o fim das políticas antimanicomiais. A ABP se defende com nota de repúdio dizendo ter ficado “totalmente surpresa” com as mudanças propostas pelo Ministério da Saúde. Já o CFM recebeu o manifesto “Este CFM não me representa” de milhares de médicos após visita de Bolsonaro à entidade em julho deste ano. O mandatário defendeu medicações comprovadamente ineficazes contra a COVID-19, ridicularizou os senadores da CPI da COVID e declarou com orgulho que não se vacinou. Ao final, foi aplaudido de pé e alguns gritaram mito. O jornal The Lancet apontou, ainda em 2021, que o kit COVID foi encorajado pelo CFM, ação que anda na contramão das evidências científicas e a entidade é cobrada a proibir oficialmente essa prática. No ano de 2022, ainda permanece a autonomia do médico em prescrever cloroquina na COVID-19, mesmo após ação movida pela Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal para que o CFM puna médicos que insistirem com essa conduta.
É obrigatório, para entender melhor o caso Bolsonaro, assistir ao documentário Quebrando Mitos de Fernando Grostein Andrade, o mesmo diretor de Quebrando o Tabu . O documentário explicita brilhantemente o que tentei expressar nesse post e muito mais.


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A ciência política tem apontado uma crescente polarização entre partidos políticos, a emergência de líderes e movimentos populistas, circulação de falsas informações e um aumento expressivo de violência política. Esse fenômeno está associado a uma fragilização do sistema tradicional de ativismo político das democracias ocidentais.
Uma série de estudos tem apontado que fazem parte desse cenário indivíduos que querem a destruição dos modelos institucionais vigentes e esse ativismo disruptivo, chamado de Necessidade de Caos, é mais frequente entre indivíduos socialmente marginalizados e em sociedades com maior desigualdade econômica. É mais comum entre homens e em indivíduos com renda média do que os de baixa renda. A Necessidade de Caos também é associada à psicopatia e personalidades com forte componente de narcisismo e maquiavelismo. Pesquisas têm sugerido que essas pessoas têm um intenso desejo de subir subitamente na escala de reconhecimento social e a promoção do caos é uma estratégia para alcançar essa obsessão.
Uma pesquisa recente demonstrou essa tendência em 20% dos voluntários em quatro diferentes países de língua anglo-saxônica: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Inglaterra. Uma escala para avaliação do sentimento de Necessidade de Caos foi aplicada a mais de 12 mil adultos e incluía itens como “Quando penso em nossas instituições sociais e políticas penso que elas deveriam ser destruídas” ou “Eu fantasio um desastre que acabe com quase toda a humanidade para um pequeno grupo de sobreviventes começar tudo de novo.” O estudo apontou que a Necessidade de Caos com alta pontuação na escala descrita anteriormente foi mais frequente entre os voluntários que tinham perfil político de extrema direita e com característica mais niilista, sem uma visão de reconstrução.

Pesquisas têm demonstrado nos últimos anos que, mesmo dentro da cidade, o contato com o verde pode trazer benefícios ao cérebro. Voluntários ao caminharem pela cidade com um aparelho de eletrencefalograma portátil, e passarem por ruas comerciais agitadas, apresenta o cérebro excitado. O contrário acontece em um parque da cidade, quando as ondas cerebrais ficam mais “meditativas”. Sabemos também que pessoas que moram próximas a árvores e parques têm níveis menores do hormônio do estresse cortisol quando comparadas às que vivem cercadas de concreto por todos os lados.
Já é bem reconhecido que as pessoas que vivem nas grandes cidades têm maior risco de apresentar transtornos mentais. Através de ressonância magnética funcional, foi demonstrado que o cérebro de quem mora no campo reage de forma diferente a estímulos de estresse quando comparados aos moradores da cidade. Isso rendeu até a capa da prestigiada revista Nature. Os pesquisadores mostraram uma maior ativação das amígdalas entre os moradores de grandes cidades e foi curioso o fato de que isso estava presente mesmo nos adultos que viveram nas “selvas de concreto” somente na infância.
