Uma pesquisa que será divulgada na íntegra no fim do mês na Alemanha por ocasião do próximo Congresso Mundial de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) revela que quase 75% das crianças e adolescentes brasileiros que tomam remédios para déficit de atenção não cumprem os critérios diagnósticos para essa condição clínica. Resultados parciais do estudo foram divulgados nesta semana pelo jornal Folha de São Paulo.
A pesquisa envolveu quase seis mil crianças e adolescentes de 16 Estados do Brasil e Distrito Federal com idades entre4 a18 anos. Os pais e professores das crianças responderam a um questionário baseado nos critérios diagnósticos para o TDAH do DSM IV (manual americano de diagnóstico de transtornos mentais). Apenas 23,7% das 459 crianças que haviam sido diagnosticadas com déficit de atenção realmente tinham o transtorno, segundo os critérios do manual. Das 128 que tomavam remédios para tratá-lo, apenas 27,3% cumpriam os critérios diagnósticos para TDAH.
A dificuldade diagnóstica do TDAH não é um problema restrito ao Brasil. Já no ano de 1993, uma pesquisa já apontava que mais de 70% das crianças encaminhadas para uma clínica especializada em TDAH nos EUA não apresentavam esse diagnóstico.
O TDAH é uma condição geneticamente herdada que se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. O problema acomete entre 6 e 8% das crianças em todo o mundo e ate 60% delas continuarão a apresentar os sintomas durante a adolescência e idade adulta. A abordagem clínica costuma ser complexa, já que a maioria das pessoas acometidas apresenta outras comorbidades do sistema psíquico, como é o caso de ansiedade, depressão e uso de drogas.
Acredito que o TDAH esteja lado a lado com a depressão como exemplos típicos de um fenômeno de nossa sociedade contemporânea chamado de medicalização da experiência humana. Qualquer experiência de tristeza ou de perda de foco nos estudos ou no trabalho são frequentemente interpretadas de forma errônea por aqueles que têm os sintomas, e mesmo pelos médicos, como se fosse um diagnóstico de depressão ou TDAH. Não estou dizendo que esses diagnósticos não existam. Pelo contrário. São dois dos diagnósticos mais prevalentes na área de saúde mental, que precisam de tratamento, e quando se pensa em saúde pública, certamente tem muito mais indivíduos não diagnosticados do que “super-diagnosticados”.
Não é exagero falar que o TDAH seja hoje o diagnóstico da moda. Já virou até gíria. As pessoas chamam a atenção uma das outras quando há uma falha de atenção com expressões do tipo: hoje você está muito TDA! Hillary Clinton no ano 2000 manifestou oficialmente sua preocupação com excessos no diagnóstico de TDAH. A rede CNN fez uma enquete online no ano 2002 e 76% daqueles que responderam acreditavam que existia um exagero no diagnóstico de TDAH. Recentemente, tive uma conversa com a coordenadora de uma das principais escolas de Brasília que me revelou que quase metade das crianças da escola já recebeu o diagnóstico. Mesmo que seja 20% e não 50%, já seria muito alto. Durante uma aula de educação física, uma professora dessa escola chamou a atenção de um aluno para seguir sua orientação e a resposta foi desconcertante: “Professora, não peça isso para mim. Sou TDAH”.
Discute-se muito que por trás de um suposto excesso de diagnósticos de TDAH exista uma cultura de medicalização impulsionada pela indústria farmacêutica. No caso das crianças, essa cultura tem outros fortes atores que são os pais e professores. Chega-se a provocar que um rótulo diagnóstico pode ser conveniente para pais e professores que tem filhos e alunos com problemas de comportamento. Já ouvi até mesmo um professor hipotetizar que algumas escolas podem orientar seus professores a solicitar pareceres médicos estrategicamente exagerados, por interesses institucionais competitivos. Mais adolescentes usando medicações levando a maiores índices de aprovação no vestibular do colégio tal? Que assunto complicado! A sociologia tem muito a colaborar.
