A velha preocupação que os pais e mães têm quando vêem seus filhos conviverem com amigos que consomem bebidas alcoólicas acaba de ganhar uma nova justificativa científica. Um estudo publicado na última edição do periódico Annals of Internal Medicine demonstra que a quantidade de bebidas alcoólicas que uma pessoa consome é proporcional ao tanto que seus amigos e parentes próximos bebem. O padrão de consumo de álcool de vizinhos e colegas de trabalho não teve a mesma influência. O estudo também demonstrou que aqueles que não bebem têm menos amigos e parentes que não bebem.
O estudo foi realizado com 12 mil pessoas da famosa população americana de Framingham que tanto já ensinou ao mundo que fatores como o tabagismo e colesterol alto podem aumentar o risco de doenças vasculares como o infarto do coração. Os voluntários do estudo foram acompanhados por mais de 20 anos e de tempos em tempos eram interrogados sobre a quantidade de álcool que consumiam. Uma das maiores implicações desse estudo é a de que políticas públicas que encorajam o uso de álcool de forma responsável devem focar em grupos sociais, e não em indivíduos.
Há alguns dias, estava com amigos num restaurante que tinha as paredes decoradas com anúncios publicitários de revistas das décadas de 1960 e 1970. Chamaram-nos muita a atenção os anúncios de cigarro que vendiam sucesso e até saúde, como era o caso da vinculação da marca Hollywood com esportes. O comentário geral foi: “incrível como isto era permitido até há tão pouco tempo atrás”. Na verdade, as evidências de que cigarro causa câncer já existiam desde a década de 1950, mas a indústria do tabaco conseguiu manter a publicidade do cigarro por muitas décadas a “plenos pulmões”. A proibição da propaganda foi uma das grandes ferramentas para reduzir os índices de tabagismo no Brasil.
Agora é a vez de lutar pela regulação do consumo de álcool em nosso meio, pois os números do custo do álcool à sociedade não são muito diferentes dos do cigarro. Vale conscientizar a população que o álcool não é problema só de quem bebe. Seu custo social é tão grande que nem se consegue medi-lo direito. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou no ano de 2007 um decreto que restringiu a exibição da propaganda de bebidas alcoólicas na televisão, permitindo sua veiculação só a partir das 21 horas. Essa medida é só um começo de uma difícil política de restrição da propaganda do álcool. Pode ser que daqui a uma década, ou décadas, nos lembremos das propagandas de cerveja com loiras e sambistas com comentários do tipo: puxa, incrível como isto era liberado!
3 comentários
1 maio, 2010 às 10:28 pm
Jussara
Tudo bem que a sociedade não controle as decisões dos cidadãos, mas quando se trata do coletivo, acho importante sim, por exemplo, proibir ou pelo menos restringir o uso do cigarro em ambientes fechados. Quem quiser fumar, que fume, mas que seja bem longe de mim. Isso passa pelo bom senso tb.
Quanto ao álcool , acho que a sociedade ainda é muito permissiva. Faz quase tanto mal quanto outras drogas, mas por ser lícita, faz vistas grossas. Mas geralmente os amigos de bar e os familiares igualmente beberrões viram as costas quando um amigo ou parente fica doente por causa do álcool em excesso, e aqueles que bebem e precisam parar, sofrem pressão para não parar, são tidos como “fracos”.
Vejo pouca TV, mas pelo menos nos horários de jogo, ainda que à tarde, as propagandas de cerveja continuam passando, talvez por causa do patrocínio, não sei. E mesmo antes das 21h, se o jornal vai falar sobre futebol, a propaganda tb é veiculada normalmente.
Interessante o artigo e a complementação dos comentários.
16 abril, 2010 às 12:55 am
brunoayres
Oi Ricardo,
Me assusta uma sociedade que controle tanto as decisões dos seus cidadãos… Acho que a saúde é um valor, mas acho também que a preservação das escolhas individuais é fundamental para o senso de independência das pessoas.
Quando penso em um futuro como o que vc descreve, imagino uma sociedade de sujeitos inermes, sem capacidade de decisão nem sobre o que consomem. Em alguns países, já estão tratando gorduras e doces da mesma forma que tratavam o tabaco… E todo mundo achando normal, até desejável.
Será que vale a pena tanta vigilância e dirigismo?
Obrigado pelo artigo!
Um abraço,
Bruno
16 abril, 2010 às 1:14 am
Ricardo Teixeira
Caro Bruno
Muuuuito obrigado pelo seu comentário, talvez um dos mais importantes de toda o tempo de vida do ConsCiência no Dia-a-Dia.
A medicalização da experiência humana é uma tendência crescente e preocupante das últimas décadas. Colesterol alto vai deixando de ser um fator de risco e vai virando doença. A menopausa vira uma experiência quase patológica. Até a gravidez é atingida pelo tsunami da medicalização. Comer doces já começa a ser visto meio de lado , tipo desvio de personalidade, etc…
Tabagistas e obesos vão sendo vistos pela sociedade como fracassados, como culpados. Muitos na verdade são vítimas, e muitos não têm nada de vítimas – são escolhas conscientes, livre arbítrio. Por outro lado, essa consciência individual está mergulhada nos vieses das influências das indústrias e da cultura da sociedade. Dá pra conversar até o mês que vem…..
Quando se pensa em crianças a conversa é mais fácil!