Um hino hindu ancestral comparava o jogo de dados a uma droga aditiva. Três mil anos depois, quando apareceu o primeiro cassino na Veneza Renascentista, a classe dominante quase colapsou por conta das dívidas no jogo. Hoje o fascínio pelo jogo faz com que seu mercado movimente valores similares a todos os outros tipos de entretenimento somados. Os jogos eletrônicos movimentam mais de duas vezes o faturamento da indústria de cinema, contando com cerca de metade da população mundial como jogadores. O jogo tem o apelo gigantesco da imprevisibilidade. É uma forma de lidarmos com o incerto. Aqui nasce a teoria da probabilidade.
Platão defendia as virtudes do jogo, pois era uma maneira de ensinar as crianças a seguirem regras e como adultos seguiriam as leis. Aristocratas na idade média eram encorajados a jogar como ferramenta de autoconhecimento. Jogos competitivos são vistos como oportunidades de desenvolver habilidades de cooperação com impactos positivos na liga social, já que nos força a pensar no outro, o que o outro quer e como fará para alcançar seu objetivo.
Vício na internet ainda não faz parte da classificação internacional de doenças mentais, mas vícios em jogos sim. Alguns têm convicção que suas apostas em bets são investimentos. Ainda não entendi esse argumento, mas sei que os jogos poderiam fazer parte da listinha de meios fáceis para transbordamento cerebral de dopamina e prazer: Drugs, Sex, Rock and Roll and Games. Como disse Dra. Kelly Clamcy, especialista no assunto e inspiração da coluna de hoje, “ou entendemos como os jogos influenciam nossas vidas ou são eles que irão jogar com a gente”.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”.
Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.
O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter. Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No seu blog você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.
Uma das pérolas do trabalho de Judy é distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam as oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.
E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.
E você? Você se considera ideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com sua saúde. Mas tenho que lhe dizer que no cenário global a humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. Quase metade da população e não estão incluídos aqui muitos diagnósticos psiquiátricos.
A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar usar perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso.
Neurodiversos somos todos nós, mas o movimento de conscientização, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações que pode gerar incapacidade. Hoje é comum incluir também sob o guarda-chuva da neurodiversidade o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Hoje percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo ao dizerem que são neurodiversos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Os efeitos danosos da poluição atmosférica sobre nossa saúde são fortemente explorados através dos impactos negativos sobre os sistemas respiratório e cardiovascular, mas as repercussões no sistema nervoso não são nada desprezíveis e são na verdade um problema de saúde pública de alta relevância.
Um dos maiores vilões da poluição são as partículas minúsculas com menos de 2,5 micrômetros de diâmetro (PM 2.5). Elas podem atingir o cérebro, pois conseguem atravessar a barreira hematoencefálica que funciona como um filtro para partículas maiores. Podem também, através do epitélio olfativo, alcançar o nervo olfativo e o cérebro, assim como fazem alguns vírus. As pequenas partículas, ao entrar em contato com o cérebro, podem promover inflamação, que por sua vez deflagra alterações no cérebro nos curto e longo prazos.
A Organização Mundial de Saúde e entidades de controle do clima definem um valor máximo dessas micropartículas no ar para que não haja prejuízos à saúde da população. O fato é que as queimadas são capazes de multiplicar a concentração dessas partículas. As queimadas são responsáveis por cerca de 50% dos gases de efeito estufa, mais do que as emissões de todos os motores a combustão e fábricas juntas. As concentrações de PM 2.5 podem ser responsáveis por 50% da poluição atmosférica.
Estudos já demonstraram que a exposição a altas concentrações de PM 2.5 está associada em curtíssimo prazo a dificuldades cognitivas e a uma série de condições psiquiátricas com maior busca pelos sistemas de saúde por quadros de depressão, surtos psicóticos e tentativa de suicídio. Condições psiquiátricas estão associadas a essa poluição também quando se pensa no longo prazo. O mesmo se vê com doenças neurogenerativas, como Parkinson e Alzheimer, assim como o acidente vascular cerebral.
O maior risco de obesidade nas pessoas expostas à poluição foi parcialmente explicado pela menor eficiência do hormônio da saciedade leptina. Animais expostos a altas concentrações de PM 2.5 apresentaram inflamação no hipotálamo, estrutura do cérebro que dialoga com a leptina. Após cinco dias de exposição, os animais dispararam a comer. O desenvolvimento do diabetes tipo 2 também tem forte associação com o PM 2.5.
Uma pesquisa recém-publicada pelo periódico Environmental Health Perspectives apontou que o cérebro dos pequenos também sofre com altas concentrações de PM 2.5. Mais de dez mil pré-adolescentes do maior estudo americano sobre o desenvolvimento do cérebro do adolescente (ABCD) apresentaram mais sintomas psiquiátricos nos períodos de maiores concentrações de PM 2.5, podendo persistir por até um ano. Aqui estamos falando de sintomas de depressão, ansiedade e comportamento desafiador.
Tem sido demonstrado também efeitos negativos sobre o cérebro e desenvolvimento de crianças em que a mãe foi exposta a estas substâncias em altas concentrações. Os efeitos negativos incluem alterações estruturais do cérebro, rebaixamento cognitivo e até mesmo limitação motora.
Para finalizar, vamos falar do impacto na expectativa de vida. Pesquisas em países como Canadá, Holanda e Finlândia demonstram que um aumento de 10µg por m3 na concentração de partículas menores que 2.5µm está associado a uma redução na expectativa de vida de 0.8 a 1.3 anos. Um importante e pioneiro estudo foi publicado no jornal New England Journal of Medicine confirmando essa relação entre poluição e longevidade só que de forma inversa: a redução da poluição é capaz de aumentar a longevidade da população. A redução dos mesmos 10µg por m3 na concentração de PM 2.5 promoveu um aumento de 0.77 ano na expectativa de vida da população.
O recado não está difícil de entender. A expressão apagão aéreo é utilizada para situações de caos na malha aérea, aeronaves. Hoje vivemos um apagão aéreo muito mais caótico: o da poluição atmosférica. Paradoxalmente é um apagão alimentado pelas chamas.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
A solidão aumenta o risco de demência, doenças cardiovasculares, sono de má qualidade, deficiência imunológica, depressão e ainda faz a pessoa morrer mais cedo. Será que esses efeitos da vida solitária podem ser explicados pela ausência de “cães de guarda”, pessoas que estimulam bons hábitos e reprimem maus hábitos? Pode até ser, mas parece que existem outras explicações.
Temos evidências que a solidão é capaz de mudar percepção, os pensamentos, a química e a estrutura do cérebro. Os solitários são mais sensíveis a experiências ruins como quando são apresentados a imagens de pessoas com expressão facial de dor. Exames de ressonância magnética funcional demonstram que o isolamento social faz com que as áreas do sistema de recompensa cerebral sejam menos ativadas quando provocadas com estímulos sociais o que explica a menor empolgação por um hipotético encontro.
Pesquisas com ratinhos mostram que o isolamento reduz hormônios cerebrais que modulam a agressividade e diminui também o processo de mielinização que é fundamental para a plasticidade cerebral. Influencia ainda a expressão de genes ligados a comportamentos ansiosos. Os animais que crescem solitários têm uma inibição no crescimento de novos neurônios em áreas associadas à comunicação e memória. Em um modelo de derrame cerebral, provocado intencionalmente, ratinhos solitários morrem mais do que os que cresceram com os companheirinhos.
Os médicos costumam lembrar seus pacientes de qualidade de sono, dieta e atividade física. Por que não incluir nesse roteiro uma “prescrição social”? Em vez de simplesmente falar ao paciente que ele deveria socializar mais, se for o caso, abordar individualmente janelas de oportunidade para que isso aconteça pode ser mais efetivo. É um momento ímpar para o estreitamento da relação médico-paciente. É inspirar uma reflexão de Etnia do extraordinário Chico Science.
Não há mistérios em descobrir O que você tem e o que gosta Não há mistérios em descobrir O que você é e o que você faz
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Na hora de escolher um político que irá comandar os rumos da sua cidade, estado ou país, é bem razoável pensarmos que esta escolha privilegiará o candidato que revele mais sabedoria. O mesmo se dá em outras escolhas da vida como um médico ou um psicoterapeuta, por exemplo. É comum termos a expectativa de que o(a) escolhido(a) seja uma pessoa sábia e não simplesmente sabida. A sabidas chamo aquelas que têm conhecimento técnico e experiência em determinado assunto. Mas uma pessoa sábia pode ir além.
Pesquisadores canadenses da Universidade de Waterloo conduziram um estudo recém-publicado pelo periódico Nature Communications para entender como as pessoas reconhecem que uma pessoa é sábia. Foram incluídos na pesquisa quase três mil indivíduos de doze países e cinco continentes. Duas qualidades principais foram identificadas como indicadores de sabedoria. A primeira é a aplicação do conhecimento de forma lógica associado a controle emocional e a segunda é a consideração e percepção dos sentimentos dos outros. Esses resultados foram semelhantes nas diversas culturas estudadas.
Os resultados também mostraram nas diferentes culturas que o pensamento lógico foi mais forte que a percepção dos sentimentos dos outros ao eleger se uma pessoa é sábia ou não. Se uma pessoa não for sabida, como descrevi anteriormente, seu componente de empatia não é suficiente para que ela seja considerada sábia. O líder do grupo de pesquisadores, Igor Grossman, exemplifica este fenômeno com o recente debate presidencial Trump-Biden em que Trump foi considerado vencedor. Apesar de Biden apresentar um melhor componente socioemocional, na articulação das ideias ele foi frágil.
Algumas sociedades priorizam valores individualistas enquanto outras valores coletivistas. A atual pesquisa sugere que a forma de enxergar sabedoria no outro não é muito diferente entre elas. Ambas dão mais valor ao pensamento lógico do indivíduo do que na sua habilidade de relacionamento com os outros.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Uma crise de enxaqueca pode ser precedida por alguns minutos por alterações sensoriais, como estrelinhas no campo visual, que duram habitualmente poucos minutos. Este é um fenômeno que ocorre em cerca de um quarto das pessoas que sofrem de enxaqueca e é chamado de aura, uma das quatro fases da doença. Outra fase é a própria dor e ainda existem duas outras que falaremos a seguir.
Antes mesmo dos sintomas de aura, muitas pessoas percebem, até com 48 horas de antecedência, que uma crise está por vir. Os sintomas incluem um aumento do apetite e sensibilidade à luz e a estímulos sonoros, fadiga, tontura, rigidez e/ou dor na musculatura do pescoço, bocejos, irritabilidade, entre outros. Esses sintomas premonitórios representam a fase prodrômica da enxaqueca. A última fase é chamada de posdrômica, com sintomas semelhantes às da fase prodrômica e é como se fosse uma ressaca após a fase de dor, podendo durar até 48 horas.
Se a maioria das pessoas com enxaqueca reconhece sintomas premonitórios, um estudo mostrou que este é o caso em 77% dos pacientes, por que não usar uma medicação para abortar a crise ainda nesta fase? Teoricamente isso faz todo sentido e nesta quarta-feira (28 agosto) tivemos a publicação de um estudo na revista Neurology da Academia Americana de Neurologia mostrando de forma pioneira que o uso de medicação já no pródromo é mais eficaz do que no início da fase de dor. A medicação utilizada foi o ubrogepant, ainda não disponível em nosso meio, mas os resultados positivos podem se replicados com medicações disponíveis no Brasil e precisam ser testados em novos estudos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Muitos encontraram maior equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal com os modelos de trabalho remoto e híbrido. É claro que isso importa não só para os colaboradores, mas também para as instituições. Mentes mais equilibradas e satisfeitas no trabalho significam maior produtividade, menor absenteísmo, menor rotatividade e talvez até mais inovação quando se pensa no médio e longo prazo.
O assunto inovação nesses diferentes esquemas de trabalho tem sua primeira análise empírica publicada na última semana no periódico Scientific Reports por pesquisadores da Universidades de Essex, na Inglaterra. Foi estudada uma plataforma interna de uma empresa de tecnologia na Índia que incentivava seus colaboradores a alimentá-la com ideias inovadoras. Algumas eram aprovadas e executadas e outras descartadas.
Os colaboradores que trabalhavam presencialmente foram os que mais alimentaram a plataforma com ideias inovadoras, à frente daqueles em modelos de trabalho remoto ou híbrido. E mais, foram os que tiveram as ideias mais aprovadas, tanto por supervisores como por clientes. Uma explicação para o resultado é a de que o contato presencial de uma equipe traz mais colaboração do que as interações virtuais. Recentemente, e ironicamente, o CEO do Zoom, plataforma em que fazemos reuniões virtuais, decidiu que os colaboradores deveriam trabalhar mais presencialmente com o principal objetivo de recuperar os indicadores de inovação da empresa.
É importante ressaltar que o modelo híbrido pode ter mais sucesso quando é bem gerenciado. Ao invés de ter colaboradores presentes na instituição de forma aleatória, alguns na segunda-feira outros na terça, por exemplo, a definição de um ou mais dias na semana em que todos se encontram pode trazer melhores resultados. Além da troca presencial com pessoas importantes em determinado projeto, o encontro com pessoas envolvidas em outros projetos e de outras áreas pode ser um combustível poderoso para novas ideias.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Por muito tempo, o termo esclerosado era usado para se referir ao estado de uma pessoa portadora de demência. Hoje consideramos que boa parte das pessoas “esclerosadas” eram, na sua maioria, portadoras da Doença de Alzheimer (DA), mas existem outras causas de demência, como a frontotemporal que acometeu o ator Bruce Wyllis e a causada por doença cerebrovascular.
Nos estudos que foram feitos para testagem de novas medicações para a DA, sempre havia um contingente significativo de voluntários que não apresentava qualquer melhora após o início das drogas. Além disso, as pesquisas também mostravam que muitos desses voluntários não apresentavam os marcadores patológicos da doença quando eram submetidos a necropsias. Estudos recentes têm demonstrado que muitas dessas pessoas podem, na verdade, ser portadoras de uma outra forma de demência que recebeu o nome de LATE. LATE é a sigla recém-proposta por múltiplos centros de pesquisa para Limbic-predominant age-related TDP-43 encephalopathy. Limbic é o envolvimento preferencial da doença nos circuitos límbicos, semelhante à DA; Age related nos diz que é uma doença que ocorre em idosos, de forma mais gradual e numa idade até mais avançada que na DA; TDP-43 diz respeito ao acúmulo de proteínas com esse mesmo nome; Encephalopathy significa disfunção cerebral difusa.
Peter Nelson, primeiro autor da publicação, compara o trabalho desse consórcio de pesquisadores com a descoberta da eletricidade por Benjamin Franklin. O grupo publicou no periódico Brain em 2019 critérios patológicos para identificação de LATE à necropsia. Os estudos realizados até o momento mostram uma prevalência da patologia de LATE em necropsias que gira em torno de 20% dos indivíduos acima de 80 anos e, em muitos casos, a DA ocorre concomitantemente.
O que era uma entidade que só poderia ser diagnosticada pela necropsia, passa a ter a partir deste mês critérios diagnósticos clínicos, de neuroimagem e outros biomarcadores que permitem que o diagnóstico seja feito em vida. Este é o resultado do trabalho de pesquisadores da renomada Mayo Clinic, nos EUA, que cunharam a nova sigla LANS para uso na prática clínica – síndrome amnéstica neurodegenerativa de predomínio límbico e que tem o LATE como seu principal representante quando os critérios para LANS são fortes.
Os critérios clínicos são um grande avanço para o delineamento do prognóstico de pacientes idosos com quadros de amnésia, especialmente no momento em que terapias que retardam o avanço da DA já estão disponíveis e logo estarão chegando ao Brasil. Aqui estou me referindo aos anticorpos monoclonais. Os critérios ajudam a separar o que é LATE e o que é DA e vale lembrar que os anticorpos monoclonais teoricamente só trariam benefícios aos pacientes com esta última doença.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Em 2022, tivemos o dia mais frio da história aqui no Distrito Federal. Os termômetros marcaram 1.4ºC e a sensação térmica ficou abaixo de zero. E não é que tinha gente nadando na Água Mineral? Essa temperatura hostil possivelmente traz algum bem-estar para esses nadadores. Sabemos que nessa hora tiveram maiores concentrações do hormônio cortisol e de neurotransmissores como noradrenalina, dopamina e endorfina.
No ano de 2017, o jornalista e antropólogo americano Scott Carney publicou seu livro “What doesn´t kill us” (O que não nos mata, em tradução livre) que foi muito bem recebido e fez parte da lista de bestsellers do New York Times. Scott tinha um projeto de escrever um livro sobre falsos profetas quando teve conhecimento de Wim Hof, um guru holandês conhecido por Iceman (homem gelo) e logo pensou que ele poderia ser mais um candidato para compor os personagens de seu livro.
Hof é conhecido como homem gelo, pois preconiza o reencontro do Homo sapiens com o ambiente natural sem o conforto a que estamos acostumados e isso inclui enfrentar temperaturas geladas sem proteção térmica. O homem gelo defende que a prática de uma rotina de meditação no frio extremo promove a regulação do nosso sistema nervo autônomo, com benefícios ao estado mental, imunológico entre outros.
Scott foi atrás de Hof na Polônia e, até a publicação do livro, Scott já estava o seguindo há quatro anos. O que era para ele um possível charlatão passou a ser um guru. Entrou para o livro dos recordes subindo quase nu, junto a Hof e outros seguidores, o Kilimanjaro a seis mil metros de altitude.
No livro você pode encontrar estudos que avaliaram particularidades fisiológicas do corpo de Hof, como um contingente avantajado de gordura marrom. O tecido adiposo marrom é abundante em animais que hibernam como os ursos, mas também existe entre os humanos e de forma bem mais expressiva nos recém-nascidos. Esse é um tecido que tem a capacidade de produção de calor para o organismo bem superior a qualquer outro tipo de tecido do corpo, e nos animais, é bem reconhecido que essa gordura varia nas diferentes épocas do ano por conta de mudanças de temperatura.
A onda “Iceman” está correndo o mundo e recentemente recebi pelas redes sociais uma prática de imersão em uma tina de gelo na Chapada dos Veadeiros. Temos algumas evidências de que a água gelada pode ter efeitos positivos para o humor e nos sistemas imunológico, endócrino e cardiovascular. Pode trazer riscos? Sim. Exposição prolongada a águas com temperaturas muito baixas pode levar a hipotermia, estresse cardíaco e arritmias. Cuidado especial deve ser tomado por aqueles com sabida patologia cardiovascular. Para os que não estão acostumados, um treinamento sob orientação profissional pode garantir mais segurança para ingressar nessa onda Iceman. Vale lembrar que o banho frio de chuveiro tem o seu lugar e pode até trazer benefícios semelhantes.
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Não é raro no consultório neurológico a apreensão de mulheres em tratamento para epilepsia que descobriram que estão grávidas. Exceto nos casos em que há um transtorno psiquiátrico grave associado, a grande maioria das mulheres que fazem tratamento para controle de crises epilépticas podem e devem ficar grávidas se este for o desejo.
Elenco a seguir algumas informações que devem ajudar a reduzir a ansiedade de pacientes e médicos quando frente à condição epilepsia e gravidez e podem também colaborar para a redução do estigma associado à doença. As recomendações foram atualizadas recentemente pela Academia Americana de Neurologia no periódico Neurology.
Há evidências inequívocas de aumento do risco para a mãe e o feto se a medicação for interrompida durante a gravidez, atitude não rara por medo da medicação vir a prejudicar o desenvolvimento fetal. Controle das crises por pelo menos 9 meses antes da gravidez significa uma chance de 84-92% da mulher não ter crises durante a gravidez.
Toda mulher fértil deve usar ácido fólico em combinação com a medicação antiepiléptica para reduzir o risco de malformações fetais, mesmo se não estiver planejando gravidez. Quando descobre que está grávida, a mulher não deve interromper seu tratamento. Se planeja ficar grávida, é bom discutir com o médico se há opções terapêuticas com menor risco. De todas as medicações, o valproato de sódio é o que está associado ao maior risco de malformações (9.7%). Em seguida vem o topiramato e fenobarbital. As drogas oxcarbazepina, lamotrigina ou levetiracetam devem ser consideradas como boas opções a depender do tipo de síndrome epiléptica. Entre essas três medicações, os índices de malformações ficam entre 3.1 e 3.5%. Sempre que factível, evitar a politerapia. Vale lembrar que o risco de malformações fetais na gravidez de uma mulher que não tem epilepsia e não usa drogas antiepiléticas é de 2.4% a 2.9%.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Um dos fenômenos muito especiais da maternidade é o deslocamento do eixo de preocupações de uma fêmea. A vida orientada para suas próprias necessidades passa a se concentrar também no cuidado e bem-estar de seus filhos.
A natureza dá uma força para que esse projeto de cuidar da cria seja bem sucedido, já que as alterações hormonais características da gravidez, parto e lactação, permitem que o cérebro das mães seja “turbinado” nessas fases. O cérebro materno é por definição um modelo espetacular do fenômeno de neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro em criar novas conexões em resposta a um estímulo.
A maior parte das evidências de incremento de funções cerebrais com a maternidade tem origem em estudos com mamíferos inferiores, especialmente os roedores. Pesquisas apontam que não só as alterações hormonais, mas também o ambiente rico em estímulos associados à maternidade (ex: múltiplas novas tarefas, sons, cheiros), têm um papel importante nesse upgrade cerebral das mães.
A maioria dos mamíferos compartilha instintos maternais de defender seu ninho e sua cria. Ao ter que optar entre sexo, drogas, alimento ou seu ratinho recém-nascido, as mamães ratinhas escolhem seus ratinhos. O cuidado com os filhotes ativa nas mães centros cerebrais de recompensa ligados ao prazer, mesmo no caso de filhotes adotivos. Esse fenômeno também foi demonstrado entre as mães humanas ao ouvir o choro dos filhos, ou simplesmente ao olhar para eles.
Em ratinhas, temos evidências de que a maternidade provoca aumento do volume dos neurônios e mais conexões em algumas regiões cerebrais. Mais recentemente, tem sido demonstrado também o fenômeno de geração de novos neurônios. As mães passam a apresentar melhor desempenho em orientação espacial e memória, ficam mais corajosas e rápidas para capturar a presa, e com menos sinais de ansiedade em situações de estresse. Tudo em prol de uma maior capacidade de alimentar as crias. Artemis é ao mesmo tempo a deusa grega do parto e da caça.
E esses efeitos parecem durar bastante. As mamães ratinhas chegam ao equivalente humano de 60 anos de idade com melhor desempenho e coragem, além de menor declínio cognitivo e também menos sinais de degeneração cerebral quando comparadas a ratinhas virgens da mesma idade.
Cerca de 80% das mulheres na gestação, especialmente no terceiro trimestre, queixam-se de menor desempenho cognitivo e alguns estudos confirmam essa tendência, mas demonstram que a intensidade não chega a atrapalhar as atividades do dia a dia. Temos evidências também que, após o parto, a mães recuperam suas habilidades e ficam até mais eficientes do que antes da gravidez. O atual corpo de evidências, juntando resultados de modelos animais e humanos, nos permite pensar que a maternidade colabora para uma maior reserva cognitiva, deixando as mulheres mais resilientes ao processo de envelhecimento cerebral. Entretanto, conclusões ainda devem ser tratadas com cautela, pois há muito que se investigar ainda, especialmente no impacto de longo prazo da maternidade sobre o cérebro.
As mães modernas, com suas rotinas de malabaristas, devem apresentar adaptações cerebrais mais robustas do que as dos modelos animais, já que são submetidas a um nível de estimulação ambiental como nenhuma outra espécie. Além de cuidar da cria e de sua própria sobrevivência, protagonizam diversos outros papéis simultâneos (esposa, amante, conselheira, profissional, dona-de-casa, etc.). É estímulo para dar, vender e jogar fora.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Chegamos aos 70 anos com o cérebro mais protegido contra declínio cognitivo quando temos um trabalho desafiador ao logo das décadas. Essa é conclusão de um estudo norueguês publicado recentemente pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia.
Após analisarem sete mil pessoas em 305 diferentes ocupações, os pesquisadores demonstraram que 42% dos que tinham um trabalho com baixa demanda cognitiva apresentaram déficit cognitivo após os 70 anos, comparados a 27% daqueles com trabalho de alta demanda. O ofício que trouxe o maior efeito protetor foi o de professor. Os resultados foram ajustados para outros fatores como sexo, nível educacional, renda e atividade física regular. Outro estudo, realizado com funcionários públicos ingleses, já havia apontado que trabalhos considerados passivos, com pouca autonomia e baixa demanda em dimensões psíquicas e sociais, estão associados a maior sedentarismo.
Mas isso não é tudo. Hirayama é o personagem do premiado filme “Dias Perfeitos”, ainda em cartaz nos cinemas, e nos mostra aquilo que as pesquisas dificilmente conseguirão detectar. Hirayama trabalha como limpador de banheiros públicos em Tóquio. Tem uma rotina de trabalho repetitiva, mas tem dois canais de conexão essenciais abertos que nos fazem enxergar a experiência humana em outras dimensões. O primeiro deles eu chamaria de amor à vida. Aqui incluo a empatia e a forte ligação com o mundo natural, seja em casa ou nos seus intervalos de almoço no trabalho. O segundo canal é o amor à arte. Sempre que tem uma oportunidade saca sua câmera fotográfica para registrar elementos do seu primeiro canal de conexão. A música o acompanha com suas fitas cassetes e, como todo filme do diretor Wim Wenders, a trilha é impecável. Chega em casa, deita-se no chão e liga sua luminária de luz fraca para ler William Faulkner. Difícil imaginar que Hirayama faça parte do grupo com maior chance de declínio cognitivo desse estudo que descrevemos anteriormente pelo fato de seu trabalho exigir pouca demanda cognitiva. Ele pode até ter traços obsessivos, mas eu diria uma obsessão do bem.
Dica de filme, mas também vai uma de livro. Faulkner já estava na mira após o relato de Gabriel Garcia Marques de que ele tenha sido o autor que mais o influenciou. O mesmo diz John Fosse, autor Norueguês, vencedor do último Prêmio Nobel de Literatura. Hirayama me inspirou a encarar “O Som e a Fúria” de Faulkner, uma sinfonia com todos os seus movimentos. O livro não é tão extenso, mas um livro difícil, talvez uma sinfonia de Mahler e não de Mozart, em que o leitor terá sua descomunal recompensa se não desistir antes de chegar ao final e ovacionar o maestro e sua orquestra.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Os japoneses têm uma tradição chamada de hakidashisara, em que hakidashi significa cuspir, expulsar, purificar, e sara se refere a um prato ou disco. Eles escrevem sobre pensamentos negativos numa placa e depois a destroem. Hakidashisara é um festival anual em que as pessoas quebram pequenos discos que representam coisas que as deixam com raiva, levando-as a uma sensação de alívio.
Pesquisadores da Universidade de Nagoya acabam de publicar na Scientific Reports da Nature os resultados de um estudo que mostra que, ao sentir raiva, a simples atitude de escrever sobre a resposta emocional ao incidente em um pedaço de papel, e jogá-lo no cesto de lixo ou triturá-lo, é capaz de neutralizar esse sentimento negativo. Os voluntários voltavam a ter os mesmos níveis de raiva que tinham antes do insulto. Isso não acontecia com aqueles que escreviam, mas eram instruídos a guardar o papel. Estes apresentaram uma redução apenas discreta dos níveis de raiva.
O estudo reforça evidências anteriores de que escrever ajuda no controle da raiva e os autores chamam atenção paras as inúmeras aplicações práticas, especialmente na redução da violência doméstica. Eles reportam que ficaram surpresos com a intensidade desse efeito após o descarte do papel e foi a primeira vez que isso foi demonstrado empiricamente.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Um dos maiores estudos populacionais sobre o impacto de fatores de risco no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e demência é o “Framingham Heart Study”, iniciado em 1948. Há alguns anos, resultados desse estudo americano, e também de outros da Inglaterra, Holanda e Suécia, chegaram a mostrar uma menor incidência de demência ao longo das últimas cinco décadas, provavelmente associada a um melhor controle de fatores de risco vasculares e melhora dos níveis educacionais e nutricionais dessas populações. Não é o caso do Brasil, onde os estudos evidenciam aumento na incidência e prevalência de demência. Como era de se esperar, o aumento dos índices de demência acompanham o aumento dos índices de diabetes, obesidade, sedentarismo e analfabetismo.
Uma pesquisa recém-publicada pelo JAMA Neurology (25 março), prestigiado periódico da Academia Americana de Medicina, aponta que o volume cerebral é maior entre as pessoas que nasceram na década de 1970 comparadas às nascidas nos anos 1930. Exames de ressonância magnética de mais de três mil indivíduos foram analisados e os que nasceram nos anos 1970 tinham um volume cerebral e superfície do córtex 6.6% e 15% maiores. Os cérebros eram de americanos participantes do estudo de Framingham. Aumento de volume cerebral e superfície cortical pode estar associado a menor risco de demência por promover uma maior reserva cerebral.
