*Ricardo Afonso Teixeira

O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, iniciado em 1991, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology, em março de 2024, e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. DALYs é um dos principais indicadores para mensuração da carga global da doença, pois mede simultaneamente o efeito da mortalidade e dos problemas de saúde que afetam a qualidade de vida dos indivíduos. Um DALY quer dizer um ano de vida saudável perdida, e incorpora conceitos de morte prematura e anos vividos com incapacidade. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso.

A carga das disfunções neurológicas demonstrada nos alerta para a urgência da inclusão do problema na agenda das políticas públicas para a promoção de prevenção, identificação precoce, tratamento e reabilitação dessas condições que devem ser encaradas como prioritárias. Essa tarefa é de importância seminal nos países de baixa e média renda, já que o GBD também revelou que 80% dessa carga neurológica recai sobre esses países.  

  

Uma das disfunções que o GBD não conseguiria catalogar é o leve rebaixamento intelectual associado à fome e à pobreza, reconhecida como uma epidemia neurológica silenciosa.

A pobreza é reconhecida como um dos principais fatores que contribuem para o número de pessoas com retardo mental ao redor o mundo. Em países desenvolvidos, a prevalência de retardo mental situa-se em torno de 3-5 / 1000 indivíduos, enquanto em países pobres encontramos uma prevalência que chega a ser cinco vezes maior. A pobreza está por trás de dois dos principais fatores de risco para o retardo mental: deficiência nutricional e de estímulo cerebral. Do ponto de vista de saúde pública, a pobreza tem um impacto sobre o estado neurológico muito maior que a grande maioria das doenças neurológicas com suas organizadas sociedades médicas e seus medicamentos que movem o business da saúde.

Uma pesquisa publicada pela revista Neurology mostra que mesmo as crianças que não desenvolvem retardo mental chegam em idades avançadas com menor desempenho cognitivo quando crescem em situação de pobreza. Os resultados também mostraram um envelhecimento cerebral mais rápido entre os pobres.

Atacar de frente a pobreza vai além da questão de humanismo e de direitos humanos. O Banco Mundial reconhece que dentre todas as intervenções em saúde, o controle da desnutrição pode ser considerado a que apresenta melhor custo-benefício. E os primeiros anos de vida de uma criança são os mais vulneráveis para o cérebro, começando a contar desde o primeiro dia da concepção, na barriga da mãe. A mãe precisa comer bem. Todo mundo tem que comer bem. Crianças desnutridas têm menor chance de chegar à escola, e quando chegam, têm maior chance de evasão.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília