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Ricardo Afonso Teixeira*
Pesquisa publicada esta semana pelo Proceedings of the National Academy of Sciences aponta que, entre idosos saudáveis, os homens têm a redução do volume cerebral mais rápida que as mulheres. Entretanto, isso não significa que eles são mais propensos a desenvolver a Doença de Alzheimer. Tamanho nem sempre é documento. Estima-se que 2/3 dos casos da Doença de Alzheimer ocorram entre as mulheres.
As mulheres vivem mais, mas parece que existem outros fatores biológicos que ajudam a explicar essa diferença. Muitos candidatos estão na fila, mas sem resultados conclusivos até o momento. Um deles é a redução dos níveis de estrogênio com a menopausa. Isso pode potencializar o risco de uma mulher que já é geneticamente predisposta a apresentar a doença.
Outra possível explicação é o efeito protetor da educação formal. Apesar das diferenças educacionais entre os gêneros terem diminuído fortemente nos últimos anos, elas ainda existem em muitas regiões do mundo, especialmente em populações mais idosas.
Uma diferente resposta ao estresse e a maior prevalência de ansiedade e depressão entre as mulheres podem fazer a diferença. Eventos desgastantes como doenças, divórcios e problemas no trabalho parecem aumentar o risco de demência entre as mulheres, mas o mesmo não acontece com os homens. O estado de ansiedade de uma mulher aumenta as chances de desenvolver a doença e essa associação não foi demonstrada entre os homens.
Além disso, a doença é mais agressiva no caso delas. As pesquisas mostram que, após o diagnóstico de Alzheimer, os homens têm um melhor desempenho em diferentes domínios cognitivos como memória, habilidades visuoespaciais e até mesmo linguagem, função esta que as mulheres levam vantagem sobre os homens quando se pensa em indivíduos saudáveis.
A chance de apresentarmos um quadro de demência chega a 25% após os 80 anos, 50% após os 90, sendo que a causa mais comum é a Doença de Alzheimer. Ela é mais frequente entre as mulheres e as evidências apontam que as lesões cerebrais associadas à doença têm maior repercussão clínica entre elas. Essas pesquisas solidificam o conceito de que a doença nas mulheres é mais agressiva.
Falando de gênero e Alzheimer, mulheres cuidam de parentes com a doença de Alzheimer 2.5 vezes mais que os homens e em 20% dos casos têm que abandonar o trabalho.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O JAMA Netw Open, periódico da Associação Médica Americana, publicou esta semana resultados de um estudo com voluntários com mais de 65 anos mostrando que muitos dizem que têm interesse em saber sob seus riscos de apresentar a Doença de Alzheimer, mas quase metade desses declinam. E não é por dar trabalho ou falta de recursos para realizar exames, pois eles já haviam sido feitos no decorrer de um longo projeto de pesquisa conduzido pela Universidade de Washington em Saint Louis. É não querer saber mesmo. E a principal razão apontada foi a de evitar a carga psicológica em saber sobre esse risco. Aqueles que tinham familiares com a doença tinham menos interesse em saber sobre os exames.
Pouco se estudou sobre o impacto psicológico sobre os resultados de biomarcadores da Doença de Alzheimer entre voluntários de estudos para a doença. Existem evidências ainda limitadas de que ter conhecimento dessa informação não traz repercussões psicológicas tão negativas. Um estudo pioneiro publicado ainda em 2009 pelo
The New England Journal of Medicine avaliou o estado psicológico entre saber ou não saber sobre um desses biomarcadores (genotipagem da apolipoproteína E). Não houve diferença entre os níveis de ansiedade, depressão e estresse psíquico entre os dois diferentes grupos – saber ou não saber. Entretanto, aqueles que receberam resultados de menor risco no teste apresentaram menor grau de estresse psicológico, e aqueles que receberam resultados de maior risco apresentaram maior estresse psicológico, mas por um período de tempo limitado.
