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Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira
No ano de 2012, um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia sugeriu que a cólica dos lactentes pode na verdade ser uma precursora da enxaqueca ao mostrar que o risco é mais de duas vezes maior nos bebês que têm mães que sofrem de enxaqueca. Enquanto 29% dos bebês de mães com enxaqueca apresentavam cólica, apenas 11% daqueles de mães sem enxaqueca tinham o problema.
No ano seguinte, outro estudo de muito impacto encorpou a ideia dessa associação ao mostrar que crianças e adolescentes com enxaqueca tinham muito mais chances de ter apresentado cólica quando bebês quando comparadas a controles sem enxaqueca (72.6% X 26.5%). Desde então uma série de estudos, incluindo uma metanálise, vêm confirmando esses resultados.
Existem algumas condições clínicas que acontecem de forma recorrente na infância e que são entendidas como expressões precoces de genes que mais tarde serão expressos como enxaqueca. Entre essas condições podemos citar crises de torcicolo, vertigem, vômitos cíclicos, além das misteriosas cólicas dos bebês.
O choro normal da criança começa a se intensificar nas primeiras semanas de vida, alcança o seu topo entre a sexta e oitava semana, e aos três meses já começa a dar uma trégua. A cólica dos bebês é uma forma intensificada desse choro e é definida como crises de choro por pelo menos três horas e pelo menos três vezes por semana. Também é chamada de choro inconsolável e está associada a uma maior incidência de casos da síndrome do bebê chacoalhado, condição em que um adulto sacode a criança para discipliná-la tentando interromper o choro. Isso pode levar a lesões traumáticas de diferentes gravidades.
O termo cólica traz uma conotação de que o desconforto tem origem no aparelho digestivo e são vários os estudos que tentam ligar a cólica com gases intestinais, microbiota, alergia à proteína do leite, intolerância à lactose. Alguns apresentam resultados positivos e outros negativos.
Por que seria um bebê com bagagem genética de um “cérebro de enxaqueca” mais propenso a ter crise de choro? Uma das maiores características de um cérebro enxaquecoso é a hiperexcitabilidade, uma maior sensibilidade a estímulos sensoriais como ruídos e luz. A transição do útero para o mundo cheio de estímulos pode fazer mesmo diferença a partir de algumas semanas, a partir de um nível de desenvolvimento da acuidade visual e auditiva. Isso pode explicar o porquê da cólica ser mais frequente entre a sexta e oitava semana de vida, e não no período neonatal. Uma pesquisa chegou a demonstrar que a restrição de estímulos sensoriais foi capaz de reduzir o problema.
Com esse corpo de conhecimento, já se discute a modificação do termo cólica por algo como “Agitação Paroxística do Lactente” já que a raiz do problema pode ter mais a ver com o cérebro do que com a barriga.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
A maioria das mulheres melhoram muito das crises de enxaqueca no período da gravidez, mas cerca de 8% pioram nessa fase e isso aumenta o risco de desfechos clínicos ruins, tanto da mãe quanto do bebê. É muito comum na prática clínica de um neurologista o atendimento de gestantes sofrendo de crises debilitantes de enxaqueca e na maioria das vezes por subtratamento. É frequente a gestante receber a orientação de que o paracetamol é a medicação mais indicada nesses casos. Entretanto, as crises nem sempre são responsivas a essa medicação.
Os triptanos são uma família de medicações com eficácia superior aos analgésicos comuns, como o paracetamol, e há vários anos já são considerados seguros no tratamento da enxaqueca na gestação. Entretanto, estima-se que três em cada quatro mulheres interrompem o uso dessas medicações ao descobrirem que estão grávidas.
O sumatriptano é o mais estudado deles e esta semana tivemos mais uma evidência robusta que seu uso antes e durante a gravidez não interferiu no neurodesenvolvimento de crianças acompanhadas por oito anos em média, alguns até os 14 anos de idade. De todas as gestações na Noruega, os filhos das mulheres que usaram sumatriptano no último ano antes da gravidez e durante a gravidez não apresentaram maiores índices de retardo mental, transtornos de comportamento ou linguagem, transtorno do espectro autista ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Ótimas notícias para as gestantes e mais uma evidência para encorajar os médicos a perderem o receio de prescrever triptanos durante a gestação. O estudo foi publicado nesta quarta-feira (21 maio) na Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O derrame cerebral, principal causa de morte em nosso país, é mais comum entre os idosos, mas tem ocorrido cada vez mais precocemente. Estudos apontam que os jovens chegam a representar uma fatia de quase 20% de todos os casos.
As mulheres têm alguns fatores de risco que os homens não têm e outros que elas apresentam de forma bem mais frequente.
Pílula anticoncepcional.
O tempo de exposição ao estrogênio pode ser estimado em uma mulher antes da menopausa pelo tempo entre a primeira menstruação e a menopausa adicionado ao tempo em que usou estrogênio como anticoncepcional. Uma pergunta muito comum no consultório neurológico é se o tempo prolongado do uso de anticoncepcionais pode aumentar o risco de derrame cerebral e uma grande pesquisa publicada em 2023 mostrou que maior exposição de estrogênio antes da menopausa, na verdade, reduz esse risco.
