Tanto a ciência como a história nos mostra que o sono naturalmente se divide em duas partes. Antigamente dormíamos uma primeira parte por quatro horas e, após um intervalo de uma a duas horas, dormíamos um segundo período de quatro horas. Estranho? Esse também foi o comportamento das pessoas que participaram de um experimento conduzido na década de 1990 em que ficavam na escuridão completa por 14 horas consecutivas.

Logo em seguida o historiador Roger Ekrich publicou outro estudo clássico, após 16 anos de pesquisa, evidenciando que era assim mesmo que as pessoas dormiam antes da fartura de iluminação.  Roger chegou a essa conclusão após análise de textos médicos antigos, estudos antropológicos de tribos mais modernas da Nigéria e a própria literatura, incluindo a Odisseia de Homero, Dom Quixote de Cervantes entre outros.

No intervalo dos dois tempos, na “chuveirada”, as pessoas faziam de tudo, desde visitar um vizinho, fumar um cigarrinho, mas a maioria ficava na cama mesmo, lendo, fazendo sexo, refletindo ou rezando. Um manual médico do século XVI recomendava que o casal que quisesse fazer um filho deveria tentar no intervalo entre os dois sonos, pois nesse período a fertilidade seria maior. Outro dizia que o intervalo era o melhor momento para se estudar.

As referências dos dois sonos passaram a ficar cada vez mais raras a partir do fim do século XVII, coincidente com a iluminação das casas e das ruas e da criação de estabelecimentos noturnos. A noite que era só para os malditos (bêbados, criminosos, prostitutas), passou a ser um cenário de pessoas respeitáveis. Paris em 1667 foi a primeira cidade a se iluminar e dois anos depois foi a vez de Amsterdã. A noite passou a ser fashion e passar a noite na cama passou a ser considerado uma perda de tempo. Um jornal médico em 1829 recomendava que os pais estimulassem os filhos a dormir num bloco só, um sono contínuo.

Parece mesmo que acordar no meio da noite faz parte da nossa fisiologia normal. A ideia fixa de dormir num único round pode trazer angústia ao homem moderno e  também vender bilhões e bilhões de medicamentos para “consertar” o sono. O intervalo entre os sonos pode ter sido importante para o equilíbrio psíquico, já que há muitos relatos que esse tempo era usado para refletir sobre os sonhos.

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CBN-RICARDO[1]