Esses estudos são de extrema importância no momento em que medicações que mudam o curso natural da doença passarão a estar disponíveis e será fundamental que diagnósticos sejam feitos cada vez mais precocemente. Estaremos começando essa nova era no tratamento do Alzheimer com o Donanemab, um anticorpo monoclonal recentemente aprovado pela Anvisa e com resultados clínicos bem modestos e preços nada, nada modestos.
Por ora, esses exames não devem ser realizados na população geral, mas apenas em pacientes selecionados por médico especializado no assunto, pois um resultado sem a devida orientação e aconselhamento pode trazer prejuízos para o equilíbrio psíquico.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
A definição de síndrome metabólica é um quadro de pelo menos três desses fatores: obesidade, hipertensão arterial, diabetes, aumento da taxa de triglicérides e redução do colesterol bom (HDL). A Academia Americana de Neurologia publica hoje no seu periódico Neurology um estudo que mostra um risco aumentado de demência entre os portadores desta síndrome. O risco teve um padrão cumulativo, ou seja, maior quanto mais critérios da síndrome estavam presentes, com um aumento na chance de desenvolver demência em 70% quando todos os critérios estavam presentes.
A idade dos participantes do estudo merece uma atenção especial. Os indivíduos faziam parte de uma amostra de duas mil pessoas que realizaram um check-up na Coreia do Sul com idades entre 40 e 60 anos em que 25% apresentavam síndrome metabólica. O acompanhamento médio desses indivíduos foi de oito anos e a identificação dos quadros de demência ocorreu antes dos 65 anos, em idades precoces quando comparados à maioria dos diagnósticos de demência. Os resultados mostraram que quanto mais precoce o diagnóstico de síndrome metabólica maior o risco de demência.
Nesse estudo, o subgrupo de pacientes com síndrome metabólica, mas sem obesidade, tinham um risco menor de demência do que aqueles com obesidade. Entretanto, o impacto negativo da obesidade sobre o cérebro já é bem reconhecido, tanto no que diz respeito a habilidades cognitivas, como na morfologia e conectividade funcional. Uma pesquisa longitudinal publicada em março deste ano pela prestigiada revista Nature Mental Health mostrou que essa influência no cérebro é dependente da duração e severidade da obesidade.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Hoje podemos dizer que 50% das chances de desenvolvermos a Doença de Alzheimer estão associadas a fatores genéticos e outros 50% a fatores ambientais. Entre os fatores ambientais, os vírus neurotópicos (i.e.,Herpesvírus) sempre foram considerados potencias agentes etiológicos, mas nunca antes tivemos uma evidência tão robusta dessa associação como a pesquisa publicada esta semana pela revista Nature.
Em 2013, um programa de vacinação no país de Gales no Reino Unido, por limitação na quantidade de doses, ofereceu vacinação para Herpes zoster para indivíduos com 79 anos de idade, no ano seguinte àqueles um ano mais jovens e assim por diante. O programa acabou sendo um experimento natural ímpar, pois permitiu a comparação com os indivíduos de 80 anos que não tiveram acesso à vacinação, apenas poucos dias, semanas, meses mais velhos. Isso foi muito próximo ao modelo de pesquisa padrão ouro para inferência de uma relação causa e efeito, os famosos estudos randomizados duplo-cegos.
Os idosos que receberam vacinação para o vírus Herpes zoster apresentaram uma redução de 20% no risco de apresentar um diagnóstico de demência em um período de sete anos. Os efeitos foram ainda mais significativos entre as mulheres.
Um corpo bem razoável de evidências laboratoriais e estudos clínicos com metodologia mais frágil mostra associação entre infecções virais, incluindo Herpes zoster, e o desenvolvimento de demência. A vacinação no presente estudo pode ter promovido uma melhora do estado imunológico geral, reduzindo o risco de demência, mas pode ter reduzido o componente inflamatório do cérebro ao inibir a reativação do vírus. Herpes zoster é o mesmo vírus da catapora que fica quiescente no nosso sistema nervoso, até que em idades mais avançadas eles podem ser reativados.