O estudo envolveu mais de 120 mil mulheres já na menopausa com acompanhamento por nove anos em média. Tanto o tempo de fertilidade, da primeira menstruação à menopausa, como o tempo de uso de estrogênio como pílula anticoncepcional, conferiram proteção contra a ocorrência de derrame cerebral.
Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que o estrogênio tem um certo grau de proteção vascular no coração e no cérebro por suas propriedades vasodilatadoras, antioxidantes e de regulação no metabolismo do colesterol e glicose. Quando se pensa em reposição de estrogênio após a menopausa, essa proteção ocorre com o uso até os 60 anos de idade ou dentro de um período de dez anos após a menopausa. Após esse tempo, a resposta é indiferente ou o risco pode até aumentar.
Gravidez. O terceiro trimestre da gravidez e o puerpério são períodos em que a mulher tem mais chance de apresentar eventos vasculares, incluindo o derrame cerebral. As mudanças hormonais, na circulação e coagulação sanguínea podem responder por esse maior risco.
Enxaqueca com aura. Vale lembrar que as mulheres têm três vezes mais enxaqueca que os homens. Cerca de 25% das pessoas que sofrem de enxaqueca também apresentam sintomas que precedem as crises de dor de cabeça como por exemplo flashes visuais e formigamento de um lado do corpo. A esses sintomas dá-se o nome de aura e há inúmeras evidências de que a enxaqueca com aura aumenta a chance de derrame e o risco é ainda maior quando outros fatores de risco estão presentes.
A relação entre a enxaqueca e o derrame cerebral envolve uma complexa interação de particularidades do cérebro, vasos sanguíneos, coagulação, e até mesmo do coração de que tem enxaqueca. Os derrames costumam ocorrer mais nas regiões posteriores do cérebro e naqueles com crises mais frequentes. O risco é ainda maior quando existem outros fatores como uso de pílula anticoncepcional, dislipidemia, hipertensão arterial e obesidade e tabagismo. Mulheres com enxaqueca com aura devem evitar as pílulas anticoncepcionais que contêm o hormônio estradiol.
No caso do tabagismo, ele está associado ao derrame cerebral mesmo entre os jovens. Uma pesquisa acaba de ser publicada pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, demonstrando que o risco de derrame cerebral é 2 a 5 vezes maior entre fumantes entre 18 e 49 anos de idade. É claro que esse risco é ainda maior quando o indivíduo tem enxaqueca com aura.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”.
Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese, ainda na graduação, na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas, com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista, chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.
O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter. Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No blog de Judy você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.
Uma das pérolas do seu trabalho é a distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam suas oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.
E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.
E você? Você se considera um neuroideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com a saúde. Mas tenho que lhe dizer que grande parte da humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. E esse sistema é o que faz nossa relação com o ambiente e isso envolve a relação com os outros.
A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar o uso de perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso. Muitos sofrem de algum grau de marginalização por falta de compreensão plena das suas diferenças pela sociedade.
O movimento de conscientização da neurodiversidade, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações. Esse é o desejo expresso de Judy na sua obra seminal. Hoje são comumente incluídos sob esse guarda-chuva, além do autismo, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo e dizem sem timidez que são neurodiversos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”.
Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.
O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter. Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No seu blog você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.
Uma das pérolas do trabalho de Judy é distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam as oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.
E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.
E você? Você se considera ideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com sua saúde. Mas tenho que lhe dizer que no cenário global a humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. Quase metade da população e não estão incluídos aqui muitos diagnósticos psiquiátricos.
A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar usar perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso.
Neurodiversos somos todos nós, mas o movimento de conscientização, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações que pode gerar incapacidade. Hoje é comum incluir também sob o guarda-chuva da neurodiversidade o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Hoje percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo ao dizerem que são neurodiversos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Ricardo Afonso Teixeira*
Uma crise de enxaqueca pode ser precedida por alguns minutos por alterações sensoriais, como estrelinhas no campo visual, que duram habitualmente poucos minutos. Este é um fenômeno que ocorre em cerca de um quarto das pessoas que sofrem de enxaqueca e é chamado de aura, uma das quatro fases da doença. Outra fase é a própria dor e ainda existem duas outras que falaremos a seguir.
Antes mesmo dos sintomas de aura, muitas pessoas percebem, até com 48 horas de antecedência, que uma crise está por vir. Os sintomas incluem um aumento do apetite e sensibilidade à luz e a estímulos sonoros, fadiga, tontura, rigidez e/ou dor na musculatura do pescoço, bocejos, irritabilidade, entre outros. Esses sintomas premonitórios representam a fase prodrômica da enxaqueca. A última fase é chamada de posdrômica, com sintomas semelhantes às da fase prodrômica e é como se fosse uma ressaca após a fase de dor, podendo durar até 48 horas.
Se a maioria das pessoas com enxaqueca reconhece sintomas premonitórios, um estudo mostrou que este é o caso em 77% dos pacientes, por que não usar uma medicação para abortar a crise ainda nesta fase? Teoricamente isso faz todo sentido e nesta quarta-feira (28 agosto) tivemos a publicação de um estudo na revista Neurology da Academia Americana de Neurologia mostrando de forma pioneira que o uso de medicação já no pródromo é mais eficaz do que no início da fase de dor. A medicação utilizada foi o ubrogepant, ainda não disponível em nosso meio, mas os resultados positivos podem se replicados com medicações disponíveis no Brasil e precisam ser testados em novos estudos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
No final de fevereiro, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.
Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha. Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.
Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência. Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.
Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.
Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de uma onça. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.
E mais um: demência.
Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Essa combinação aumenta o risco de doenças cardiovasculares.

Ricardo Afonso Teixeira*
Um grande estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Michigan, nos EUA, mostrou que os sintomas vasomotores na menopausa, que incluem ondas de calor e suor noturno, são mais comuns entre as mulheres que apresentavam enxaqueca antes desse período. A pesquisa foi publicada no periódico Menopause esta semana após acompanhamento por décadas de mais de 1900 mulheres.
As mulheres que tinham a combinação de enxaqueca e sintomas vasomotores por vários anos apresentaram maior risco de doenças cardiovasculares, incluindo infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Este é um grupo de mulheres em que os esforços para redução de risco vascular devem ser ainda maiores. E a receita de prevenção vascular hoje é vista como tendo 8 alvos essenciais: controle cuidadoso do peso, pressão arterial, glicemia e gorduras no sangue, não fumar, dieta saudável, e aqui os peixes ricos em ômega-3 têm seu papel, atividade física regular e boa qualidade do sono.
Enxaqueca é uma condição cerebral, mas não é que os sintomas vasomotores na menopausa também parecem ter origem no sistema nervoso central? Pesquisadores da Universidade do Arizona, nos EUA, descobriram um grupo de células do hipotálamo, região do cérebro que faz a ponte com os sinais hormonais, que podem ser as responsáveis pelas desconfortáveis ondas de calor que boa parte das mulheres vivencia nos primeiros anos da menopausa.
Em um modelo de menopausa em camundongos, os pesquisadores mostraram que o efeito de dilatação dos vasos da pele era interrompido quando um grupo de células do hipotálamo, chamadas de KNDy, era inativado. Apesar de representarem uma pequena população de células do cérebro, elas têm grande importância no controle das fontes de energia do corpo, temperatura e reprodução. Com a baixa dos níveis do hormônio estradiol na menopausa, essas células ficam hiperfuncionantes e disparam o comando de vasodilatação, com a intenção não muito apropriada de provocar a perda de calor do organismo.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Para quem sofre de enxaqueca, poder prever se uma crise está por vir no outro dia pode fazer toda a diferença, promovendo um estado de maior segurança e autonomia. Ainda não chegamos ao ponto de implante de eletrodos cerebrais para fazer esse serviço, algo que já existe no caso da epilepsia, mas um aplicativo em que a pessoa alimenta de forma repetida sua percepção subjetiva de parâmetros sobre sono, energia e nível de estresse mostrou-se útil na previsão das crises.
O aplicativo ainda ajudou a saber se uma crise tem mais chance de acontecer pela manhã ou ao final da tarde. A sensação de pouca energia durante o dia e uma noite de sono ruim foram associadas a crises no outro dia pela manhã. O sentimento de alta carga de estresse e muita energia durante o dia previram uma crise vespertina no dia seguinte. Não devemos esperar aqui, como em qualquer modelo biológico, que tenhamos cem por cento de acerto, mas os resultados chamam a atenção para a importância dos estados físico e emocional como preditores de uma crise de enxaqueca.
O estudo foi publicado esta semana pelo periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Estudo aponta que o contexto social da enxaqueca tem mais impacto na qualidade de vida
do paciente que a frequência das crises
Ricardo Afonso Teixeira*
Uma pesquisa acaba de ser publicada no periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia e mostra que um terço dos portadores de enxaqueca percebem frequentemente estigma associado à sua doença e isso está associado à dificuldade no controle das crises de cefaleia e a uma pior qualidade de vida. Cerca de 60 mil americanos com enxaqueca foram incluídos nesse estudo que foi o primeiro com dimensão populacional realizado até então para a análise do estigma na enxaqueca.
As pessoas que sofrem de crises de enxaqueca repetidamente explicitam a dificuldade que os outros têm de entender o quanto sua condição é capaz de restringir as atividades do dia a dia. A enxaqueca tem impacto negativo na vida acadêmica e profissional, limita o convívio familiar e social, isso sem falar na restrição de atividades de lazer e exercício físico. Muitos apresentam até um quadro de ansiedade antecipatória que é um fantasma para qualquer compromisso futuro. Marcarei esta reunião tão importante? E se no dia eu apresentar uma daquelas crises fortes? Compro ingresso para este show? E se no dia?
Vale lembrar que a enxaqueca é a segunda causa de incapacidade entre todas as doenças e, quando miramos nas mulheres com até 50 anos, ela é a principal causa de incapacidade. Os relatos dos pacientes demonstram que eles percebem o estigma até entre os familiares. Não vai à festa com a gente por conta de enxaqueca? Mas de novo? No ambiente de trabalho, não é tão comum a compreensão de que uma crise de enxaqueca é razão suficiente para que uma pessoa falte naquele dia.
O estigma associado à enxaqueca pode ser dividido em dois tipos. O primeiro é quando a pessoa sente que os outros estão achando que ela está se aproveitando para tirar vantagem e ir para casa antes do fim do expediente, por exemplo. Outro tipo é a percepção de que as pessoas estão achando que o problema está sendo supervalorizado. Afinal é só uma enxaqueca.
A relação entre estigma e controle das crises é aparentemente bidirecional. Aqueles que sofrem com crises mais incapacitantes percebem mais o estigma. Por outro lado, a percepção de estigma pode piorar o controle das crises. Os resultados do presente estudo apontam que o componente do estigma tem mais impacto na qualidade de vida do paciente com enxaqueca que a frequência de suas crises!
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de
medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Numa noite de tempestade, ainda no Paleolítico, uma tribo se reúne na caverna, ao redor do fogo, e a mãe aponta para o filho uma erva e lhe diz para ter cuidado, pois aquilo lhe provocou uma forte dor de cabeça no dia anterior e que pode ser um veneno. O pai balança a cabeça e concorda com o alerta, e fala que costuma ter essa dor quando fica muito tempo sem comer ou dorme demais após uma refeição, especialmente durante o dia. O filho emenda: mas pai, você já me ensinou que muito tempo sem comida não ajuda, caso eu precise lutar e, dormindo demais, posso acabar virando comida de onça. Para as pessoas que sofrem de enxaqueca, essa história pode não parecer tão distante.
São várias as causas de dor de cabeça, mas a enxaqueca é uma das mais comuns, afetando 20% das mulheres, um pouco menos de 10% dos homens, e tem como fator determinante o próprio código genético do indivíduo. Quando uma condição médica com forte influência genética tem uma frequência tão alta na população, podemos interrogar se esta condição não representaria uma vantagem evolutiva. As pessoas com enxaqueca seriam mais evoluídas?
De acordo com a teoria da evolução e seleção natural, os seres mais adaptados têm maior chance de sobreviver e se reproduzir. Mas como imaginar que um indivíduo que tem dores de cabeça possa ser mais “adaptado” que aquele que não as possui? A dor, de uma forma geral, é um mecanismo de defesa a situações potencialmente danosas ao corpo. Por sentirmos dor, retiramos nossa mão de uma água fervente e não nos queimamos.
Sabe-se que indivíduos com enxaqueca têm uma sensibilidade aumentada a estímulos sensoriais, visuais, auditivos, olfativos. Apresentam também menor tolerância a alguns desafios tais como jejum, insônia, excesso de sono, estresse físico e emocional. Podemos argumentar que esta sensibilidade apurada faz com que o indivíduo com enxaqueca evite de forma mais eficaz situações e ambientes complexos que poderiam ser interpretados como predatórios. A maior recomendação para que estes “seres evoluídos” tenham uma boa qualidade de vida é evitar estímulos que sabidamente provocam crises. Para que ficar provocando onça com vara curta?
Alguns estudos têm revelado que a prevalência de enxaqueca na população vem aumentando ao longo das últimas décadas, e uma possível explicação para esse fenômeno é que as pessoas se confrontam de forma mais frequente com estímulos desencadeadores da dor descritos acima. Então deveríamos recomendar que os indivíduos com enxaqueca vivessem numa redoma de vidro?
Charles Darwin foi um homem que sofreu dores de cabeça recorrentes e incapacitantes e que provavelmente correspondiam a crises de enxaqueca. Talvez isso contribuísse em parte para sua fama de antissocial. Nem por isso deixou de rodar o mundo a bordo do Beagle e virar de cabeça para baixo o pensamento da humanidade.