Outro estudo, conduzido pelo Instituto Max Planck na Alemanha, apoiou esses achados ao demonstrar que as pessoas que moram ao redor de muita natureza têm maior integridade de uma das regiões do cérebro mais associadas ao processamento do estresse e reações frente ao perigo. E essas estruturas são as amígdalas. Mas para desvendar a velha pergunta, o que vem primeiro, o ovo ou a galinha, o Instituto Max Planck acaba de publicar novos resultados apontando que o contato com a natureza é que é responsável por essa maior integridade, e não o contrário. Digamos que pessoas com essa anatomia avantajada das amígdalas tivessem a tendência em morar mais próximos à natureza. Provavelmente não é isso o que acontece. Dessa vez foi comparada a ativação das amídalas, por ressonância magnética funcional, após uma hora de caminhada na floresta ou numa rua movimentada. Após a caminhada na floresta, as amígdalas ficaram menos ativadas, o que não aconteceu com os voluntários que ficaram nas ruas da cidade.
O local onde moramos pode mesmo influenciar nossa saúde, não só a saúde mental. Sabemos que morar à beira de rodovias aumenta o risco de doenças cardiovasculares devido à poluição do ar, e quanto maior o número de restaurantes “fast food” na vizinhança, maior o risco de infarto agudo do coração e derrame cerebral. O risco de diabetes é menor em comunidades que têm na vizinhança boas opções para realização de atividade física, além de comércio com oferta de produtos alimentícios saudáveis. Isso sem falar no trânsito.

No ano de 2017, Roger Federer, aos 35 anos, ganhou seu oitavo título de Wimbledon e foi o atleta mais velho a faturá-lo. Nesse mesmo ano, uma pesquisa publicada pelo periódico PLOS ONE, envolvendo mais de três mil voluntários com idades entre 16 e 44 anos, nos mostrou que aos 24 anos alcançamos nosso pico de desempenho cognitivo-motor. Apontou ainda que a maturidade traz algumas compensações. O desempenho dos voluntários, após milhares de horas num jogo de computador com a mesma lógica do xadrez, foi medido pela rapidez com que reagiram aos seus oponentes e pelas estratégias que usaram no desafio. Jogadores mais velhos, apesar de mais lentos, compensaram a desvantagem de velocidade com estratégias mais eficientes no jogo.
Quando se pensa em criatividade, a maturidade traz também suas compensações. Uma análise feita das carreiras de 31 ganhadores do Nobel de economia nos mostra que existem épocas na vida em que somos mais criativos. Nessa avaliação, foram encontradas duas ondas diferentes de criatividade, uma por volta dos vinte e poucos anos e outra entre os cinquenta e sessenta anos.
A primeira onda foi chamada de inovação de conceitos. É o pensar “fora da caixinha”, onde novas ideias põem em xeque o saber convencional. A segunda onda, chamada de inovação experimental, é a produção de conhecimento a partir do saber acumulado e nos traz formas inéditas de análise, interpretação e síntese. Os resultados são concordantes com estudos prévios que analisaram ondas de criatividade nas artes e em outras áreas da ciência. Pablo Picasso e Albert Einstein tiveram suas maiores criações na primeira onda, enquanto Paul Cézanne, Virginia Woolf e Charles Darwin brilharam mais na segunda onda. A Teoria da Relatividade foi publicada por Einstein aos 26 anos de idade e Darwin publicou a Teoria da Evolução aos 51 anos.
Um estudo mais recente, publicado pela Nature Human Behavior, nos mostra que com o envelhecimento temos realmente um declínio no desempenho da atenção e funções executivas, fato esse já bem demonstrado por inúmeros estudos. Entretanto, os pesquisadores apontaram também que algumas funções executivas e de atenção não apresentaram piora. Voluntários, até mesmo entre os 70 e 80 anos de idade, revelaram melhor desempenho que os mais jovens.
Nesse último estudo, o estado de alerta realmente foi menor entre os mais velhos. É a capacidade de estar pronto para frear o carro numa intersecção. Já nos testes de orientação espacial, definida como a capacidade de mudar o foco de atenção para um outro ponto do espaço, os velhos se saíram melhor. É a capacidade de perceber, por exemplo, um pedestre aguardando para atravessar na faixa. Já na capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa, os velhos também foram melhores. É a capacidade de não ficar prestando atenção nos passarinhos e reduzir o foco na direção.
