A epilepsia é a condição neurológica crônica mais comum em todo o mundo e pode acontecer em qualquer idade, raça e classe social. Estima-se que no Brasil existam três milhões de pessoas com a doença e a cada dia 300 novos casos são diagnosticados.
Apesar de ser um problema de saúde pública, são realmente poucas as pessoas que realmente sabem o que é a epilepsia. Na própria etimologia, a epilepsia foi premiada com um caráter místico, misterioso, religioso e mágico (epi=de cima e lepsem=abater) – ALGO QUE VEM DE CIMA E ABATE AS PESSOAS. Há muito tempo que não faz sentido pensar a epilepsia como um problema vindo “de cima” já que o nível de compreensão que temos hoje dos mecanismos biológicos associados à epilepsia só pode ser visto em poucas outras doenças neurológicas. Para entender o que é epilepsia, precisamos entender um pouquinho como é o que o cérebro funciona.
Quando nosso cérebro dá a ordem para nossa mão mexer, ele está disparando um impulso nervoso que nada mais é do que um impulso elétrico de baixíssima intensidade. Até chegar à mão, esse impulso viaja pelas ramificações dos neurônios e passará também por estações em que os impulsos dependem de transporte químico (sinapses) para que a informação chegue enfim aos músculos da mão. Tudo isso acontece quando resolvemos mexer a mão voluntariamente. Imagine agora um grupo de neurônios que resolve disparar esses mesmos impulsos “sem a nossa autorização”, provocando movimentos involuntários da nossa mão. E esses neurônios não ficam disparando o tempo todo de forma anormal. Pode ser uma vez ao mês, uma vez ao ano, todo dia, e quando disparam provocam o que conhecemos como crise epiléptica.
É muito comum a comparação de uma crise epiléptica com um curto circuito, um fio desencapado no cérebro. Qualquer lesão cerebral, independente do tamanho, é capaz de provocar esse curto circuito. Uma pessoa que come uma alface mal lavada com um ovinho de solitária escondido pode ter esse ovinho alojado numa região do cérebro que causará uma lesão do tamanho de uma semente de maçã. Esse pequeno corpo estranho no cérebro pode ser capaz de provocar uma crise epiléptica. Da mesma forma, uma criança que tem uma lesão cerebral extensa em ambos os hemisférios cerebrais, pois nasceu com uma doença genética associada a grave retardo mental, também pode vir a apresentar crises epilépticas. Essa é uma informação importante para a redução do estigma da epilepsia, pois muita gente associa a epilepsia a cérebros gravemente alterados.
E não é só uma lesão cerebral que pode provocar uma crise. Existem situações médicas que podem provocar severo desequilíbrio bioquímico do corpo, como grandes alterações nas concentrações de sódio e cálcio, situações que podem provocar um curto circuito difuso no cérebro. O mesmo pode ocorrer quando uma pessoa faz uso de uma substância neurotóxica, como é o caso da cocaína. Além disso, existem algumas condições genéticas em que o indivíduo tem uma tendência a apresentar crises epilépticas após certa idade, geralmente na infância e adolescência, e essas são situações em que o cérebro funciona normalmente, não apresenta lesões, mas os neurônios têm algumas peculiaridades que podem gerar curtos circuitos episódicos.
que
Podemos dizer que uma pessoa tem epilepsia quando já apresentou mais de uma crise epiléptica não provocada. Crises não provocadas são as crises que acontecem espontaneamente, sem a presença de um desequilíbrio agudo e transitório do cérebro (ex: redução na concentração de sódio). Mais recentemente reconhece-se que mesmo que a pessoa tenha apresentado uma única crise, mas na presença de alteração cerebral que pode vir a causar outras crises, essa pessoa já pode ser considerada como portadora de epilepsia.