Planeja-se agora um estudo randomizado para testar os resultados em outras populações. A vacina usada no estudo foi a de vírus atenuado (Zostavax®) que vem sendo substituída pela de vírus inativado (Shingrix®). Ambos os tipos deverão ser testados.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Pesquisa liderada pela Universidade da California do Sul demonstra que idosos que apresentam dificuldade cognitiva apresentam uma menor eficiência dos pequenos vasos cerebrais nas regiões temporais. Esses achados foram encontrados em idosos com ou sem depósitos de proteínas associadas a doenças neurodegenerativas como a Doença de Alzheimer, sugerindo que alterações da microcirculação podem representar um biomarcador precoce de declínio cognitivo nessa faixa etária. Os resultados foram publicados este ano no periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia.
Nossos vasos sanguíneos devem ser vistos como órgãos tão inteligentes e complexos como o fígado ou o coração, por exemplo. Quando nos levantamos, quando fazemos força, quando ficamos sem respirar por alguns instantes, todas essas situações exigem com que os vasos sanguíneos do cérebro adaptem seus calibres para manter sempre a mesma pressão do sangue que entra no cérebro. Se este controle falhar, alterações rápidas e transitórias do estado de consciência podem acontecer. As pequenas artérias do cérebro, também chamadas de arteríolas, são as maiores responsáveis por esse controle. O ato de pensar também exige uma vassorreatividade afinada.
No presente estudo, a eficiência dessa microcirculação foi testada com um teste de vasorreatividade após breves períodos de apneia. Quando prendemos a respiração, aumentamos o teor de gás carbônico no sangue o que leva a dilatação dos pequenos vasos cerebrais. É um mecanismo de autorregulação que, quando afetado, aumenta o risco de doença cerebrovascular e demência.
Tratamentos que visam aumentar a vasorreatividade cerebral nos lobos temporais, principais centros da memória, podem ser ferramentas poderosas no combate de condições como a Doença de Alzheimer. Enquanto não temos medicamentos específicos para alcançar esse alvo, devemos juntar todas as forças para evitar situações que sabidamente podem afetar essa autorregulação cerebral e aqui estamos falando de tratar com rigor problemas como a hipertensão arterial, diabetes e colesterol alto, além de evitar o sedentarismo. Tabagismo nem em pensamento.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Mais da metade das mulheres apresentam queixas de memória na fase de transição para a menopausa e temos algumas evidências de que, nessa fase da vida, elas realmente apresentam uma menor velocidade de processamento cognitivo e menor desempenho da memória verbal. Esse fenômeno também é conhecido por névoa cerebral (“brain fog”), a mesma expressão usada para as dificuldades que podem ser encontradas na COVID longa.
Uma forma de explicar esse menor desempenho na transição da menopausa é que a redução e flutuação dos níveis do hormônio estrogênio podem dificultar o pleno funcionamento cerebral. Já foi bem demonstrado que algumas áreas cerebrais são ricas em receptores de estrogênio, regiões que são fortemente vinculadas à memória, como é o caso do hipocampo e o córtex pré-frontal. Além disso, estudos experimentais revelam que o estrogênio é capaz de elevar os níveis de neurotransmissores e também promovem o crescimento neuronal e formação de conexão entre os neurônios.
As mulheres que recebem reposição hormonal antes do término da menstruação são beneficiadas do ponto de vista cognitivo, o que não acontece com aquelas que começam esse tipo de tratamento após o término da menstruação. Essa é mais uma evidência de que a reposição hormonal deve ser utilizada pelo menor tempo necessário. Temos até evidências que o uso prolongado desse tipo de tratamento pode levar à perda do volume de substância cinzenta do cérebro e declínio cognitivo.
Uma recente pesquisa aponta também que, quanto mais tarde se dá o início da menopausa, melhores são os indicadores cognitivos e o uso de reposição hormonal não teve qualquer influência. Esses resultados não foram válidos para os casos de menopausa cirúrgica, condição em que as mulheres têm os ovários removidos cirurgicamente. Em 2020, a revista Menopause da Sociedade Americana de Menopausa mostrou que durante as ondas de calor, que afetam um terço das mulheres de forma severa na transição da menopausa e em 30% daquelas na fase pós-menopausa, o desempenho cognitivo ainda é mais prejudicado. O aumento dos níveis do hormônio cortisol, elevados durante as ondas de calor, pode contribuir para esse efeito negativo na cognição. Isto abre uma oportunidade em que o tratamento das ondas de calor possa ser uma forma de incremento cognitivo nessas mulheres.
E no período pós-menopausa? Dois estudos são considerados referência na comparação entre o desempenho pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa. O primeiro é o americano SWAN de 2009 que sugeriu que a limitação cognitiva era restrita a alguns anos no período de transição para a menopausa e depois as mulheres voltavam a apresentar o mesmo desempenho que tinham anteriormente. Em 2018, um estudo inglês (Kuh e cols.) revelou que as dificuldades cognitivas não são transitórias, mas persistem por vários anos, em concordância com outros trabalhos menos robustos. Entretanto, várias pesquisas também mostram que o perfil cognitivo na perimenopausa é pior que na pós-menopausa e há evidências de uma adaptação cerebral aos baixos níveis de estradiol – Mosconi e cols. (2021). Resumindo, muitas mulheres passam pela transição com dificuldades e depois se recuperam e essa chance pode ser maior se preservarem a rotina de estímulos cognitivos, atividade física, socialização, sono de qualidade e, acima de tudo, se cuidarem do equilíbrio mental.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”.
Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese, ainda na graduação, na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas, com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista, chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.
O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter. Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No blog de Judy você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.
Uma das pérolas do seu trabalho é a distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam suas oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.
E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.
E você? Você se considera um neuroideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com a saúde. Mas tenho que lhe dizer que grande parte da humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. E esse sistema é o que faz nossa relação com o ambiente e isso envolve a relação com os outros.
A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar o uso de perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso. Muitos sofrem de algum grau de marginalização por falta de compreensão plena das suas diferenças pela sociedade.
O movimento de conscientização da neurodiversidade, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações. Esse é o desejo expresso de Judy na sua obra seminal. Hoje são comumente incluídos sob esse guarda-chuva, além do autismo, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo e dizem sem timidez que são neurodiversos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Reposição hormonal no climatério com medicamentos orais são menos seguros que os transdérmicos

Ricardo Afonso Teixeira*
Reposição hormonal combinada por administração oral (estrogênio + progesterona), assim como o hormônio sintético tibolona, está associada a um maior risco de eventos vasculares. Tibolona aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC) e infarto agudo do miocárdio (IAM) com estimativa de uma a cada mil mulheres. Terapia combinada está associada a maior chance de IAM e tromboembolismo venoso estimada em 7 a cada mil mulheres. Por outro lado, as terapias de reposição transdérmicas não aumentaram a incidência de eventos vasculares.
Essas foram as conclusões de uma pesquisa da Universidade de Uppsala na Suécia que envolveu um milhão de mulheres na menopausa em uso de diversas formas de reposição hormonal. A apresentação transdérmica evita que o hormônio tenha uma primeira passagem pelo fígado. No caso da administração oral, essa passagem pelo fígado promove a produção de fatores de coagulação que aumentam o risco de trombose.
A tibolona não é aprovada nos Estados Unidos e, após esses resultados, Åsa Johansson, líder dos pesquisadores do presente estudo, declara esperar que o medicamento também saia do mercado Europeu. O estudo foi publicado na última semana pelo prestigiado British Medical Journal.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Ricardo Afonso Teixeira*

Enquanto as doenças do coração mantêm a liderança como as principais causas de morte no mundo, observa-se um aumento substancial na prevalência das doenças do cérebro, especialmente as demências como a Doença de Alzheimer. É interessante notar que os quadros demenciais e as doenças do coração dividem os mesmos fatores de risco como a hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo. Está se tornando claro que a redução dos fatores de risco vascular pode fazer a diferença na redução de doenças do cérebro, e não estamos mais falando só de acidente vascular cerebral (AVC).
A mortalidade global associada à Doença de Alzheimer e outras demências têm crescido num ritmo maior que o das doenças do coração. Entre 2010 e 2020 houve um aumento de 44% na mortalidade associada a quadros demenciais e de 21% por doenças do coração. Quando se pensa em 30 anos (1990-2020), o incremento de mortes por quadros demenciais foi de 144%.