O psicólogo americano James Flynn descreveu no início da década de 1980 que testes de inteligência têm resultados com melhor desempenho de geração em geração, fenômeno conhecido por efeito Flynn. Nosso QI tem mais chance de ser maior que o dos nossos pais, enquanto o dos nossos filhos será maior que o nosso. Discute-se que os fatores mais implicados nesse incremento também são os educacionais, nutricionais e de melhor controle dos fatores de risco cardiovasculares. Para a população americana estudada originalmente por Flynn, seus resultados são concordantes com os cérebros de Framingham crescendo ao longo das décadas. Entretanto, o efeito Flynn também é demonstrado em países de baixa e média renda, o que abre uma brecha para interrogarmos o efeito civilizatório de maior acesso à informação no mundo conectado. Será que a desinformação e fake news nas redes sociais serão capazes de inverter essas tendências?
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
A carga das disfunções neurológicas demonstrada nos alerta para a urgência da inclusão do problema na agenda das políticas públicas para a promoção de prevenção, identificação precoce, tratamento e reabilitação dessas condições que devem ser encaradas como prioritárias. Essa tarefa é de importância seminal nos países de baixa e média renda, já que o GBD também revelou que 80% dessa carga neurológica recai sobre esses países.
Uma das disfunções que o GBD não conseguiria catalogar é o leve rebaixamento intelectual associado à fome e à pobreza, reconhecida como uma epidemia neurológica silenciosa.
A pobreza é reconhecida como um dos principais fatores que contribuem para o número de pessoas com retardo mental ao redor o mundo. Em países desenvolvidos, a prevalência de retardo mental situa-se em torno de 3-5 / 1000 indivíduos, enquanto em países pobres encontramos uma prevalência que chega a ser cinco vezes maior. A pobreza está por trás de dois dos principais fatores de risco para o retardo mental: deficiência nutricional e de estímulo cerebral. Do ponto de vista de saúde pública, a pobreza tem um impacto sobre o estado neurológico muito maior que a grande maioria das doenças neurológicas com suas organizadas sociedades médicas e seus medicamentos que movem o business da saúde.
Uma pesquisa publicada pela revista Neurology mostra que mesmo as crianças que não desenvolvem retardo mental chegam em idades avançadas com menor desempenho cognitivo quando crescem em situação de pobreza. Os resultados também mostraram um envelhecimento cerebral mais rápido entre os pobres.
Atacar de frente a pobreza vai além da questão de humanismo e de direitos humanos. O Banco Mundial reconhece que dentre todas as intervenções em saúde, o controle da desnutrição pode ser considerado a que apresenta melhor custo-benefício. E os primeiros anos de vida de uma criança são os mais vulneráveis para o cérebro, começando a contar desde o primeiro dia da concepção, na barriga da mãe. A mãe precisa comer bem. Todo mundo tem que comer bem. Crianças desnutridas têm menor chance de chegar à escola, e quando chegam, têm maior chance de evasão.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Na última semana, atendi uma paciente com seus 40 anos de idade com queixas de memória e atenção. Ela relatava que teve um desempenho acadêmico ótimo na infância, adolescência e início da idade adulta, há poucos anos não tinha queixas cognitivas e não tinha evidências clínicas de associação das queixas com um episódio de infecção pela COVID-19. Outros fatores que levam muito frequentemente pessoas nessa idade a terem queixas cognitivas também não estavam presentes, como ansiedade, depressão, sono não reparador, hipotiroidismo, deficiência de vitamina B12 e uso frequente de maconha. Mas ela tinha o hábito de consumir aiahuasca, Santo Daime, semanalmente. Temos evidências que o uso agudo ou crônico desse alucinógeno pode afetar negativamente a cognição?
Temos um crescente corpo de investigações sobre os efeitos de alucinógenos como aliados no tratamento de transtornos mentais, como estresse pós-traumático, drogadição, depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, anorexia. Muito menos se investigou sobre os efeitos cognitivos dessas substâncias e os achados ainda são muito inconsistentes. Alguns estudos apontam efeitos positivos sobre a memória e atenção, enquanto muitos mostram prejuízos. Doses maiores parecem ter efeitos mais deletérios. Novas pesquisas devem ser conduzidas para que se esclareça os efeitos da dose, frequência de uso e nível de pureza dos preparados, refiro-me à concentração de dimetriptana (DMT), componente psicoativo da aiahuaska. Além disso, amostras maiores de indivíduos devem ser estudadas, idealmente com e sem transtornos mentais. As pesquisas até o momento foram realizadas com um número muito limitado de participantes.
Então, respondendo à pergunta da paciente “O chá de aiahuasca pode estar deixando meu cérebro ineficiente?”, a resposta é: pode sim, e pelo que temos de evidências, pode ser pior com doses mais altas.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
No final de fevereiro, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.
Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha. Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.
Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência. Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.
Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.
Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de uma onça. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.
E mais um: demência.
Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
A meia-idade é um período de relativa estabilidade, especialmente nos relacionamentos pessoais, mas algumas pessoas passam por uma grande insegurança emocional nessa fase da vida. A crise da meia idade existe e afeta no máximo um quarto dos quarentões e cinquentões. Ao tomarem consciência de que existem menos anos de vida pela frente, algumas pessoas passam a ter planos menos ousados. Outras passam a ter o comportamento inverso: começam a realizar tudo aquilo que gostariam de ter feito e não fizeram.
As estatísticas vão de 10 a 25%. A maioria daqueles que referem ter passado por uma crise nessa idade reconhece que eventos como a perda do emprego ou de um parente foi muito mais importante que a idade por si só. Nem todo mundo entra em depressão ou começa a abusar do álcool ou outras substâncias psicoativas.
Estudos populacionais nos mostram que, ao longo da vida, as pessoas sentem-se menos felizes nesta época da vida. Há um comportamento chamado de curva em formato de “U”. A base do “U” é o menor estado de felicidade na meia idade e as pontas do “U” representam a velhice e infância / adolescência. Por outro lado, quando se pergunta a idosos qual a idade que eles mais gostariam de viver novamente, eles respondem que é os quarenta e poucos anos. Fatores biológicos podem ter sua importância, mas os eventos que acontecem no decorrer da vida podem ser mais importantes.