Uma questão importante que faz com que a epilepsia seja sub-diagnosticada, é o fato da maioria das pessoas acharem que crise epiléptica é igual a convulsão, ou seja, crise em que a pessoa perde a consciência, fica toda dura, roxa e se debatendo, os olhos ficam revirados, pode babar e urinar ou defecar na roupa. A convulsão é o tipo mais dramático de crise, e significa que o cérebro passa por um curto circuito difuso. Porém, existem crises epilépticas muito mais discretas, e essas geralmente são reflexo de disparos anormais em apenas uma região do cérebro, não se espalhando para o cérebro todo, como é o caso da convulsão. Se o curto circuito acontece somente na região onde estão os neurônios que controlam o movimento da mão esquerda, a crise se manifestará como movimentos repetidos e involuntários dessa mão. Seguindo o mesmo raciocínio, uma crise pode se apresentar como uma sensação psíquica, diminuição da responsividade ao meio (“ausência”), formigamento de um lado do corpo, alucinações visuais, etc. O fato é que crises que inicialmente envolvem só uma região do cérebro podem em seguida ser propagadas para o cérebro como um todo, causando uma convulsão.
Já estamos no século 21 e ainda existe muita ignorância sobre o real significado da epilepsia. A falta de informação é a principal causa do enorme estigma e preconceito que sofrem os portadores de epilepsia, o que dificulta sobremaneira a inclusão social dessas pessoas. Em 1997 foi criada uma campanha mundial para reduzir o impacto do estigma da epilepsia, assim como para melhorar o diagnóstico e o manejo dos pacientes (Campanha Global – Epilepsia fora das sombras). Desde 2002 o Brasil é um dos países que mais tem trabalhado para a campanha graças ao trabalho do projeto ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia – www.aspebrasil.org) que vem efetivamente tirando a epilepsia das sombras em nosso país. Em algumas áreas do conhecimento científico o Brasil está à frente de muitos países desenvolvidos, e a epilepsia é um bom exemplo disso. Realmente, poucos países do mundo têm o nível de desenvolvimento científico que tem a epilepsia no Brasil.
CLIQUE AQUI e ouça matéria no Correio Braziliense sobre o assunto com o Dr. Ricardo Teixeira
5 comentários
3 junho, 2012 às 12:14 pm
luciane aparecida galdino de souza
senhor ..a minha irma de 29 anos tem uma doenca rara de neuronios desencapados e esta tomando remedios e a doenca nao estabilizou esta progredindo …por favor tem algum instituto ou orgao que pode ajuda-la ela e pobre e tem, uma filhinha de 4 anos e a doenca esta quase chega do a coluna trata na cidade de marilia …por favor me ajude ….ou mande mensagem pelo celular 14 96775012..estou preocupada e minha irma nao quer que os outros saibam do seu problema de saude…mas precisa de ser feita alguma coisa
11 junho, 2012 às 5:25 pm
Ricardo Teixeira
Converse sobre o assunto com algum mpedico de confiança da sua cidade. Ele saberá lhe orientar
8 setembro, 2011 às 5:15 pm
Marcia
Ok.
Mas o que mais me impressionou em tudo o que lhe contei e omiti parte, para o outro médico, doutor, foi a tal ‘baba’. Aquilo era igual a espuma de barbear e minha boca estava seca, seca, e não parava de sair. Um troço horroso! De onde vem tanta coisa daquele jeito? Por que? Gosta\ria do seu parecer, em especial sobre essa coisa.
Quanto à convulsão após o parto, informo que segundo a chefe da obstetrícia, disse ter durado uns 20 minutos até eu ‘acordar’ e ver o médico na minha frente. Foi como se nada tivesse acontecido. E foi mesmo. Se eles não tivessem me contado embaixo de minha insistência para saber proque eu tremia tanto ,e tanto me doíam os músculos laterias de meu pescoço.
E quanto ao NEUROLOGISTA CLÍNICO, eu, já estive com um. O outro, foi o senhor. Então, nada é definitivo, e tenho que tomar esse remédio, que me tira a vontade, os sentidos e quase me anestesia, além do sono infernal, e da ressaca que causa no dia seguinte, prá vida toda.
Ah! O estigma de ser ‘mais ou menos’ epilética/meio doida, é outro incomodo.
Mais uma vez, obrigada.
Atenciosamente,
Marcia.
