Já existem no mercado diferentes medicações que têm o poder de melhorar o desempenho de memória e concentração, e os médicos costumam prescrevê-las a pacientes com disfunções neuropsiquiátricas. Entretanto, nos últimos tempos podemos perceber que a prescrição dessas medicações tem sido estendida a outras situações, como é o caso de indivíduos que trabalham em turnos noturnos, militares, e até mesmo a pessoas que simplesmente querem “turbinar” o cérebro para o trabalho, com a intenção de melhorar a atenção e a memória.
Onde é que vamos chegar com isso? Além dos prós e contras dessas medicações sobre nossa saúde a longo prazo, certamente há uma grande questão ética a ser discutida. Tais medicações têm sido cada vez mais usadas em todo o mundo, cada vez em idades mais precoces. Uma recente pesquisa realizada pela revista britânica Nature envolvendo 1400 leitores (cientistas e estudantes) de 60 diferentes países revelou que 20% das pessoas que responderam à pesquisa já tinham usado medicações com a intenção de melhorar o desempenho cerebral por razões não médicas, 25% desses com consumo diário. O uso não foi diferente entre as diversas faixas etárias, sendo que 50% das pessoas queixaram-se de efeitos colaterais e um terço das pessoas adquiriam as medicações pela internet, sem necessidade de receia médica. Para se ter idéia da complexidade da discussão, vejam o que um cientista americano de 66 anos de idade respondeu à pesquisa: “Como cientista, é minha missão usar todas as ferramentas ao meu alcance para o benefício da humanidade. Se essas drogas podem contribuir para esse fim, então é minha tarefa usá-las. “
No consultório de neurologia, freqüentemente atendo jovens querendo uma medicação para esse fim. Recentemente uma paciente que fazia curso preparatório para concurso público disse que o próprio professor, um juiz federal, a orientou a procurar um neurologista com o seguinte apelo: “já existem medicações que podem melhorar seu desempenho”. Posições radicais como “Oh que horror!” não costumam colaborar muito. É hora sim de aprofundarmos essa discussão com a participação de diversas áreas do conhecimento.
Já existem medicações que permitem que o indivíduo fique até três dias sem dormir e “disposto”, e pouco conhecemos sobre seus efeitos a médio e longo prazo. Será que chegaremos ao ponto de criar políticas anti-doping no caso de concursos públicos? Chegaremos a viver numa sociedade que não relaxa e não dorme, já que as vantagens evolutivas da nossa tão falada sociedade da informação são muito mais cerebrais do que musculares e sexuais? Será que os pais ao verem inúmeros colegas de seus filhos usando medicações para o vestibular vão deixar de usar tais hipotéticas armas de competição? É difícil alguém se imaginar cometendo um neuro-doping ao consumir 10 xícaras de café por dia nos meses que antecedem um concurso. Com pílulas deveria ser diferente? Será que essas pílulas poderiam nos oferecer mais do que uns cafezinhos durante o dia? Um indivíduo nascido rico e com boa nutrição no seu desenvolvimento tem inequívocas vantagens competitivas do ponto de vista cerebral quando comparado a outro que passou a infância desnutrido. “Medicações espertas” podem um dia contribuir para reduzir as conseqüências das desigualdades sociais?
A ciência tem muito que investir na avaliação do custo-benefício dessas drogas neuromoduladoras em indivíduos sem queixas ou diagnósticos neuropsiquiátricos. Já existem estudos sendo conduzidos ao redor do mundo, inclusive no Brasil, buscando saber se o uso de antidepressivos usados por indivíduos saudáveis não poderiam deixá-los mais saudáveis ainda. Ainda sabemos pouco. E quem disse que as pílulas têm mais poder de provocar alto desempenho cerebral do que uma vida saudável com tudo aquilo que sabemos que faz bem ao cérebro: educação, alimentação e sono adequados, atividade física, equilíbrio emocional, etc. Minha aposta é que as pílulas não ganham a disputa.