Voltando aos fatores de risco vascular, o que não faz bem ao coração também não faz bem ao cérebro. Hipertensão arterial aumenta em cinco vezes as chances de uma pessoa apresentar declínio cognitivo e quadros demenciais. No caso da obesidade, esse aumento é de três vezes. Tabagismo aumenta o risco de demência em 30-40%.
Há também uma forte relação entre a função do coração e o desempenho cognitivo. Menor desempenho cognitivo é encontrado com 40% mais chances em portadores de doença coronariana. Essa relação também existe na mesma intensidade em quem tem fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca comum. Insuficiência cardíaca eleva em duas vezes o risco de um quadro demencial e cerca de metade das pessoas acometidas por essa disfunção cardíaca apresenta algum grau de deficiência cognitiva.
A influência dessas três entidades cardiovasculares sobre a cognição pode ser dar pelo aumento de êmbolos no coração que se deslocam para o cérebro provocando obstrução de vasos e lesões cerebrais. Aqui incluímos lesões causadas por êmbolos grandes que irão provocar alterações súbitas da função cerebral, o AVC, assim como por microêmbolos, que na sua maioria são silenciosos e frequentemente ultraestruturais, não visíveis por métodos de neuroimagem usados na prática clínica. Mas não é só através de êmbolos que o cérebro é afetado por essas doenças cardíacas. Devemos incluir aqui redução do fluxo sanguíneo cerebral, processo inflamatório sistêmico e ativação neuro-hormonal.
A intimidade da relação entre o coração e o cérebro é bidirecional, o cérebro doente também tem impacto sobre o funcionamento do coração. Nos primeiros dias após um acidente vascular cerebral isquêmico, por exemplo, cerca de 10 a 20% dos pacientes apresentam alterações no coração e aqui devemos incluir as três entidades discutidas anteriormente: doença coronariana, insuficiência cardíaca e arritmia cardíaca. O cérebro que sofre desencadeia um processo inflamatório sistêmico além de uma disfunção do sistema nervoso autônomo que podem afetar diretamente o coração. A esse fenômeno dá-se hoje o nome de síndrome AVC-Coração.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”.
Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.
O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter. Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No seu blog você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.
Uma das pérolas do trabalho de Judy é distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam as oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.
E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.
E você? Você se considera ideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com sua saúde. Mas tenho que lhe dizer que no cenário global a humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. Quase metade da população e não estão incluídos aqui muitos diagnósticos psiquiátricos.
A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar usar perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso.
Neurodiversos somos todos nós, mas o movimento de conscientização, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações que pode gerar incapacidade. Hoje é comum incluir também sob o guarda-chuva da neurodiversidade o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Hoje percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo ao dizerem que são neurodiversos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
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Por muito tempo, o termo esclerosado era usado para se referir ao estado de uma pessoa portadora de demência. Hoje consideramos que boa parte das pessoas “esclerosadas” eram, na sua maioria, portadoras da Doença de Alzheimer (DA), mas existem outras causas de demência, como a frontotemporal que acometeu o ator Bruce Wyllis e a causada por doença cerebrovascular.
Nos estudos que foram feitos para testagem de novas medicações para a DA, sempre havia um contingente significativo de voluntários que não apresentava qualquer melhora após o início das drogas. Além disso, as pesquisas também mostravam que muitos desses voluntários não apresentavam os marcadores patológicos da doença quando eram submetidos a necropsias. Estudos recentes têm demonstrado que muitas dessas pessoas podem, na verdade, ser portadoras de uma outra forma de demência que recebeu o nome de LATE. LATE é a sigla recém-proposta por múltiplos centros de pesquisa para Limbic-predominant age-related TDP-43 encephalopathy. Limbic é o envolvimento preferencial da doença nos circuitos límbicos, semelhante à DA; Age related nos diz que é uma doença que ocorre em idosos, de forma mais gradual e numa idade até mais avançada que na DA; TDP-43 diz respeito ao acúmulo de proteínas com esse mesmo nome; Encephalopathy significa disfunção cerebral difusa.