Mas como explicar o melhor desempenho em um cérebro mais velho que já passou por inúmeras alterações estruturais e fisiológicas? A experiência ao longo dos anos é capaz de explicar esse fenômeno? Há um robusto corpo de evidências de mecanismos adaptativos para reduzir o impacto das perdas que acumulamos ao longo dos anos. Isso vai desde compensações no metabolismo cerebral, como ter o mesmo resultado com menos energia. Maior a experiência, menor ativação neuronal, menor gasto energético e maior eficiência. Um estudo com uma droga usada para controle da epilepsia mostrou esse ajuste de gasto energético com bons resultados clínicos na cognição de idosos com declínio cognitivo.
Essa adaptação envolve também a reorganização de redes neurais ao longo das décadas. A reorganização conta até com o recrutamento de áreas do cérebro não tão envolvidas entre os jovens para uma dada tarefa, incluindo a participação maior de ambos os hemisférios, como é o caso da memória episódica. E não há dúvida que a atividade física e estímulos cognitivos amplificam o impacto desses mecanismos adaptativos.

“Serviço aos outros é o aluguel que pagamos pelo nosso quarto aqui na Terra.” – Muhammad Ali
Um estudo recém-publicado pelo periódico PLOS Biology e conduzido por pesquisadores da Universidade de Berkeley no EUA demonstra que a falta de sono afeta nossas interações sociais fazendo com que tenhamos menor tendência em ajudar os outros. No dia seguinte a uma noite mal dormida, os voluntários se mostraram com menor tendência a ações altruístas simples, como abrir a porta para o outro. O estudo mostrou também que a privação de sono leva a uma menor ativação no cérebro de áreas envolvidas na empatia e, por último, de que doações para fundos de caridade são 10% menores na primeira semana do horário de verão, nos estados americanos que adotam essa medida.
A pesquisa aponta a importância do sono não mais focada no indivíduo, mas sua relevância nas interações sociais. Individualmente, já sabíamos que a privação de sono está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, obesidade, depressão e disfunção sexual. O presente estudo revela que um sono insuficiente degrada as interações sociais entre os indivíduos, degrada nossa consciência social básica de ajudar o outro. Não dormir bem afeta não só o seu bem estar físico e emocional, mas os efeitos deletérios do seu círculo social e até de estranhos. O sono adequado poderia até ser considerado um “lubrificante social”.
Estudos anteriores mostraram que a privação de sono leva a um julgamento mais negativo das expressões faciais dos outros e pode estar associado a uma menor motivação para a interação social no mundo real. Isso também foi sugerido pelos resultados de uma pesquisa publicada pela Nature Communications em 2018. Muito interessante é o fato de que a privação de sono dispara um sinal de repulsa social naqueles que estão sem dormir, mas também entre aqueles que estão interagindo com o insone. Como dizemos anteriormente, os efeitos se dão em rede!
E a relação entre privação de sono e sociabilidade é de via dupla. Camundongos submetidos a isolamento social passam a ter o sono menos eficiente. Em humanos acontece o mesmo. Em humanos, a promoção de socialização melhora o padrão do sono e a falta de sono aumenta a tendência ao isolamento social. Sabemos também que a privação de sono está associada uma maior ativação das amígdalas cerebrais quando em frente a estímulos de contextos negativos ou prazerosos. Vale lembrar que amígdalas ativadas aumentam o hormônio do estresse cortisol e nos deixam prontos para a luta ou para a fuga.

Além de saúde, o que os pais mais desejam aos filhos é que eles sejam bons, felizes e com boas relações de amizade. A relação entre bondade, amizade e felicidade tem sido descrita como de reciprocidade. Pessoas mais felizes têm maior tendência a apresentar comportamentos prossociais e também de ter um bom círculo de amizades. Crianças com boa aceitação pelos amigos, por outro lado, também são mais cooperativas e equilibradas emocionalmente. Além disso, pessoas mais felizes têm mais ferramentas para fazer o bem aos outros, atitude que também promove o bem estar.
Sonja Lyubomirsky, uma das maiores autoridades em pesquisas sobre felicidade, participou de um estudo experimental que aponta que crianças que exercitam a gentileza passam a se sentir mais felizes e também a serem mais populares com seus coleguinhas.
