Antigamente, o mesmo médico que fazia cirurgias, fazia também partos, e ainda cuidava dos problemas clínicos e mentais de adultos e crianças. Nós que vivemos no mundo contemporâneo das especialidades médicas, olhamos para trás e ficamos até curiosos em imaginar como é que funcionava a cabeça de um médico que tinha que abraçar responsabilidades tão diferentes. Meu avô, Dr. Aluízio Teixeira, foi uma dessas personalidades, tratou de tudo um pouco, fez o parto dos próprios filhos, mas infelizmente não tive a oportunidade de conversar com ele sobre essas coisas, pois meu papo com ele se resumia em lhe pedir biscoitos de uma lata de alumínio que ficava na prateleira mais alta do armário. Covardia…
Não há como negar que a incorporação da tecnologia à medicina trouxe consigo um processo de desumanização, de despersonalização, em que o médico quer saber da doença, mas muito pouco da pessoa doente. Muitos daqueles que procuram ajuda médica também já absorveram uma cultura de tecnologia da saúde que por vezes chega a dificultar a relação médico-paciente. O médico pode dar um diagnóstico correto, mas é freqüente o paciente só se convencer do diagnóstico quando um método gráfico confirma as palavras do médico. A situação fica ainda mais difícil no caso de doenças em que o diagnóstico é absolutamente clínico, como é o caso das doenças psiquiátricas, fibromialgia, enxaqueca, e tantas outras. Não tem jeito de fotografar estas doenças. Também é freqüente, numa primeira consulta, o paciente antes mesmo de falar sobre ele e suas queixas colocar sobre a mesa uma pilha de exames solicitando um parecer sobre as fotos e medidas dos seus órgãos.
A medicina como negócio pode dificultar ainda mais uma relação médico-paciente ideal. O médico por um lado é influenciado pelo potencial retorno financeiro que o paciente tem a oferecer ou não. Isso pode funcionar como o garçom de um restaurante que trata melhor determinado cliente, pois sabe que ele dá gorjetas caprichadas. Por outro lado, o paciente também pode ter uma relação com o médico influenciada pela idéia de negócio, e inconscientemente age como se estivesse consumindo um produto. Se a comida no restaurante atrasa um pouco, o consumidor pode exigir pressa, até de forma mal-educada, e pode ser que a comida chegue à mesa de forma mais rápida e com a mesma qualidade. É difícil imaginar que um médico consiga oferecer o mesmo nível de atenção a um paciente que já entra no consultório de forma ríspida cobrando seus direitos de consumidor. Isso faz com que o encontro entre médico e paciente deixe de ser um momento de alguém precisando de ajuda e o outro preparado e disponível a ajudar.
A chance de sucesso do encontro entre médico e paciente é ainda menor quando a escolha do médico é baseada no caderninho das operadoras de saúde. Os usuários esforçam-se para acertar o especialista que cuidarão melhor de suas queixas e freqüentemente escolhem o especialista errado. Aliás, é bem mais comum as pessoas contratarem um marceneiro para fazer um móvel por indicação de alguém do que por uma escolha aleatória na lista telefônica. A indicação de um arquiteto costuma ser mais certeira que a de um amigo ou parente, já que eles têm mais crítica do desempenho de profissionais que atuam na sua área. Por essas e por outras, eu sempre incentivo as pessoas a terem um médico de confiança e que ele seja o primeiro a ser procurado quando surge alguma nova queixa de saúde. Se ele não conseguir diagnosticar e tratar o problema, ele saberá indicar o especialista certo e de confiança.
A tecnologia médica não reduziu em nada a importância de médicos generalistas como os clínicos gerais, geriatras, pediatras e médicos de família. Muito pelo contrário, a tecnologia tem os tornado ainda mais completos. Profissionais bem formados nessas áreas e que inspiram confiança são ótimas opções para assumir o papel de médico de referência, mas especialistas de áreas clínicas também podem desempenhar bem essa função (ex: gastroenterologistas, infectologistas, endocrinologistas, cardiologistas, nefrologistas, neurologistas, oncologistas).
E então? Você já tem o seu médico de confiança?