Muitas idéias e suposições. Entretanto, essa pesquisa traz uma grande contribuição ao sugerir que as crianças e adolescentes brasileiras estão recebendo mais diagnósticos de TDAH do que deveriam. É bom lembrar que a análise não foi feita dentro de colégios, mas foi uma amostra aleatória da comunidade. Aguardo ansioso a publicação dos resultados.
12 comentários
31 agosto, 2012 às 3:57 am
Será que o uso de medicações para déficit de atenção está exagerado? | Revista Vigor - Movimento e Saúde
[…] aleatória da comunidade. Aguardo ansioso a publicação dos resultados.*Artigo publicado no site http://consciencianodiaadia.com | Dr. Ricardo Teixeira é Médico neurologista pela Unicamp e autor do livro Prezado Doc! a […]
29 novembro, 2011 às 4:23 pm
Tatiana S. Souza
Ola Dr. Ricardo Teixeira,
Bom eu tomo uma dose altissima de ritalina por dia, nao consigo nem levantar da cama se nao tomar uma dose minima de 4 ritalinas para fazer algum efeito, ja cheguei a tomar 180 ritalinas em 4 quatro dias , sem dormir, fiquei com a boca toda mordida, nao conseguia nem tomar agua nesses dias, bom fui parar em uma emergencia, mas mesmo assim depois disso continuo tomando uma dose altissima diaria, se consigo tomo ate 60 ritalinas de 10mg. ao dia, porque me tira da depressao, tenho uma depressao profunda, e tomando a ritalina junto com os antidepressivivos e remedios para dormir, consigo sair do profundo desanimo e triteza, nao tenho vontade de sequer tomar banho sem o uso da ritalina, dura em torno de 1h a 1:30 horas no maximo o efeito de 4 ritalinas,mesmo assim nao fico muito animada, acho que meu organismo ja esta acostumado com o uso do medicamento ritalina, mas se nao tomo nao consigo sair da cama, e horrivel depender tanto dessa medicacao, por favor me envia um email dando uma sugestao para meu problema.
Grata,
Tatiana Souza
1 dezembro, 2011 às 12:18 am
Ricardo Teixeira
Oi Tatiana
Sua situação é muito difícilpara um neurologista. Só um psiquiatra para lhe ajudar
25 setembro, 2011 às 3:19 am
Teca Mouralle
Meu afilhado toma ritalina há 5 anos, por motivos de tiques nervosos, inquietude e falta de foco, mas quando o médico tentou retira-la, não conseguiu ficar sem, sentiu depressão e as inquietudes e ansiedade voltaram, sentiu também uma lerdeza na aprendizagem. será que conseguirá ficar sem a ritalina se for retirado aos poucos mesmo com a orientação médica? Será que esse remédio prejudicou em alguma coisa? até que ponto a dependência fica? Obrigada
1 outubro, 2011 às 3:55 pm
Ricardo Teixeira
Podemos pensar de outro jeito. A retirada da medicação pode provocar os sintomas pois com ela o quadro clínico fica realmente melhor.
5 agosto, 2011 às 3:03 pm
Maria
Olá, Dr. Meu nome é maria tenho 20 anos e com 13 anos fui diagnosticada com TDAH, tomei durante 3 anos a ritalina, mas depois desse periodo, começou a fazer mal, e parei de tomar. Me disseram que a fluxetina substitui a ritalina na fase adulta. Isso é verdade? existe algum outro medicamento que pode substituí-la? Obrigada pela atenção
7 agosto, 2011 às 7:37 pm
Ricardo Teixeira
Oi Maria
Na fase adulta pode haver sintomas de ansiedade ou transtornos de humor em que a fluoxetina pode ser uma opção. Na fase adulta, uma grande parte dos adultos nem tem mais necessidade de medicaçãoes.