Peter Nelson, primeiro autor da publicação, compara o trabalho desse consórcio de pesquisadores com a descoberta da eletricidade por Benjamin Franklin. O grupo publicou no periódico Brain em 2019 critérios patológicos para identificação de LATE à necropsia. Os estudos realizados até o momento mostram uma prevalência da patologia de LATE em necropsias que gira em torno de 20% dos indivíduos acima de 80 anos e, em muitos casos, a DA ocorre concomitantemente.
O que era uma entidade que só poderia ser diagnosticada pela necropsia, passa a ter a partir deste mês critérios diagnósticos clínicos, de neuroimagem e outros biomarcadores que permitem que o diagnóstico seja feito em vida. Este é o resultado do trabalho de pesquisadores da renomada Mayo Clinic, nos EUA, que cunharam a nova sigla LANS para uso na prática clínica – síndrome amnéstica neurodegenerativa de predomínio límbico e que tem o LATE como seu principal representante quando os critérios para LANS são fortes.
Os critérios clínicos são um grande avanço para o delineamento do prognóstico de pacientes idosos com quadros de amnésia, especialmente no momento em que terapias que retardam o avanço da DA já estão disponíveis e logo estarão chegando ao Brasil. Aqui estou me referindo aos anticorpos monoclonais. Os critérios ajudam a separar o que é LATE e o que é DA e vale lembrar que os anticorpos monoclonais teoricamente só trariam benefícios aos pacientes com esta última doença.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Chegamos aos 70 anos com o cérebro mais protegido contra declínio cognitivo quando temos um trabalho desafiador ao logo das décadas. Essa é conclusão de um estudo norueguês publicado recentemente pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia.
Após analisarem sete mil pessoas em 305 diferentes ocupações, os pesquisadores demonstraram que 42% dos que tinham um trabalho com baixa demanda cognitiva apresentaram déficit cognitivo após os 70 anos, comparados a 27% daqueles com trabalho de alta demanda. O ofício que trouxe o maior efeito protetor foi o de professor. Os resultados foram ajustados para outros fatores como sexo, nível educacional, renda e atividade física regular. Outro estudo, realizado com funcionários públicos ingleses, já havia apontado que trabalhos considerados passivos, com pouca autonomia e baixa demanda em dimensões psíquicas e sociais, estão associados a maior sedentarismo.
Mas isso não é tudo. Hirayama é o personagem do premiado filme “Dias Perfeitos”, ainda em cartaz nos cinemas, e nos mostra aquilo que as pesquisas dificilmente conseguirão detectar. Hirayama trabalha como limpador de banheiros públicos em Tóquio. Tem uma rotina de trabalho repetitiva, mas tem dois canais de conexão essenciais abertos que nos fazem enxergar a experiência humana em outras dimensões. O primeiro deles eu chamaria de amor à vida. Aqui incluo a empatia e a forte ligação com o mundo natural, seja em casa ou nos seus intervalos de almoço no trabalho. O segundo canal é o amor à arte. Sempre que tem uma oportunidade saca sua câmera fotográfica para registrar elementos do seu primeiro canal de conexão. A música o acompanha com suas fitas cassetes e, como todo filme do diretor Wim Wenders, a trilha é impecável. Chega em casa, deita-se no chão e liga sua luminária de luz fraca para ler William Faulkner. Difícil imaginar que Hirayama faça parte do grupo com maior chance de declínio cognitivo desse estudo que descrevemos anteriormente pelo fato de seu trabalho exigir pouca demanda cognitiva. Ele pode até ter traços obsessivos, mas eu diria uma obsessão do bem.