Quatrocentas crianças canadenses com idades entre 9 e 11 anos foram estudadas em dois diferentes grupos. Metade delas foi orientada a fazer três ações de gentileza por semana, por exemplo, dividir o lanche com um amigo ou dar um abraço na mãe ao sentir que ela está estressada. A outra metade tinha a tarefa de visitar três lugares diferentes por semana, por exemplo, o parquinho e a casa dos avós.
Após quatro semanas, as crianças sentiram-se mais felizes e passaram a ser mais populares, mas esses efeitos foram maiores entre aquelas que cumpriram as tarefas de gentileza. Escalas de felicidade e bem estar foram aplicadas e a popularidade foi medida pelo número de coleguinhas que escolhiam a criança como potencial parceiro para um trabalhinho escolar.
Se ações de gentileza são tão boas para quem as faz, por que elas não são mais comuns no nosso dia a dia? Uma explicação para esse fenômeno foi explorada por um estudo publicado recentemente por pesquisadores da Universidade de Austin nos EUA. Eles demonstraram através de vários experimentos que há uma expectativa descalibrada do impacto que uma ação prossocial pode gerar no bem-estar psíquico de quem recebe. Quem faz a ação julga que o resultado na vida do outro será menor do que acontece na realidade. Se as pessoas ao fazerem pequenas ações gentis aos outros tivessem consciência da grande diferença que elas podem fazer, certamente fariam mais dessas ações. Isso aumentaria o bem-estar psíquico de quem dá e de quem recebe. Os experimentos também confirmaram o aspecto contagiante de ações de gentileza – gentileza gera gentileza.

Algumas doenças podem ter um efeito devastador na vida de um paciente e suas famílias, especialmente no caso do câncer e de doenças degenerativas e progressivas como a Doença de Alzheimer. Perguntas comuns nessas situações como Por que comigo?, Por que logo com meu filho?, Por que isso tudo? nos dão uma pista de que além dos cuidados físicos e emocionais, uma janela preciosa na relação entre a equipe de saúde e o paciente e seus familiares pode estar se abrindo: a dimensão espiritual.
De acordo com a Conferência de Consenso Internacional em Espiritualidade na Assistência Médica, espiritualidade é a maneira com que as pessoas buscam significado, propósito, conexão, valor ou transcendência. Isso pode incluir religiões, mas também outras formas de busca de sentido através de conexão, por exemplo, com a família, comunidade ou natureza. Para pessoas sem doença, a experiência espiritual em comunidade, como é o caso da participação regular em cultos religiosos, está associada a uma vida mais saudável, maior longevidade, menos depressão e suicídio e menor uso de substâncias psicoativas. O respeitadíssimo periódico da Associação Médica Americana (JAMA) publicou bem recentemente a mais rigorosa análise desse binômio espiritualidade e saúde. O estudo foi conduzido pela Universidade Harvard.
Estudos revelam que mais de 90% dos médicos acreditam que as crenças espirituais dos pacientes devem ser consideradas. Entretanto, apenas 30% dos médicos acreditam que essas crenças devam efetivamente ser abordadas, e só 10% adotam essa prática, mesmo entre pacientes terminais. Por outro lado, sabemos também serem bastante ruins os indicadores que medem a satisfação de pacientes quanto ao cuidado dispensado pela equipe de saúde aos seus aspectos emocionais e espirituais, evidenciando uma fraqueza dos serviços de saúde que precisa ser trabalhada.
Já temos um razoável corpo de evidências que indivíduos com uma maior vivência espiritual têm uma melhor relação com a doença: maior cooperação no tratamento, maior capacidade de lidar com o estresse emocional, melhora mais rápida de sintomas depressivos. Além disso, o envolvimento com uma comunidade religiosa está associado a uma maior rede social, e há tempos sabemos que pessoas socialmente integradas têm menos chance de adoecer, e quando doentes, a rede social é uma das principais fontes de apoio. Entretanto, as crenças religiosas nem sempre estão a favor da saúde do paciente, já que podem em alguns casos dificultar a aderência ao tratamento com ideias do tipo: esse é o desejo de Deus, Deus me abandonou, este é o meu destino, este é o meu castigo, etc. Em situações como essas, é importante que a equipe de saúde esteja minimamente preparada para abordar as dimensões religiosas / espirituais do paciente com a intenção de aumentar a aderência e sucesso do tratamento, além de poder contribuir para um maior senso de controle e significado do problema. Tal abordagem pode ainda identificar crenças que podem ser relevantes em determinadas decisões médicas.