O indivíduo com enxaqueca deve aprender a reconhecer quais são os estímulos que desencadeiam suas crises e evitá-los quando possível. Na época de Darwin, era prática comum colocar as metades de uma laranja nas têmporas para tentar aliviar a dor de cabeça. Hoje temos ferramentas mais eficazes. Na hora das crises, deve-se usar analgésicos da forma mais precoce possível, pois depois de um certo tempo de dor, a chance de o remédio ajudar passa a ser menor. Quando as dores passam a ser frequentes, o uso muito frequente de analgésicos pode até piorar a situação e, na maioria das vezes, um tratamento com outros tipos de remédios é indicado. A visita a um médico é importante não só para orientar o tratamento, mas também para avaliar se a origem da dor é realmente a enxaqueca.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira
Ela tem crises de enxaqueca, como ela mesmo diz, desde que se entende por gente. As crises começaram aos 13 anos de idade, mais fortes no período próximo à menstruação, frequentemente acompanhada de náusea, intolerância à luz, cheiros e ruídos. A dor costuma ser forte, às vezes tão forte que as medicações que usa para abortar a crise não funcionam, e acaba procurando ajuda no hospital onde lhe é prescrito um remédio na veia que consegue aliviar o sofrimento. Isso interfere sobremaneira na sua qualidade de vida, mas não a deixava sem dormir pensando que pudesse ter outro diagnóstico diferente da enxaqueca.
Por vezes apresentava crises de vertigem, como uma “labirintite”, que durava dois a três dias e que foram identificadas como migrânea vestibular, um transtorno do sistema do labirinto associado à enxaqueca. Isso também não lhe preocupava tanto. Uma vez, antes do fenômeno doloroso, passou a enxergar flashes de zigue zague no campo visual direito seguidos por dificuldade em sem se comunicar. Isso gerou muito mais preocupação, pois tinha sido inédito e pensava que poderia estar acontecendo um derrame cerebral. Ficou mais tranquila com a transitoriedade do fenômeno, 20 minutos, e após consultar seu médico que lhe tranquilizou que os sintomas também podem acontecer em pessoas que sofrem de enxaqueca.
Mais recentemente, ela teve mais uma crise forte, mas dessa vez acompanhada de grande inchaço ao redor de um dos olhos com duração de poucos dias. O quadro a deixou muito angustiada e novamente interrogou se não poderia ter ocorrido um derrame cerebral. Seu médico a acalmou dizendo, mais uma vez, que o inchaço pode ser esperado em pacientes com enxaqueca.
Esse tipo de inchaço é decorrente de uma maior ativação do sistema parassimpático e é mais comumente encontrado em outro grupo de dor de cabeça chamado de cefaleias trigeminovasculares, como é o caso da cefaleia em salvas. É uma expressão do desequilíbrio do sistema nervoso autônomo no momento da crise e não é incomum entre os pacientes com enxaqueca. Estudos mostram que até 75% dos que sofrem de enxaqueca podem apresentar em algum momento sintomas disautonômicos cranianos que, além do inchaço palpebral, podem incluir lacrimejamento, congestão/corrimento nasal, pressão no ouvido, vermelhidão ocular, queda palpebral e rubor/suor facial. Os sintomas podem ser uni ou bilaterais e o inchaço palpebral pode ocorrer em um terço dos pacientes. E não tem nenhuma relação com derrame cerebral.

Por Ricardo Teixeira*
Na última semana, uma paciente, acompanhada por mim para tratamento de enxaqueca crônica, pediu-me um relatório para o seu trabalho recomendando que se possível fosse oferecida a ela espaço de trabalho menos ruidoso e com iluminação branca menos intensa para o melhor controle de sua condição clínica. As pessoas que sofrem de enxaqueca sofrem com a luz, ruídos e odores, não só quando estão tendo uma crise de cefaleia, mas é comum serem hipersensíveis a estímulos sensoriais intensos também entre as crises. Esse é o meu caso, dessa paciente, e é claro, fiz o relatório.
Nesses três anos de pandemia a discussão sobre o espaço físico do trabalho ressurgiu com tudo. Já na década de 1960 a companhia química DuPont inovou com espaços únicos para inúmeros colaboradores com a promessa de maior colaboração entre eles. Inúmeros estudos mostraram que as pessoas, na verdade, colaboram menos nesse modelo e frequentemente se queixam de ruído e distração. Além disso, o modelo de grandes espaços alimenta o sexismo e a hierarquia corporativa, onde as mulheres se sentem mais oprimidas em serem julgadas pela vestimenta enquanto aqueles com níveis mais altos na hierarquia solidificam suas posições também por se vestirem de forma mais sofisticada.
A saúde também entra nessa equação de custo e benefício dos grandes espaços compartilhados. Nesse quesito, a pandemia de COVID-19 mostrou que a maioria das pessoas pode trabalhar em casa com a mesma qualidade ou até melhor que no local de trabalho tradicional. Desde a década de 1990 sabemos que dividir o espaço de trabalho aumenta em um terço as chances de múltiplas infecções virais no ano.
Hoje pensa-se que o melhor é oferecer a possibilidade de espaços customizados de acordo com o tipo de trabalho e preferências do colaborador, respeitando a neurodiversidade. Uma pesquisa conduzida em 2021 nos Estados Unidos (Gensler Research Institute) mostrou que um terço das pessoas gostariam de trabalhar em casa integralmente e metade preferem um esquema híbrido, idealmente com dois dias na semana no escritório. Lembremos também do maestro dessas decisões pelo lado do empregador: o dinheiro. O trabalho em casa ou em um escritório virtual, que pode ser um Café, permite redução de custos, maior satisfação e menor rotatividade por parte dos colaboradores.