Dica de filme, mas também vai uma de livro. Faulkner já estava na mira após o relato de Gabriel Garcia Marques de que ele tenha sido o autor que mais o influenciou. O mesmo diz John Fosse, autor Norueguês, vencedor do último Prêmio Nobel de Literatura. Hirayama me inspirou a encarar “O Som e a Fúria” de Faulkner, uma sinfonia com todos os seus movimentos. O livro não é tão extenso, mas um livro difícil, talvez uma sinfonia de Mahler e não de Mozart, em que o leitor terá sua descomunal recompensa se não desistir antes de chegar ao final e ovacionar o maestro e sua orquestra.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Isso pode significar menor risco de demência

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira
Um dos maiores estudos populacionais sobre o impacto de fatores de risco no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e demência é o “Framingham Heart Study”, iniciado em 1948. Há alguns anos, resultados desse estudo americano, e também de outros da Inglaterra, Holanda e Suécia, chegaram a mostrar uma menor incidência de demência ao longo das últimas cinco décadas, provavelmente associada a um melhor controle de fatores de risco vasculares e melhora dos níveis educacionais e nutricionais dessas populações. Não é o caso do Brasil, onde os estudos evidenciam aumento na incidência e prevalência de demência. Como era de se esperar, o aumento dos índices de demência acompanham o aumento dos índices de diabetes, obesidade, sedentarismo e analfabetismo.
Uma pesquisa recém-publicada pelo JAMA Neurology (25 março), prestigiado periódico da Academia Americana de Medicina, aponta que o volume cerebral é maior entre as pessoas que nasceram na década de 1970 comparadas às nascidas nos anos 1930. Exames de ressonância magnética de mais de três mil indivíduos foram analisados e os que nasceram nos anos 1970 tinham um volume cerebral e superfície do córtex 6.6% e 15% maiores. Os cérebros eram de americanos participantes do estudo de Framingham. Aumento de volume cerebral e superfície cortical pode estar associado a menor risco de demência por promover uma maior reserva cerebral.
O psicólogo americano James Flynn descreveu no início da década de 1980 que testes de inteligência têm resultados com melhor desempenho de geração em geração, fenômeno conhecido por efeito Flynn. Nosso QI tem mais chance de ser maior que o dos nossos pais, enquanto o dos nossos filhos será maior que o nosso. Discute-se que os fatores mais implicados nesse incremento também são os educacionais, nutricionais e de melhor controle dos fatores de risco cardiovasculares. Para a população americana estudada originalmente por Flynn, seus resultados são concordantes com os cérebros de Framingham crescendo ao longo das décadas. Entretanto, o efeito Flynn também é demonstrado em países de baixa e média renda, o que abre uma brecha para interrogarmos o efeito civilizatório de maior acesso à informação no mundo conectado. Será que a desinformação e fake news nas redes sociais serão capazes de inverter essas tendências?
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
No final de fevereiro, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.
Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha. Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.
Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência. Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.
Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.
Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de uma onça. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.
E mais um: demência.
Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
A meia-idade é um período de relativa estabilidade, especialmente nos relacionamentos pessoais, mas algumas pessoas passam por uma grande insegurança emocional nessa fase da vida. A crise da meia idade existe e afeta no máximo um quarto dos quarentões e cinquentões. Ao tomarem consciência de que existem menos anos de vida pela frente, algumas pessoas passam a ter planos menos ousados. Outras passam a ter o comportamento inverso: começam a realizar tudo aquilo que gostariam de ter feito e não fizeram.
As estatísticas vão de 10 a 25%. A maioria daqueles que referem ter passado por uma crise nessa idade reconhece que eventos como a perda do emprego ou de um parente foi muito mais importante que a idade por si só. Nem todo mundo entra em depressão ou começa a abusar do álcool ou outras substâncias psicoativas.
Estudos populacionais nos mostram que, ao longo da vida, as pessoas sentem-se menos felizes nesta época da vida. Há um comportamento chamado de curva em formato de “U”. A base do “U” é o menor estado de felicidade na meia idade e as pontas do “U” representam a velhice e infância / adolescência. Por outro lado, quando se pergunta a idosos qual a idade que eles mais gostariam de viver novamente, eles respondem que é os quarenta e poucos anos. Fatores biológicos podem ter sua importância, mas os eventos que acontecem no decorrer da vida podem ser mais importantes.