Alguns podem pensar que uma conversa dessa natureza pode ser percebida pelo doente como uma intromissão na sua intimidade. Claro que se no início dessa conversa o paciente já demonstra que religiosidade / espiritualidade são dimensões que não são questões importantes na sua vida, então a conversa já deve parar por aí. Ninguém deve também “prescrever” religião aos pacientes, convencê-los que um tipo de crença ou prática seja interessante ou entrar em polêmicos embates sobre religião. A ideia de um melhor entendimento da espiritualidade dos pacientes também não tem como objetivo o médico ou outro profissional de saúde ficar dando conselhos espirituais ao paciente.
Enquanto percebemos uma medicina cada vez mais comercial, em que os pacientes passam mais tempo nas máquinas de exames do que com o médico, há espaço sobrando para a discussão e aprofundamento de questões associadas às questões espirituais dos doentes, e isso já está tomando forma. Cresce o investimento em pesquisas que analisam o impacto da inserção de aspectos espirituais na relação médico-paciente, inclusão do assunto no currículo de graduação médica e, recentemente, a Comissão de Acreditação de Organizações de Saúde nos Estados Unidos incluiu em seu manual de acreditação para hospitais a recomendação de que os profissionais de saúde abordem sim os valores espirituais dos pacientes. Talvez a busca por “medalhas de qualidade” impulsione a tão esperada reumanização da saúde – tratar não só a doença, mas o indivíduo na sua integralidade.

O consumo de café antes de fazer compras aumenta em 30% a quantidade de itens comprados e em 50% nos gastos. Esses são os resultados de uma pesquisa conduzida liderada pela Universidade da Florida nos EUA e publicada recentemente pelo periódico Journal of Marketing.
Os pesquisadores conduziram três experimentos para chegar a esses resultados envolvendo até 300 voluntários comparando o consumo de café expresso (100mg cafeína) com café descafeinado e água. Além de comprar e gastar mais, aqueles que tomaram o expresso compraram mais itens não essenciais, como velas aromáticas e fragrâncias. Isso foi demonstrado tanto em lojas físicas como em laboratório em compras pela internet. O efeito da cafeína sobre o comportamento de consumo foi bem menor estre aqueles que já consumiam café em grandes quantidades. Impulsividade associada à cafeína já foi demonstrada entre jogadores patológicos e até mesmo entre indivíduos com comportamento sexual de risco.
Por outro lado, a cafeína nos deixa mais alertas e pode inibir o comportamento impulsivo associado à privação de sono. A privação de sono deprime a função dos sistemas envolvidos no julgamento e percepção de risco e a cafeína minimiza esses efeitos negativos. A substância, nessa situação, ajuda, mas não em todas as dimensões cognitivas. Uma noite mal dormida deixa o cérebro menos eficiente em tarefas que demandam atenção e outras funções executivas. Uma dose de cafeína tem o poder de melhorar o desempenho cognitivo apenas em tarefas que exigem vigília e atenção, mas não naquelas que exigem processamento executivo mais complexo. Na privação de sono, mesmo com cafeína, a chance de erro é maior.
Uma pesquisa demonstrou, através de Ressonância Magnética Funcional e testes psicológicos, que uma noite sem dormir muda a forma como o cérebro processa a chance de ganhar ou perder. Uma noite com privação do sono provoca aumento de atividade cerebral em regiões que processam expectativas otimistas e reduz a atividade de outras que processam expectativas pessimistas. Além disso, os testes psicológicos evidenciaram que os voluntários se mostraram mais sensíveis a recompensas e com menor sensibilidade a consequências negativas.

