Milão, Itália, ano de 2011. Uma família de brasileiros começa a passar muito mal na casa dos parentes e todos, sem exceção, apresentam quase que simultaneamente sintomas de falta de ar, rubor facial, dor de cabeça, sensação de desmaio, agitação psicomotora e confusão mental. Alguns já estavam até dormindo e acordaram com a agitação da casa. A primeira hipótese que a família levantou foi a de uma intoxicação por algum alimento que todos poderiam ter ingerido. Será?

Eles não estavam tão enganados, pois era intoxicação, mas não alimentar. Foram ao hospital e prontamente receberam um diagnóstico que não é trivial nem mesmo para os italianos.  O exame de sangue confirmou o que a história clínica já apontava: INTOXICAÇÃO POR MONÓXIDO DE CARBONO. O sistema de aquecimento de água da residência estava vazando, e como o gás não tem cheiro, ninguém suspeitou.

Foram transferidos na mesma noite para uma clínica em que foram submetidos a um tratamento chamado de oxigenioterapia hiperbárica, o tratamento de eleição para essa condição clínica. Ficaram umas duas horas dentro de uma máquina tipo um submarino em que respiravam oxigênio com 100% de concentração e voltaram para casa com melhora significativa dos sintomas, mas bastante apreensivos quanto às repercussões futuras do evento. Será que a intoxicação poderia deixar alguma seqüela neurológica no médio e longo prazo? Essa preocupação foi o que fez essa família me procurar para uma avaliação neurológica. 

A principal razão dos sintomas da intoxicação é a deficiência de oxigênio, já que a hemoglobina que leva o oxigênio aos órgãos do corpo tem 200 vezes mais afinidade ao monóxido de carbono do que ao oxigênio, fazendo com que menos oxigênio consiga chegar aos órgãos. Além disso, uma cadeia de processos inflamatórios é desencadeada, que associada à baixa de oxigênio, pode causar danos ao sistema nervoso central e outros órgãos como o coração.

No médio e longo prazo, indivíduos submetidos a esse tipo de intoxicação comumente apresentam déficits neuropsicológicos, como redução do desempenho da atenção, memória, entre outras funções cognitivas. Transtornos do humor, alterações da audição, da marcha e do equilíbrio também podem ser encontrados. A ressonância magnética do crânio pode identificar alterações na substância branca do cérebro e em regiões específicas como os núcleos da base e hipocampo. A apresentação clínica e de neuroimagem é muito variável e depende muito do nível de exposição ao monóxido de carbono e podem aparecer mesmo semanas após o evento.

Aguardo os exames neurológicos da família, mas devemos estar já otimistas, pois todos estão bem clinicamente mais de um mês após o acidente. Difícil imaginar que exista qualquer tipo de deterioração neurológica daqui para frente.

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smallicone

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