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Ler também: Evolui a polêmica sobre o uso de medicações para turbinar o cérebro
CLIQUE AQUI e veja entrevista com o DR. Ricardo Teixeira sobre o assunto no Jornal Hoje – Rede Globo
CLIQUE AQUI e ouça um bate-papo na Rádio CBN sobre o assunto com o DR. Ricardo Teixeira
6 comentários
15 novembro, 2011 às 2:16 pm
André Brasil
Tô postando esse depoimento em alguns site na tentativa de esclarecer e ajudar. Me sinto ridículo e envergonhado! Eu usei Ritalina por 1 ano só para estudar para concursos públicos. Embora eu não apresentasse os sintomas de déficit de atenção, eu conseguia com uma amiga médica a prescrição do remédio. FOI A PIOR COISA QUE FIZ EM MINHA VIDA! Os efeitos foram devastadores… Eu, que sempre fui muito responsável, pesquisei demais antes de usar a droga. Eu lia e relia em estudos americanos e europeus sobre os efeitos negativos da Ritalina em quem não precisava da droga mas preferi ir na onda dos amigos que estudavam para concursos que diziam “estarem ávidos para usar a droga o mais rápido possível”. Após o uso, passei a ter insônia crônica por 4 meses, cansaço, me sentia um zumbi! Tive uma ressaca enorme por conta de 1 copinho de cerveja, me deu vontade de morrer! O estudo não melhorou em nada. Não fiquei mais inteligente. Eu notei apenas que ficava mais calado, mais sério, não fazia brincadeiras habituais, não me levantava da cadeira por besteira e só. Para controlar a insônia, o médico me receitou Rohypnol. Ainda bati o carro pois perdi a noção de espaço e velocidade! Eu era normal e fiquei anormal. Usei a dorga insistentemente por 1 ano. Depois dessa tragédia, assimilei que RITALINA NÃO FAZ EFEITO POSITIVO NENHUM EM QUEM NÃO TEM TDAH, exatamente o que diziam os estudos mais sérios. O psicólogo que me trata hoje (nunca tinha ido, mas é pra tentar arrumar parte do estrago) me disse que o meu caso é mais comum do que eu imaginava. Os relatos são os mesmo, sempre, segundo ele. Ah, e quem não tem TDAH e usa a droga dizendo que faz efeito, ou é só um placebo ou então está mentindo. Ritalina só vai te dar uma insônia desgraçada e vai te manter sentado na cadeira. Quem não tem problemas de concentração, NÃO PRECISA DE DROGA PARA SE CONCENTRAR MAIS, NÃO DÁ PRA FICAR SUPERPODEROSO! É LENDA CONTADA POR GENTE MUITO IRRESPONSÁVEL. RITALINA É UM REMÉDIO MUITO SÉRIO. Espero ter ajudado.
16 novembro, 2011 às 1:18 am
Ricardo Teixeira
Caro André Muito obrigado por sua preciosa contribuição. Relatos como o seu também costumo ouvir no dia a dia do consultório. Acho que vale a pena dar uma olhada nesta matéria http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1201778-16022,00-RITALINA+E+USADA+ILEGALMENTE+PARA+TURBINAR+O+CEREBRO.html
22 janeiro, 2009 às 12:29 am
Evolui a polêmica sobre o uso de medicações para turbinar o cérebro. «
[…] Ler também: Pílulas para turbinar o cérebro. Onde estamos e onde podemos chegar? […]
9 dezembro, 2008 às 12:33 am
Ricardo Teixeira
E as coisas vão caminhando:
MANIFESTO PARA O USO RESPONS’VEL DE DROGAS ESTIMULANTES POR INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS
PUBLICADO NA NATURE 07 DE DEZEMBRO 2008
http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/456702a.html
Matéria na Folha de São Paulo sobre o manifesto 08/12/2008
Rafael Garcia
Folha de S.Paulo
Grupo de cientistas pede liberação de doping mental
Manifesto discute a regulamentação de droga usada para “turbinar” a inteligência
Em pessoas saudáveis, medicamentos usados para tratar o déficit de atenção, como a Ritalina, parecem estimular a concentração
Um manifesto assinado por pesquisadores de sete universidades líderes nos EUA e no Reino Unido pede que o uso de drogas com o fim de melhorar a inteligência seja regulamentado e, eventualmente, liberado. Em artigo ontem no site da revista “Nature” (www.nature.com), os acadêmicos argumentam que é preciso disciplinar o uso que pessoas saudáveis fazem de medicamentos como a Ritalina (metilfenidato).