Maior bem estar, concentração, autoestima e rendimento acadêmico. Menores índices de sintomas ansiosos e depressivos e menos problemas sociais. Esses são exemplos dos efeitos positivos da atividade física sobre as crianças e adolescentes. Nesta última semana, um estudo envolvendo mais de 11 mil crianças e adolescentes nos EUA mostrou que esses benefícios apontados acima realmente existem, mas apenas nos esportes coletivos. Quando as crianças praticavam apenas esportes individuais, a chance de problemas sociais, de atenção, ansiedade e depressão foi até maior que entre os sedentários. As atividades coletivas são um campo fértil de oportunidades na construção de relações sociais promovendo assim um melhor equilíbrio mental. E essa interação social é um combustível mais do que necessário nessa faixa etária.
Alguns estudos já tinham demonstrado a superioridade de atividades esportivas sobre o equilíbrio mental entre crianças e adolescentes, mesmo que o esporte seja individual. Entretanto, algumas pesquisas já apontavam que os esportes solitários podem favorecer o burnout entre atletas jovens dentro de uma cultura de altos volumes de treino e competitividade. Às vezes, podem até incitar comportamentos amorais. Crianças e adolescentes que competem em esportes individuais podem sofrer por uma maior cobrança pelos outros e por si próprios, já que os resultados são extremamente dependentes dos seus desempenhos. A olimpíada de Tóquio em 2021 descortinou essa problemática como nunca antes. E quando se fala em atletas de elite, é claro que o problema também existe nos esportes coletivos.

Um estudo recém-publicado por pesquisadores da Universidade de Exeter e Leeds, na Inglaterra, mostra que as pessoas que frequentemente experimentam o sentimento de solidão têm maior chance de ficarem desempregadas no curto e médio prazo, efeito que vai aumentando ao longo do tempo e é maior entre os homens. Aqui temos um círculo vicioso, já que pessoas desempregadas se sentem mais sozinhas.
A solidão está associada não só a transtornos psiquiátricos, como é o caso da depressão, mas a inúmeras doenças, especialmente a doença cardiovascular. É reconhecida como fator de risco comparável ao tabagismo e até pior que a obesidade e sedentarismo quando se pensa no sistema cardiovascular. Está associada também a pior desempenho cognitivo e menor satisfação com a vida. Quanto à influência sobre a empregabilidade, a solidão pode inibir a motivação pela busca de um trabalho ou promover um pior desempenho levando à demissão.
A pesquisa acompanhou mais de quinze mil pessoas no período pré-pandêmico de 2017 a 2020 com idades entre 16 e 65 anos. Chamou-me a atenção essa relação ser mais robusta entre os homens o que me fez lembrar dos efeitos positivos do casamento sobre a saúde física e financeira dos homens:
- melhores salários e mais estabilidade no emprego
- vida sexual mais satisfatória. Um estudo americano mostrou que 51% dos homens casados dizem estar extremamente satisfeitos com suas vidas sexuais, comparados a 36% no caso dos solteiros
- melhor saúde física e mental. Nos EUA, homens casados vivem em média 10 anos a mais que os solteiros e, quando se fala em felicidade, 43% reportam que estão muito felizes, enquanto apenas 24% dos que moram juntos dizem o mesmo
- os casados têm menos exposição a fatores de risco à saúde
Entre as mulheres, o casamento está associado a bons indicadores de saúde, mas só quando a satisfação com a união é alta. O dramático é que a maternidade está ligada à queda de empregabilidade e salário.
Quando pensamos numa vida cheia de significado vem-nos à mente biografias que contribuíram sobremaneira com a sociedade como Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, estre outros imortais.
Muitos acadêmicos reconhecem que você pode atingir uma existência com significado por três diferentes caminhos: 1) ter uma vida coerente e em harmonia com seus valores; 2) ter objetivos claros e satisfatórios no longo prazo; 3) acreditar que sua vida faz diferença num contexto maior. Essas formas também são conhecidas como coerência, propósito e importância existencial. Entretanto, os resultados de pesquisas publicadas recentemente pelo periódico Nature Human Behavior aponta um quarto caminho para incrementar a percepção de que a vida faz sentido.
Pense naquela paineira carregada de flores rosas que você encontra na esquina de casa logo pela manhã. Se você está aberto e sensível a esses pequenos momentos de beleza, poderíamos incluir a arte aqui, isso permitirá uma conexão com algo maior, a beleza inerente da natureza, fazendo com que você enxergue sua própria existência de outra forma. A isso se dá o nome de apreciação experencial. No modo cerebral de deixar o presente adormecido e virar a esquina sem se dar conta de que algo de espetacular está bem ao seu lado, pensando no boleto que está vencendo hoje, você perderá uma bela oportunidade.