*Ricardo Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Ricardo Teixeira
Enxaqueca é uma condição clínica muito prevalente chegando a acometer uma em cada cinco mulheres. Por outro lado, cefaleia em salvas é mais rara e acomete preferencialmente os homens. As crises de dor de cabeça dessas duas condições clínicas dividem inúmeros aspectos em comum e, entre eles, está a tendência em ocorrer em determinados períodos do dia e segue um padrão de intervalo entre as crises de 24 horas..
Uma análise publicada esta semana na Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, mostrou que a influência do relógio biológico ocorre em 71% e 50% dos pacientes com cefaleia em salvas e enxaqueca respectivamente, reforçando a influência do hipotálamo nesses casos. Hipotálamo é uma estrutura cerebral que controla o relógio biológico e tantas outras funções primárias como sono, fome e sede.
No caso da cefaleia em salvas, as crises costumam ocorrer do fim da noite até o amanhecer. É comum o paciente acordar com a dor, algo que também acontece muito na enxaqueca. Crises de salvas ocorrem mais na primavera e outono especialmente nos países com as estações bem delimitadas. Pacientes com salvas apresentam níveis maiores do hormônio cortisol e menores da melatonina.
Na enxaqueca as crises acontecem com ampla distribuição no curso do dia e são menos comuns no período da noite. Os níveis de melatonina também são reduzidos. Apesar de ainda termos um número limitado de estudos, uma das terapêuticas empregadas para a profilaxia de crises de enxaqueca e salvas é a melatonina. Os resultados até o momento são promissores.
*Ricardo Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília.

É bastante comum ouvir a resposta onze (!) quando perguntamos a um paciente que sofre de cefaleia em salvas qual a intensidade da dor numa escala de 1 a 10. Esse tipo de dor de cabeça é bem menos comum que a enxaqueca, 1 em cada 1000 pessoas, e costuma ser mais forte. Alguns até batem a cabeça na parede de tanto desespero e têm ideação suicida. Infelizmente ela é subdiagnosticada e os indivíduos comumente passam décadas sendo tratados como se tivessem uma enxaqueca.
Salvas porque ela acontece frequentemente em ciclos de dor de cabeça de uma semana a meses e com intervalos de remissão, mas também pode ocorrer de forma crônica sem esses intervalos ou com intervalos menores que três meses. A dor costuma acontecer no mesmo período do dia como se fosse um despertador que te acorda na mesma hora e num período de 24 horas pode ocorrer quase uma dezena de crises intercaladas por períodos assintomáticos ou de dor fraca. Esse padrão temporal é bem característico da cefaleia em salvas, mas ela tem sinais e sintomas bem peculiares como vermelhidão no olho, lacrimejamento, congestão nasal, todos do mesmo lado da dor de cabeça. Diferente da enxaqueca que pede repouso, numa crise de cefaleia em salvas, os indivíduos costumam ficar agitados.
Uma pesquisa recém-publicada pelo periódico Headache mostra que a cefaleia em salvas já se inicia na infância em mais de um quarto das vezes, mas apenas 15% serão diagnosticados antes dos 18 anos. Confirma também a maior prevalência entre os homens: 85% dos casos.

Portadores de enxaqueca sofrem duas vezes mais de tontura numa montanha-russa virtual, e de forma mais intensa e prolongada. Uma série de regiões do cérebro são ativadas de forma mais robusta entre aqueles que sofrem de enxaqueca, incluindo córtex occipital, cerebelo e núcleos da ponte no tronco cerebral. Um aumento de atividade nessa última área pode estar relacionado a uma transmissão anormal de estímulos sensoriais visuais e auditivos. O estudo foi publicado recentemente pela revista Neurology da Academia Americana de Neurologia.
A relação entre tontura e enxaqueca vai muito além de provocações ao sistema do labirinto provocadas por uns minutos na montanha-russa. Estima-se que 50% das pessoas têm crises de vertigem durante as crises de dor ou mesmo fora delas. A enxaqueca é considerada a principal causa de vertigem episódica em adultos e crianças e a essa condição clínica dá-se o nome de migrânea vestibular. O quadro de vertigem geralmente dura por horas a menos de três dias, e a raiz do problema, a princípio, se encontra em núcleos que modulam diversos estímulos sensoriais. Esses mesmos núcleos também estão envolvidos na resposta de ansiedade, e por isso, não é raro uma mesma pessoa apresentar enxaqueca, ansiedade e crises de vertigem.

O cérebro de uma pessoa com enxaqueca excita-se com mais intensidade do que o normal a diferentes estímulos externos (ex: luminosidade) ou internos (ex: privação de sono). São inúmeros os estímulos capazes de desencadear crises de enxaqueca. Porém, a resposta a cada um deles é muito individual e por isso listas de proibições rígidas podem ser mais penosas do que benéficas ao paciente.