Concebida para tratar crianças com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção por Hiperatividade), essa droga (e outras similares) parece ter um efeito de melhora na concentração e na memória também em adultos saudáveis.
Um levantamento conduzido neste ano em universidades americanas revelou que cerca de 7% dos estudantes já fizeram uso de medicamentos desse tipo pelo menos uma vez, na tentativa de melhorarem seus desempenhos acadêmicos.
Tecnicamente, nos EUA, isso é crime, porque envolve comércio de uma droga para uso “off label” -fora do propósito original para o qual foi aprovada. Cientistas argumentam porém que a medida é um exagero e drogas como a Ritalina poderiam ser liberadas para “aprimoramento cognitivo”, desde que novos testes comprovem sua segurança.
“Propomos ações que vão ajudar a sociedade a aceitar os benefícios do aprimoramento, acompanhadas de pesquisa apropriada e regulamento avançado”, escrevem os cientistas. “Isso tem muito a oferecer para indivíduos e sociedade, e uma resposta apropriada por parte de todos deve incluir a disponibilização dos aprimoramentos acompanhada da gestão de riscos.”
Sono e cansaço
Entre os nomes que assinam o documento estão “pesos-pesados” das neurociências, como Michael Gazzaniga, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, e também um jurista, Henry Greely, da Universidade de Stanford. A idéia do manifesto saiu de um seminário promovido pela “Nature” e pela Universidade Rockefeller, de Nova York.
Além da Ritalina, os pesquisadores mencionam outras três drogas que já vêm ganhando algum grau de popularidade em usos “off label”. Uma delas é a similar Adderall, também usada em transtorno de TDAH. Outra é a Stavigile (modafinil), aprovada para tratar o desgaste físico causado pela narcolepsia, mas que vem sendo usada por alguns estudantes para combater sono e cansaço.
Há ainda uma quarta droga, a Aricept, mais difícil de obter, originalmente aprovada para tratamento do mal de Alzheimer. A preocupação inicial dos cientistas, contudo, é mesmo a Ritalina. “Com a prevalência de TDAH indo de 4% a 7% entre universitários americanos (…), há um bocado de droga no campus que pode ser desviada para usos de aprimoramento.”
Concorrência desleal
Caso o uso de drogas para “turbinar” o cérebro venha realmente a ser aprovado, há outras questões que devem ser discutidas, além da segurança, afirma o manifesto publicado na “Nature”. Uma delas é o risco de que estudantes deixem de concorrer em pé de igualdade quando participarem de exames que envolvam inteligência.
Uma pessoa que tenha se valido de uma droga poderia obter vantagem de maneira artificial, da mesma forma que um atleta dopado faz na disputa de uma competição, por exemplo. Os cientistas apontam também o risco de mais um problema: empresários poderiam obrigar seus funcionários -de maneira direta ou indireta- a fazerem uso dessas drogas para melhorarem o rendimento.
O manifesto reconhece, porém, que faltam ainda muitos dados essenciais para que a discussão tome o rumo desejado. Ninguém sabe dizer, por exemplo, o quanto uma droga como a Ritalina pode de fato ajudar a inteligência propriamente dita. O efeito de longo prazo de uma dessas drogas sobre pessoas que já estão saudáveis, também, ainda é totalmente desconhecido.
“Clamamos por um programa de pesquisa sobre o uso e o impacto das drogas de aprimoramento cognitivo por indivíduos saudáveis”, ressalta o documento.
9 julho, 2008 às 5:23 pm
Ronaldo Santos
Dr. Ricardo,
Ótima matéria, realmente muito interessante.
Abraços.
Ronaldo
9 julho, 2008 às 5:22 pm
Denise T. Ribeiro
Maravilhoso,
é urgente que mais profissionais discutam estas questões. É um
alívio uma voz de peso nesta direção.
Bjos, De.