Pesquisadores de três diferentes continentes estudaram mais de 3000 indivíduos para entender como a apreciação experencial está associada com a percepção de uma vida com significado. Em um primeiro estudo, conduzido no início da pandemia por COVID, os participantes eram interrogados sobre a forma como eles aliviavam o estresse nesse período. Aqueles que tinham o hábito de modular o estresse através da apreciação da beleza natural também tiveram altos índices de percepção da vida com significado. No segundo estudo, eles tinham que responder se concordavam ou não com afirmações como “Eu aprecio muito a beleza da vida”. Houve uma forte associação entre uma resposta afirmativa e sentido na vida, independente dos outros canais de fortalecimento dessa vivência (coerência, propósito e importância existencial). Finalmente, uma série de experimentos foram realizados em que os voluntários tinham que passar por tarefas. Uma delas, por exemplo, era a de assistir um documentário inspirador da BBC Planet Earth ou outros vídeos mais neutros como um tutorial de marcenaria. Aqueles que assistiram o Planet Earth reportaram que suas existências eram mais valiosas.
Os resultados confirmaram a hipótese dos pesquisadores ao mostrarem que apreciação de pequenas coisas pode fazer com que consideremos nossas vidas com mais sentido. Passar por uma lua cheia pensando na listinha de compras que precisa fazer no outro dia é viver no futuro e isso não faz o mínimo sentido. Assim a vida vai passando sem sentido. A vida acontece no presente momento.

Por Dr. Ricardo Teixeira*
É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo (Chico Science & Nação Zumbi)
Costumo provocar alguns dos meus pacientes que buscam minha orientação sobre como melhorar o funcionamento do cérebro de que existe uma hierarquia nas tarefas. A maioria está pensando em melhorar a memória, concentração e capacidades executivas. A hierarquia de tarefas se dá numa certa direção. Para otimizar essas capacidades precisamos estar vivos. Precisamos estar acordados. Precisamos prestar atenção nas coisas. Só então atingiremos bom desempenho na memória e outras funções cognitivas complexas. Só que no meio desse caminho há uma pedra: nosso equilíbrio psíquico. Você pode estar vivo, mas se o equilíbrio emocional não estiver bem modulado, o resto da cadeia fica bem prejudicada.
Isso já se reflete no segundo passo que é estar acordado. O sono é influenciado sobremaneira pelas nossas emoções. Fica extremamente perturbado quando estamos preocupados, ansiosos ou deprimidos, sem falar de tantas outras condições que perturbam a qualidade do sono, muitas delas muito comuns, como o excesso de trabalho e o consumo exagerado de álcool. Como exigir desempenho do cérebro sem um sono reparador? O fato é que muitos desses fatores ameaçam também o primeiro estágio de nossa hierarquia que é o de nos mantermos vivos. Maiores índices de doenças que reduzem nossa expectativa de vida não nos ajudarão a passar para os próximos estágios.
Temos um “zilhão” de evidências de que muitas ações que promovem o melhor funcionamento cerebral carregam também o potencial de modular nossas emoções. A atividade física regular libera substâncias no cérebro que o faz funcionar melhor. A mesma atividade física também ajuda no controle das emoções no dia a dia por outras vias neuroquímicas. E aqui nossa hierarquia de ações ganha autonomia de voo, com menos obstáculos para melhores resultados nas funções cognitivas complexas. O mesmo raciocínio vale para a sociabilidade, o trabalho altruísta, a experiência da arte, o contato com a natureza. E coisa boa atrai outras coisas boas. Onde encontramos lazer, encontramos também mais limites no tempo dedicado ao trabalho. É claro que estamos falando daqueles que têm poder de escolha. Chico Science nos lembra disso em Samba Makossa: A responsabilidade de tocar o seu pandeiro é a responsabilidade de você manter-se inteiro. Se temos poder de escolha, somos um pouco mais responsáveis em manter-nos inteiros do que aqueles que não tem teto, comida na mesa ou que vivem num sistema Casa Grande e Senzala.