Habitualmente, um estímulo deve ser reconhecido como fator desencadeante de crises num determinado indivíduo quando provoca crises em mais de 50% das vezes dentro de 24h após a exposição ao estímulo. É recomendável que cada indivíduo identique seus fatores desencadeantes e tente evitá-los. Entretanto, algumas atitudes podem ser recomendadas a qualquer pessoa que tenha crises de enxaqueca:
› Reduza o estresse no dia a dia;
›Tente dormir sempre o mesmo número de horas por dia: evite tanto a privação como o exagero de sono;
› Faça suas refeições em horários regulares: evite o jejum prolongado;
› Evite alimentos identificados como desencadeantes de crises;
› Evite o consumo de álcool, especialmente vodka e vinho tinto;
› Evite o excesso de cafeína. Porém, não suspenda seu consumo de cafeína de um dia para o outro;
› Evite a exposição a luzes, ruídos e cheiros fortes;
› Faça exercícios físicos moderados pelo menos 5 vezes por semana. Evite atividade física exagerada e em horários muito quentes;
› Não deixe de beber sempre muita água: a desidratação é um fator desencadeante de crises.
Quanto à dieta, é bom conhecer as substâncias que são frequentemente associadas a crises de enxaqueca, e em quais alimentos você as encontra. Alguns estudos demonstram que entre 7 a 30% dos pacientes reconhecem algum alimento como fator desencadeante de crises, sendo os mais comuns: chocolate, queijos, frutas cítricas e bebidas alcoólicas.
Uma boa parte das substâncias envolvidas pertence à família das aminas biogênicas, produtos naturais do metabolismo de plantas, animais e microorganismos, como é o caso do processo de fermentação de alguns alimentos (ex: vinho, queijo). Os mecanismos de ação dessas substâncias incluem a provocação dos vasos cerebrais (vasoconstrição ou vasodilatação), estímulo de liberação de neurotransmissores assim como estímulo direto aos centros e vias nervosas envolvidas no processo da enxaqueca. Há também evidências de que fatores alérgicos possam estar associados, tema que ainda é bastante controverso.
Uma revisão de 180 artigos da literatura sobre dieta e enxaqueca publicada pelo periódico Headache nos traz uma boa discussão sobre o assunto. Além de recomendar o reconhecimento de alimentos que provocam crises em uma determinada pessoa, a revisão chama a atenção para três tipos de dieta que são potencialmente benéficas para o controle da enxaqueca: 1) com baixo teor de carboidratos; 2) com baixo teor de gorduras; 3) rica em ômega-3 (e.g., peixes, castanhas) e pobre em ômega-6 (e.g., óleos vegetais, como o óleo de soja). Esses dois últimos tipos de dieta acabam de ser confirmados como benéficos para redução da frequência e intensidade das crises em artigo publicado pelo respeitado periódico British Medical Journal. Estudos em roedores já haviam demonstrado que gorduras do tipo ômega-3 têm efeito protetor contra dor nas terminações do nervo trigêmeo enquanto as gorduras do tipo ômega-6 têm efeito contrário.
Não custa lembrar também que alimentos industrializados costumam ser um mau negócio para quem sofre de enxaqueca.

No início da pandemia, os holofotes eram todos voltados ao sistema respiratório e circulatório e aos poucos os transtornos provocados pelo vírus sobre o sistema nervoso começaram a ser identificados. Os problemas incluem desde a redução do olfato, dificuldades de memória e dores de cabeça até derrames cerebrais, encefalite e estados de confusão mental e psicose. Isso sem falar dos efeitos das mudanças psicossociais do fenômeno pandemia, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
Um estudo da Unicamp mostrou que 25% das pessoas que morreram por COVID-19 apresentam algum grau de dano cerebral por avaliação neuropatológica, porém outras pesquisas nos mostram que sintomas neurológicos estão presentes em mais de 80% dos pacientes na fase aguda ou nos meses subsequentes. Hoje já temos uma boa ideia da frequência com que cada sintoma neurológico ocorre e abordaremos aqui três dos sintomas mais comuns.
Dificuldades de memória e atenção acometem mais de 60% das pessoas que apresentaram a infecção e, curiosamente, costumam ocorrer semanas depois do quadro agudo. Pode durar meses e os achados mais recentes apontam que um processo inflamatório seja responsável pelas queixas. Isso abre uma perspectiva de que medicamentos anti-inflamatórios podem ajudar, mas ainda não temos esta constatação.
Dor de cabeça ocorre em cerca de metade dos pacientes, geralmente forte e muitas vezes com características de enxaqueca. Alguns têm dor de cabeça inédita e não tinham história de episódios anteriores, enquanto outros têm piora da frequência da enxaqueca que já apresentavam antes da infecção.
Vinte por cento dos pacientes têm redução ou perdem o olfato na fase aguda da doença, sintoma que também pode perdurar por meses, mas a maioria tem reversão completa da disfunção dentro de um mês. Nesse caso, já foi demonstrado que os neurônios podem sofrer diretamente com a infecção, mas também indiretamente, por acometimento dos astrócitos, células que provêm energia para os neurônios. As células da mucosa nasal, ricas em receptores ACE-2 e que suportam o nervo olfatório, também são acometidas reduzindo assim a nutrição desse nervo.