7 comentários
24 fevereiro, 2010 às 7:41 pm
Cláudia Baddini
Gostei muito do artigo. Com certeza, nossa corrida diária pela vida, com mais ou menos consiciência, fica mais simples e tranquila se temos alguém em quem confiamos para compartilhar questões de saúde (médico), problemas legais ( como o advogado frisou), dúvidas na criação dos filhos (mãe, amigos), nossas questões mais existenciais (terapeuta). Eu acho, que por essas e outras, vale a pena alocar tempo (veja que sou economista!) na contrução nesses relacionamentos que geram confiança. Se permite, só discordo, que no restaurante o garçon te dará o mesmo atendimento, até se você tratá-lo de forma não educada. Será que a comida chega mais rápida e do mesmo jeito ? Creio que todos somos afetados pela forma gentil ou não pela qual somos tratados. Gostaria de ter mais tempo para ler mais seus posts, pois vejo que eles estão cada vez melhores!
25 fevereiro, 2010 às 12:37 am
Ricardo Teixeira
Oi Claudia
Que visita agradável!!
Você sabe melhor do que ninguém que eu sou um grande entusiasta dessas relações de confiança. Corto cabelo e compro pão sempre no mesmo lugar. Às vezes tô sem dinheiro e a máquina do cartão não funciona , NO PROBLEM , pago outro dia. Uns dias atrás perdi meu MP3 no chão do estacionamento que paro todo dia, quase que na mesma vaga. Um senhor que é funcionário do estacionamento achou no chão e sabia que era meu , pois ele me via sempre com meu sonzinho nos ouvidos, e POR temos uma relação de cordialidade de BOM DIA, BOa TARDE , COMENTÁRIOS da NOSSA SITUAÇÃO POLÍTICA, ETC….. São pequenas coisinhas que faz a vida ficar menos vulnerável. Mas não podemos também fugir radicalmente das novidades.
20 fevereiro, 2010 às 8:24 pm
Henrique Haruki Arake Cavalcante
Interessante esse post! Principalmente porque são colocações muito apropriadas para advogados também. Parabéns pelo blog!
20 fevereiro, 2010 às 10:20 pm
Ricardo Teixeira
Origado Henrique,
Acho que a vida fica muito fácil, segura e produtiva quando criamos relações de confiança e prazer que vão além da família e amigos. É bom variar de vez em quando, mas é extremamente interessante solidificar aquilo que já deu certo. É difícil alguém achar que vale a pena cortar o cabelo cada mês num lugar diferente. Compar pão na mesma padaria todo dia sentido faz algum sentido, até o momento que você descobre um pão com melhor custo-benefício.
18 fevereiro, 2010 às 2:13 am
Leonardo Fontenelle
O principal motivo de eu ter me tornado médico de família e comunidade é justamente o ganho em resolutividade que se tem quando a pessoa é atendida preferencialmente por um mesmo médico sempre.
Além disso, a Saúde da Família, como já mencionei no vizinho Kanzler Melo Psicologia, vem modificando a realidade da saúde brasileira, desde a mortalidade infantil até a incidência de dengue.
Alguns planos de saúde vêm experimentando incentivar seus usuários a estipular um médico de confiança. Se essa prática se consolidar, será o primeiro passo para que os planos de saúde passem a trabalhar de fato com a saúde, em vez de remunerar a doença.
18 fevereiro, 2010 às 2:16 am
Leonardo Fontenelle
Em tempo: respondendo à sua pergunta, Ricardo, ainda estou procurando casa para morar em Vitória (ES), e assim que tiver residência fixa vou tratar de descobrir quem é o médico de família designado pela prefeitura para minha vizinhança, bem como vou avaliar aderir ao programa de saúde da família do meu plano de saúde.
18 fevereiro, 2010 às 2:34 am
Ricardo Teixeira
Parabéns pela sua escolha profissional, Leonardo. Acho que os generalistas vão virar o jogo e terão o reconhecimento da sociedade que merecem de forma inequívoca. Para quem não sabe, ser um generalista é muito mais difícil e sofisticado do que ser um especialista.