E coisa ruim atrai outras coisas ruins. O uso de substâncias neurotóxicas, por exemplo, atrai comportamentos que afetam toda nossa cadeia hierárquica, comprometendoa chance de nos mantermos vivos, nosso sono, nossa cognição. É o tão conhecido círculo vicioso.
Mas se essa discussão está ficando mais embolada do que você esperava, caro leitor, vamos a uma lista simples de atitudes para turbinar seu cérebro.
Durma bem
Pratique atividade física regularmente
A dieta mediterrânea pode preservar o funcionamento do seu cérebro ao longo dos anos (peixes, cereais integrais, frutas, legumes, azeite, pouca carne e laticínios)
Evite substâncias neurotóxicas e aqui se inclui o uso exagerado de álcool
Sua socialização faz muita diferença
Seu cérebro precisa de atividades estimulantes
E nesses tempos de pandemia e guerra, mantenha sua cabeça equilibrada em cima do corpo, procurando antenar boas vibrações, preocupando antenar boa diversão. Termino com Lenine, mais um ilustre pernambucano: Enquanto todo mundo espera a cura do mal… A gente espera do mundo e o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência.
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília

O encontro anual da Academia Americana de Neurologia apresentará, no início de abril, os resultados de uma pesquisa conduzida nos EUA apontando que ter um animal de estimação reduz o declínio cognitivo quando ultrapassamos os 60 anos. Após seis anos de seguimento de 1369 adultos, com média de idade de 65 anos, aqueles que tinham um pet em casa, especialmente quando por um tempo maior que cinco anos, apresentavam desempenho em testes cognitivos com declínio mais lento. No Japão foi demonstrado recentemente que ter um cachorro, e não um gato, reduz pela metade a chance de incapacidade após os 65 anos, efeito ainda mais robusto entre aqueles que praticam atividade física. Uma maior interação social também explica, em parte, esse efeito protetor dos cães.
Sabemos que adultos que têm um animal de estimação em casa costumam ser mais integrados à comunidade. Quanto mais um adulto participa do cuidado com o bicho de estimação, mais atitudes altruísticas ele tem na comunidade e entre amigos e familiares. Quanto maior a conexão com os bichos, maior a empatia com as outras pessoas e autoconfiança.
Em 2017 a prestigiada revista Scientific Reports do grupo Nature publicou os resultados de uma pesquisa que envolveu três milhões e meio de indivíduos na Suécia acompanhados desde o ano de 2001. Aqueles que tinham um cachorro como animal de estimação viveram mais! Tiveram menor incidência de doenças cardiovasculares, mas também de outras doenças. O interessante é que os que moravam sozinhos com o cachorro foram os que mais se beneficiaram. Além disso, esse efeito protetor foi maior entre os que tinham cães de caça.
Já tínhamos evidências que essa ligação entre os humanos e os animais é capaz de promover uma redução nos níveis da pressão arterial e do estresse. Pesquisadores de Nova Iorque demonstraram que pacientes que têm cães sobrevivem mais após passado um ano de um infarto do coração. Nos últimos anos, diferentes grupos de pesquisadores evidenciaram que os indivíduos que têm cães apresentam um menor nível de alterações cardíacas provocadas pelo estresse.
E os efeitos positivos dos animais de estimação não param por aí. Há evidências de que a presença do animal está associada a uma menor procura por consultas médicas pelos indivíduos idosos e menor incidência de depressão.
As crianças também se beneficiam da presença do animal. Os cachorros são ótimos para o equilíbrio psíquico delas em situações estressantes. Durante uma prova de estresse em laboratório, a presença do cão de estimação conferiu uma resposta de estresse menor até mesmo quando comparada à presença dos pais.
Não estou advogando pela substituição dos amigos pelos animais. Entretanto, é razoável hoje em dia recomendar a uma pessoa com poucos contatos sociais, e que goste de animais, que não deixe de experimentar viver com um animal de estimação, pois ele pode fazer muito bem à nossa saúde do corpo e da mente. Também não estou querendo minimizar os efeitos positivos de um gato em casa, mas os estudos até o momento sugerem que os cães realmente parecem trazer impactos mais robustos que os gatos à saúde humana.