As séries neuropatológicas publicadas até o momento apontam que a identificação do vírus no cérebro não é tão significativa quanto em outros órgãos. Uma explicação é que o cérebro não é rico em receptores ACE-2, a porta de entrada do vírus nas células e isso aponta a favor da resposta imunológica ser a maior causadora das lesões cerebrais. Por outro lado, o estudo da Unicamp revela que os receptores Neuropilina podem ser a principal porta de entrada do vírus nas células do sistema nervoso. Os pesquisadores demonstraram acometimento dos astrócitos que não têm receptores ACE-2.
Futuros estudos devem apostar em marcadores biológicos que melhor esclareçam o que é infecção direta pelo vírus, o que é inflamação e o que é autoimunidade. Saberemos também qual o impacto desse ataque cerebral no médio e longo prazo.

Uma pesquisa recém-publicada no Cephalalgia, periódico da Sociedade Internacional de Cefaleia, aponta que a exposição à luz verde é capaz de reduzir a intensidade e frequência de crises de pessoas que sofrem de enxaqueca.
Pesquisadores da Universidade do Arizona nos EUA mostraram nesse estudo o impacto clínico positivo da exposição à luz verde sobre as crises de enxaqueca. Os voluntários foram expostos à luz branca por um período de uma a duas horas por dia durante dez semanas e depois passavam pelo mesmo período de exposição à luz verde. Os pacientes expostos à luz verde apresentaram uma redução de 60% na frequência de crises, melhora na intensidade das crises, de intensidade 8 para 3.2 (escala de 1 a 10), e nos questionários de qualidade de vida, incluindo maior facilidade para dormir, se exercitar e também trabalhar. Como esperado, não houve efeitos colaterais.
Os resultados prometem uma ferramenta barata e acessível para o controle da terceira condição clínica mais prevalente no mundo afetando um bilhão de pessoas.
Um estudo anterior publicado no Brain em 2016 havia mostrado que pacientes com enxaqueca tiveram uma redução de fotofobia e intensidade das crises ao serem expostos à luz verde. A fotofobia ocorre em 80% das crises de enxaqueca e traz limitações no dia a dia dos pacientes.
Assim como o estudo anterior, os voluntários foram expostos a uma estreita banda de luz verde a uma determinada intensidade. Não é qualquer luz verde, não é uma lâmpada pintada de verde, e os modelos originais tinham preços inacessíveis ao consumidor. Hoje você encontra “lâmpadas da enxaqueca” na Amazon e alguns sites que custam de 20 a 289 dólares e prometem ser realmente de banda estreita semelhante aos estudos. Encontra também uma enorme variedade de óculos com lente verde que precisam ser testados antes de serem indicados pelos médicos.
O estudo de 2016 foi conduzido por pesquisadores de Harvard e explica bem a ciência por trás do efeito protetor da luz verde sobre um cérebro que sofre de enxaqueca. Eles mediram a magnitude dos sinais elétricos gerados pela retina, tálamo e córtex cerebral, evidenciando que a luz verde foi a que gerava menores sinais. Vale lembrar que o cérebro de um enxaquecoso é hiperexcitável. Vive-se melhor com menores estimulações elétricas. Menos luz, menos barulho, menos cheiros fortes…

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O smartphone faz com que as pessoas que têm dor de cabeça usem mais medicações e com menor efeito. Essa é a conclusão de um estudo recém-publicado pelo periódico Neurology Clinical Practice da Academia Americana de Neurologia.
A pesquisa envolveu 400 voluntários na Índia com o diagnóstico de cefaleia primária como enxaqueca e cefaleia tensional. Metade dos voluntários faziam uso de smartphones e a outra metade tinha telefones móveis mais simples ou nenhum telefone móvel. Esse último grupo era composto por pessoas mais velhas e de menor nível socioeconômico. Aqueles que tinham smartphones usavam medicações para dor numa média de oito vezes por mês enquanto aqueles sem telefone celular ou que só possuíam aparelhos simples usavam medicações cinco vezes por mês. Cerca de 90% dos pacientes apresentavam enxaqueca e um achado bem interessante desse estudo foi o fato de que usuários de smartphones apresentavam aura numa frequência duas vezes maior. Aura é um fenômeno elétrico que ocorre em uma parte das pessoas que sofre de enxaqueca e que gera sintomas como alterações visuais e sensitivas acompanhadas da dor de cabeça.
Este é um estudo preliminar e lança muitas perguntas que aguardam respostas que possam explicar esses resultados. Isso teria ligação com a postura do pescoço? Ou o estresse mental e/ou ocular de estar sempre conectado? Privação de sono? Luminosidade da tela? Campo eletromagnético? Respostas deverão vir ao longo dos próximos anos.