Muitos percebem falhas cognitivas que não apresentavam antes e uma desconfiança de que seja o início de uma doença neurodegenerativa. A Doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência, não costuma acometer as pessoas antes dos 60 anos de idade. Existe o envelhecimento normal do cérebro, assim como o de qualquer órgão do corpo, mas algumas pessoas caem numa espiral psíquica negativa por não tolerarem pequenas mudanças. Na dúvida, converse com um médico.
As mulheres ainda passam pela transição para a menopausa, período em que as queixas cognitivas se acentuam, mas felizmente somente durante a transição. E as dificuldades no homem não devem ter como vilão um baixo nível de testosterona. A esmagadora maioria dos homens não apresenta hipogonadismo e, por isso, o termo andropausa é tão criticado pelos endocrinologistas.
O cérebro já é menor aos 40 anos quando comparado à adolescência, mas a experiência e sabedoria da maturidade contornam facilmente essas questões morfológicas. No ano de 2017, uma pesquisa publicada pelo periódico PLOS ONE, envolvendo mais de três mil voluntários com idades entre 16 e 44 anos, nos mostrou que aos 24 anos alcançamos nosso pico de desempenho cognitivo-motor. Apontou ainda que a maturidade traz algumas compensações. O desempenho dos voluntários, após milhares de horas num jogo de computador com a mesma lógica do xadrez, foi medido pela rapidez com que reagiram aos seus oponentes e pelas estratégias que usaram no desafio. Jogadores mais velhos, apesar de mais lentos, compensaram a desvantagem de velocidade com estratégias mais eficientes no jogo. Neste mesmo ano, Roger Federer, aos 35 anos, ganhou seu oitavo título de Wimbledon e foi o atleta mais velho a faturá-lo.
Quando se pensa em criatividade, a maturidade traz também suas compensações. Uma análise feita das carreiras de 31 ganhadores do Nobel de economia nos mostra que existem épocas na vida em que somos mais criativos. Nessa avaliação, foram encontradas duas ondas diferentes de criatividade, uma por volta dos vinte e poucos anos e outra entre os cinquenta e sessenta anos.
A primeira onda foi chamada de inovação de conceitos. É o pensar “fora da caixinha”, onde novas ideias põem em xeque o saber convencional. A segunda onda, chamada de inovação experimental, é a produção de conhecimento a partir do saber acumulado e nos traz formas inéditas de análise, interpretação e síntese. Os resultados são concordantes com estudos prévios que analisaram ondas de criatividade nas artes e em outras áreas da ciência. Pablo Picasso e Albert Einstein tiveram suas maiores criações na primeira onda, enquanto Paul Cézanne, Virginia Woolf e Charles Darwin brilharam mais na segunda onda. A Teoria da Relatividade foi publicada por Einstein aos 26 anos de idade e Darwin publicou a Teoria da Evolução aos 51 anos.
Um outro estudo, publicado pela Nature Human Behavior, nos mostra que com o envelhecimento temos realmente um declínio no desempenho da atenção e funções executivas, fato esse já bem demonstrado por inúmeros estudos. Entretanto, os pesquisadores apontaram também que algumas funções executivas e de atenção não apresentaram piora. Voluntários, até mesmo entre os 70 e 80 anos de idade, revelaram melhor desempenho que os mais jovens.
Nesse último estudo, o estado de alerta realmente foi menor entre os mais velhos. É a capacidade de estar pronto para frear o carro numa intersecção. Já nos testes de orientação espacial, definida como a capacidade de mudar o foco de atenção para um outro ponto do espaço, os velhos se saíram melhor. É a capacidade de perceber, por exemplo, um pedestre aguardando para atravessar na faixa. Já na capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa, os velhos também foram melhores. É a capacidade de não ficar prestando atenção nos passarinhos e reduzir o foco na direção.
Mas como explicar o melhor desempenho em um cérebro mais velho que já passou por inúmeras alterações estruturais e fisiológicas? A experiência ao longo dos anos é capaz de explicar esse fenômeno? Há um robusto corpo de evidências de mecanismos adaptativos para reduzir o impacto das perdas que acumulamos ao longo dos anos. Isso vai desde compensações no metabolismo cerebral, como ter o mesmo resultado com menos energia. Maior a experiência, menor ativação neuronal, menor gasto energético e maior eficiência.
Essa adaptação envolve também a reorganização de redes neurais ao longo das décadas. A reorganização conta até com o recrutamento de áreas do cérebro não tão envolvidas entre os jovens para uma dada tarefa, incluindo a participação maior de ambos os hemisférios, como é o caso da memória episódica. E não há dúvida de que a atividade física e estímulos cognitivos amplificam o impacto desses mecanismos adaptativos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Ricardo Afonso Teixeira* Já conhecemos uma série de atitudes no dia a dia que reconhecidamente podem deixar nosso cérebro mais esperto. Estamos falando de atividade física, sono e alimentação regulares, estar sempre aprendendo, equilíbrio psíquico e um cafezinho para arrematar. Além disso, as famosas pílulas usadas para turbinar o cérebro, conhecidas como “smart drugs”, têm sido cada vez mais consumidas por pessoas sem qualquer tipo de problema neurológico ou psiquiátrico. Uma pesquisa que avaliou o consumo dessas drogas entre dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo mostra um crescimento nada discreto. Em 2017, 14% das pessoas utilizaram essas medicações pelo uma vez no último ano, comparado a 5% em 2015. Nos EUA, esse consumo é de 30% da população geral.
O fato é que dispomos de pouquíssimas evidências científicas de que essas pílulas trazem reais benefícios cognitivos a indivíduos sem transtornos neurológicos ou psiquiátricos, e há até resultados mostrando que algumas pessoas podem piorar o desempenho. É como se nosso cérebro fosse uma orquestra bem afinada e introduzíssemos 20 violinos a mais. Pode melhorar, pode não fazer diferença no resultado, ou pode até desafinar. E apesar desse conhecimento ainda estar engatinhando, essas medicações têm-se tornado cada vez mais populares entre adultos e adolescentes, na maior parte das vezes sem qualquer orientação médica.