17 maio, 2011 às 1:36 pm
Medicações para o tratamento de déficit de atenção não trazem riscos ao coração «
[…] ** Leia também Será que o uso de medicações para déficit de atenção está exagerado? […]
8 maio, 2011 às 1:02 pm
Roberto Andersen
Parabéns Dr Ricardo. Sou um estudioso da neurociência desde a década de setenta, quando fui estimulado a isso por um contato que tive com xamãs aborígenes na Austrália. Por causa dessa minha dedicação entrei na área educacional, para tentar reverter alguns processos destruidores da mente das crianças e adolescentes. Por isso fiquei muito satisfeito em ver uma autoridade médica, como você, com uma abordagem tão clara sobre o diagnóstico precipitado sobre o TDAH. É, realmente, um dilema, o que os verdadeiros educadores, como me considero hoje, passam quando encontram pais e professores querendo esconder a sua falta de competência educacional, entregando o problema da falta de controle de seu filho ou de seu aluno, aos médicos, exigindo que sejam tratados como hiperativos e com déficit de atenção. Desejo-lhe muito sucesso em sua vida, em suas pesquisas e em seu trabalho. Um grande abraço!
8 maio, 2011 às 1:45 pm
Ricardo Teixeira
Caro Roberto
Você deve imaginar como é recompensador para mim ter um feedback como o seu. Enche o tanque de combustível. Thks!
17 maio, 2011 às 5:44 am
Mary
Dr. Ricardo:
Sou educadora e tenho um filho com diagnostico de TDAH aos quatro anos.
Enquanto mãe, claro que fiquei chocada e procurei elucidar o que acontecia com ele. Ele passou por avaliação de três neurologistas entre a infância e adolescência e terapia comportamental, além de atividades complementares, desde a educação infantil. Por vários anos ele andou pela na sala durante algumas aulas, mas a estreita relação que mantivemos com a escola e a orientação dos profissionais (para nós pais e aos professores) lhe renderam aceitação de professores e colegas, além de ser exigido nas tarefas como qualquer outro aluno, embora por vezes com abordagem diferente e lhe valeram o bom rendimento escolar obtido, além de ter brincado como as demais crianças; na segunda parte do ensino fundamental até o final do médio (sempre foi aluno de escola pública), usou medicação para ajudar na concentração (fato que aceitei após relutar bastante). Acredito que hoje, aos 19 anos, já aprendeu a lidar com esses dilemas e que nossa dedicação e persistência não foram vãs: ele está no segundo ano da faculdade que escolheu (Un. Federal), morando a 1.100 km e seu rendimento é bom, espero que ele siga seu caminho e seja feliz.
Nesse mesmo período, enquanto educadora e diretora de escola, vi muitas crianças com diagnósticos confundidos e ou negados por pais, professores e profissionais de saúde (inclusive médicos e psicólogos) e constatei com pesar o sofrido fracasso escolar de várias delas, como também comemorei com outro tanto o resultado do correto encaminhamento do caso, diversas vezes fruto de um convencimento mediado ora a diplomacia, ora a pressão. Da experiência familiar e profissional obtida, estou certa de que o sucesso do tratamento do TDAH, como qualquer outro distúrbio, passa pela aceitação dos pais (de que existe um problema e precisa ser solucionado), a avaliação de profissionais de saúde competentes, professores devidamente preparados, além da integração da família/escola/terapeutas. Isso nada mais é do que o direito da criança à educação de qualidade, garantido na Constituição, previsto no ECA e na LDB – dever da família, do Estado e da sociedade.
Obrigada por sua iniciativa e disposição para discutir e provocar nossa consciência, a cada dia.
Minha consideração, sempre.
17 maio, 2011 às 2:00 pm
Ricardo Teixeira
Obrigado Mary por sua valiosa contribuição
O problema de crianças com TDAH não diagnosticadas e tratadas certamente é muito maior do que o suposto exagero de diagnósticos .