8 setembro, 2011 às 5:21 am
Marcia
Olá., Dr. Ricardo,
Eu não sabia que falava com um neurologista, e posso perguntar diretamente sobre se tenho ou não epilepsia.
Quando tinha 8 meses de idade, e aos 2 anos e meio, também, tive convulsão, segundo relato de minha mãe, que fora provocado por febre alta.
Aos 14 anos, tive 2 episódios onde eu acabei por me encostar na parede pela fraqueza repentina, escorreguei até o chão, ouvia tudo que falavam, mas não conseguia reagir, sequer mexer um músculo do meu corpo, e estava calma. Fiz EEG, e não deu nada. Nesta época tinha crises de enxaqueca de vomitar de dor e me lembro que duravam mais de um dia as vezes, com pertubações visuais que me avisavam que ela estava por vir. Essas crises de dor intensa se foram, mas as luzes sempre me avisam quando ela virá. Aí, me medico com remédios para enxaqueca.
Aos 26 anos, sentia que caminhava por uma corda bamba por diversas vezes, e numa dessas eu me recostei num poste na rua, e fui me agachando esperando aquela tontura, estado de semi-inconsciência passar. Depois do EEG dar “ondas agudas esparsas na área temporal direita”, fui diagnosticada pelo neurologista como portadora do Pequeno Mal. O médico me medicou com carbamazepina, mas o remédio depois de um tempo me causou uma mancha na perna que ele disse ser alergia. Receitou-me Rivotril e o tomei por pouco tempo.
Aos 29 anos sofri da Síndrome do Pânico, por conta da morte de meu pai e do cãncer de minha mãe, e retornei a tomar o Rivotril. Tomo até hoje, mas não de maneira regular, só quando vejo luzes piscantes e focos que passam rapidamente a minha frente como a luz de uma lanterna; fico irritada nestas horas; há vezes em que tenho que contrair toda a musculatura do meu corpo para soltar essa coisa de dentro de mim até passar, e as vezes minhas pernas se contraem involuntáriamente, e também, acordo com meu corpo dando pulos na cama; já senti meus braços ficarem fracos e a sensação de que estava para perder a consciência, na rua, e quando a ambulãncia dos bombeiros chegou, eu já estava melhor, mas, eu babava: saia de minha boca, uma coisa como espuma de barba (igual) e estava seca e me perguntava de onde aquilo vinha. Alguns riam e um dos bombeiros segurou minha cabeça primeiro e me colocou na ambulãncia que me levou pro hospital, onde me encheram de calmantes. Foi um troço horroso. E quando aos 37 anos, após o meu terceiro parto – foi um parto difícil, meu filho era muito grande – enquanto a doutora costurava o corte da episiotomia, tive desta vez, convulsão. Disseram que eu me estiquei toda. Eu não me lembro de nada, só do anestesista – com uma injeção daquelas grandes na mão – me perguntar se eu estava bem, e de horas depois sentir intensa dor na musculatura do pescoço.
Fiz, há um ano e tal, um outro EEG, e deu que eu tinha ondas beta na área temporal direita, mais do que na esquerda. O médico disse que meu exame era ‘estranho’, pois eu tinha características de pessoa portadora de epilepsia. Na verdade, eu não contei a ele, tudo o que lhe contei agora.Tenho medo ser diagnosticada, de fato, de me chamarem de louca e afins, coisas do tipo. E quanto ao que li no seu blog sobre o conhecer um lugar sem ter estado lá, é fichinha prá mim: sofro com sonhos premonitórios. Gostaria de informar que é extramente desagradável, ser assim. Aí, é que eu tomo Rivotril.
E, aí, doutor, será mesmo que tudo isso pode ser sintoma de epilepsia, ou não?
Atenciosamente,
Marcia.
8 setembro, 2011 às 3:56 pm
Ricardo Teixeira
CRIANÇAS QUE APRESENTAM CRISE convulsiva febril têm mais chance de ter crises na idade adulta, especialmente crises do lobo temporal.
Entretanto, boa parte das crises que você descreve falam mais favor de síncope – desmaio comum.
Um posicionamento seguro para suas questões deverá ser feito numa consulta com um neurologista clínico