Elenco a seguir algumas questões sobre esse fenômeno que têm sido discutidas nos últimos anos por pesquisadores da área. – Existe atualmente um forte mercado negro dessas medicações voltado para indivíduos saudáveis, com transações de compra e venda que podem ser punidas até mesmo com prisão em países como os Estados Unidos. – O uso de medicações dessa natureza para melhorar o desempenho cerebral poderia ser visto como “trapaça”, ao pensarmos que outras pessoas podem não estar usufruindo dos mesmos benefícios. Não dispomos ainda de regras que regulem se as pessoas podem ou não fazer uso dessas medicações para a realização de um concurso público, por exemplo. Outra situação: uma pessoa tem o hábito de investir no seu equilíbrio psíquico, como por exemplo através da meditação e atividade física regular, e outra pessoa não o faz. Esse equilíbrio psíquico tem grandes chances de aumentar o desempenho cognitivo, mas culturalmente isso não costuma ser visto como trapaça, já que a pessoa “investiu seus esforços” para alcançar sua vantagem. Por que a vantagem alcançada por pílulas deveria ser vista de outra forma? E será que essas drogas realmente oferecem vantagens no aprendizado ou só melhoram o desempenho a curto prazo em dias de maiores desafios? Será justo para aqueles que não usam as drogas concorrer com outros cérebros turbinados? Seria a mesma coisa se parte dos concorrentes num teste de matemática estivessem usando calculadora e outra parte não? – Medicações dessa natureza poderiam provocar dependência e efeitos colaterais. Por outro lado, até a cafeína é passível de desenvolver dependência e efeitos colaterais, apesar do seu risco de fazer mal à saúde ser infinitamente menor do que de outras drogas. Com base na atual experiência, talvez os riscos de dependência / efeitos colaterais das medicações estimulantes não sejam muito diferentes do que os da cafeína e por isso não há razões para tanto receio. É preciso avançar nas pesquisas sobre o assunto. – Em crianças, as questões éticas são muito mais complexas. A primeira questão é em relação à segurança dessas medicações em indivíduos que ainda têm o cérebro em franco desenvolvimento. Além disso, a criança não tem o poder de fazer suas próprias escolhas. Entre os adultos, há de se considerar no futuro questões éticas ligadas à obrigatoriedade em se usar tais medicações em algumas situações ocupacionais. Nos EUA, o modafinil é hoje uma droga aprovada pelo FDA para trabalhadores em turno invertido. Será que o empregador poderá um dia obrigar o trabalhador a usar a medicação para evitar acidentes ou para melhorar o desempenho? – Como qualquer tecnologia, as “smart drugs” poderão um dia ser bem ou mal-usadas. Há muito trabalho pela frente para se avaliar seus custos e benefícios, para se educar a população sobre o assunto e para ajustar a legislação vigente caso se consiga demonstrar que elas são realmente seguras e eficazes para as pessoas que querem turbinar seus cérebros.
Em entrevista concedida à Scientific American, e publicada há alguns anos na revista Mente & Cérebro, o Prêmio Nobel Eric Kandel, um dos neurocientistas mais renomados do planeta e certamente um dos pesquisadores que mais contribuíram para o nosso atual entendimento da memória, declara: “Ainda não temos evidências de segurança e nem mesmo de eficácia do uso de medicações para melhorar o cérebro de pessoas saudáveis. Eu não aconselharia meus netos, pelo menos por enquanto, a usar essas medicações”.
E a cada dia o conselho de Kandel parece ser mais acertado. Em junho de 2023 pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e Melbourne, na Austrália, publicaram na Scientific Advances resultados de estudos mostrando que as tais “smart drugs” podem piorar o desempenho cognitivo entre pessoas sem transtornos cognitivos. As medicações deixam os voluntários mais motivados, mas com desempenho menos eficiente, mais errático, com maior demora para execução de tarefas complexas. No caso do metilfenidato (Ritalina), o tempo de execução da tarefa aumentou em 50%. E os mais prejudicados foram os que tinham o melhor desempenho antes de usar as medicações. Talvez caiba aqui novamente a analogia com a orquestra sinfônica com 20 violinos extras e sem ensaio.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Essa combinação aumenta o risco de doenças cardiovasculares.
Ricardo Afonso Teixeira*
Um grande estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Michigan, nos EUA, mostrou que os sintomas vasomotores na menopausa, que incluem ondas de calor e suor noturno, são mais comuns entre as mulheres que apresentavam enxaqueca antes desse período. A pesquisa foi publicada no periódico Menopause esta semana após acompanhamento por décadas de mais de 1900 mulheres.
As mulheres que tinham a combinação de enxaqueca e sintomas vasomotores por vários anos apresentaram maior risco de doenças cardiovasculares, incluindo infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Este é um grupo de mulheres em que os esforços para redução de risco vascular devem ser ainda maiores. E a receita de prevenção vascular hoje é vista como tendo 8 alvos essenciais: controle cuidadoso do peso, pressão arterial, glicemia e gorduras no sangue, não fumar, dieta saudável, e aqui os peixes ricos em ômega-3 têm seu papel, atividade física regular e boa qualidade do sono.
Enxaqueca é uma condição cerebral, mas não é que os sintomas vasomotores na menopausa também parecem ter origem no sistema nervoso central? Pesquisadores da Universidade do Arizona, nos EUA, descobriram um grupo de células do hipotálamo, região do cérebro que faz a ponte com os sinais hormonais, que podem ser as responsáveis pelas desconfortáveis ondas de calor que boa parte das mulheres vivencia nos primeiros anos da menopausa.
Em um modelo de menopausa em camundongos, os pesquisadores mostraram que o efeito de dilatação dos vasos da pele era interrompido quando um grupo de células do hipotálamo, chamadas de KNDy, era inativado. Apesar de representarem uma pequena população de células do cérebro, elas têm grande importância no controle das fontes de energia do corpo, temperatura e reprodução. Com a baixa dos níveis do hormônio estradiol na menopausa, essas células ficam hiperfuncionantes e disparam o comando de vasodilatação, com a intenção não muito apropriada de provocar a perda de calor do organismo.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
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