A dor de cabeça é apenas um dos problemas de quem sofre de enxaqueca. Quem tem enxaqueca tem maior chance de apresentar outros problemas de saúde quando comparado à população geral, e é a isto que se chama de comorbidades. Chamamos aqui a atenção para o maior risco de eventos vasculares entre os enxaquecosos.
Derrame cerebral é levemente mais comum em indivíduos com enxaqueca, especialmente em mulheres jovens que apresentam aura (ex: estrelinhas no campo visual durante uma crise), tabagistas ou usuárias de pílula anticoncepcional, e entre aquelas com crises freqüentes. Mais recentemente, estudos têm revelado que o risco de eventos vasculares é elevado como um todo, incluindo doença isquêmica do coração. As explicações incluem alteração dos pequenos vasos, alterações da coagulação sanguínea durante ou fora da crise e até mesmo efeito adverso de medicações usadas para as crises. No caso de lesões cerebrais, algumas alterações congênitas do coração podem estar implicadas, por serem mais comuns nos indivíduos com enxaqueca.
Primeiro recado: mulheres que tem enxaqueca com aura não devem ser encorajadas a usar pílulas anticoncepcionais ou mesmo realizar reposição hormonal na menopausa. Se a mulher é tabagista, podemos dizer que a terapia hormonal é proibitiva devido ao risco muito mais elevado de derrame cerebral.
Hoje terminei o dia de trabalho conversando com uma mulher de cerca de 50 anos, história de enxaqueca e tabagismo. Para piorar a história, foi-lhe prescrita reposição hormonal. Com poucos dias de terapia ela começou a apresentar fortes crises de dor de cabeça e alterações visuais que lhe trouxeram muita preocupação. Eram só crises de enxaqueca, mas poderia ter sido um derrame cerebral. O interessante é que a prescrição havia sido realizada por um “especialista” de uma área da medicina tão distante do conhecimento de menopausa e hormônios quanto um dentista. Porém, o “especialista” estava sendo indicado por amigos e amigas pois havia feito um recente curso de reposição hormonal no exterior, de acordo com a paciente.
Segundo recado: as especialidades e áreas de atuação em medicina merecem formação apropriada. Sou neurologista e mesmo que me propusesse a fazer um curso no exterior de como tratar catarata, acredito que ninguém acreditaria que eu tivesse ferramentas apropriadas para cuidar dos olhos de alguém.
Terceiro recado: a população leiga pode ter mais segurança com os médicos ao pedirem indicações ao seu médico de confiança. Defendo a idéia de que cada pessoa tenha o SEU MÉDICO de confiança, independente da especialidade. Se o problema não for da sua expertise, ele(a) saberá nos indicar o profissional de sua confiança. Podemos fazer nossa parte também. Se somos capaz de procurarmos no rótulo da margarina se ela tem gordura trans ou não, por que não nos informarmos se o “especialista” tem pelo menos residência médica na área de atuação, e/ou é membro da sociedade científica da especialidade em questão.
Ninguém aprende a tocar violino com um curso de semanas ou meses. No caso das especialidades médicas, isso não é diferente. Não existe mágica.