Muitos percebem falhas cognitivas que não apresentavam antes e uma desconfiança de que seja o início de uma doença neurodegenerativa. A Doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência, não costuma acometer as pessoas antes dos 60 anos de idade. Existe o envelhecimento normal do cérebro, assim como o de qualquer órgão do corpo, mas algumas pessoas caem numa espiral psíquica negativa por não tolerarem pequenas mudanças. Na dúvida, converse com um médico.
As mulheres ainda passam pela transição para a menopausa, período em que as queixas cognitivas se acentuam, mas felizmente somente durante a transição. E as dificuldades no homem não devem ter como vilão um baixo nível de testosterona. A esmagadora maioria dos homens não apresenta hipogonadismo e, por isso, o termo andropausa é tão criticado pelos endocrinologistas.
O cérebro já é menor aos 40 anos quando comparado à adolescência, mas a experiência e sabedoria da maturidade contornam facilmente essas questões morfológicas. No ano de 2017, uma pesquisa publicada pelo periódico PLOS ONE, envolvendo mais de três mil voluntários com idades entre 16 e 44 anos, nos mostrou que aos 24 anos alcançamos nosso pico de desempenho cognitivo-motor. Apontou ainda que a maturidade traz algumas compensações. O desempenho dos voluntários, após milhares de horas num jogo de computador com a mesma lógica do xadrez, foi medido pela rapidez com que reagiram aos seus oponentes e pelas estratégias que usaram no desafio. Jogadores mais velhos, apesar de mais lentos, compensaram a desvantagem de velocidade com estratégias mais eficientes no jogo. Neste mesmo ano, Roger Federer, aos 35 anos, ganhou seu oitavo título de Wimbledon e foi o atleta mais velho a faturá-lo.
Quando se pensa em criatividade, a maturidade traz também suas compensações. Uma análise feita das carreiras de 31 ganhadores do Nobel de economia nos mostra que existem épocas na vida em que somos mais criativos. Nessa avaliação, foram encontradas duas ondas diferentes de criatividade, uma por volta dos vinte e poucos anos e outra entre os cinquenta e sessenta anos.
A primeira onda foi chamada de inovação de conceitos. É o pensar “fora da caixinha”, onde novas ideias põem em xeque o saber convencional. A segunda onda, chamada de inovação experimental, é a produção de conhecimento a partir do saber acumulado e nos traz formas inéditas de análise, interpretação e síntese. Os resultados são concordantes com estudos prévios que analisaram ondas de criatividade nas artes e em outras áreas da ciência. Pablo Picasso e Albert Einstein tiveram suas maiores criações na primeira onda, enquanto Paul Cézanne, Virginia Woolf e Charles Darwin brilharam mais na segunda onda. A Teoria da Relatividade foi publicada por Einstein aos 26 anos de idade e Darwin publicou a Teoria da Evolução aos 51 anos.
Um outro estudo, publicado pela Nature Human Behavior, nos mostra que com o envelhecimento temos realmente um declínio no desempenho da atenção e funções executivas, fato esse já bem demonstrado por inúmeros estudos. Entretanto, os pesquisadores apontaram também que algumas funções executivas e de atenção não apresentaram piora. Voluntários, até mesmo entre os 70 e 80 anos de idade, revelaram melhor desempenho que os mais jovens.
Nesse último estudo, o estado de alerta realmente foi menor entre os mais velhos. É a capacidade de estar pronto para frear o carro numa intersecção. Já nos testes de orientação espacial, definida como a capacidade de mudar o foco de atenção para um outro ponto do espaço, os velhos se saíram melhor. É a capacidade de perceber, por exemplo, um pedestre aguardando para atravessar na faixa. Já na capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa, os velhos também foram melhores. É a capacidade de não ficar prestando atenção nos passarinhos e reduzir o foco na direção.
Mas como explicar o melhor desempenho em um cérebro mais velho que já passou por inúmeras alterações estruturais e fisiológicas? A experiência ao longo dos anos é capaz de explicar esse fenômeno? Há um robusto corpo de evidências de mecanismos adaptativos para reduzir o impacto das perdas que acumulamos ao longo dos anos. Isso vai desde compensações no metabolismo cerebral, como ter o mesmo resultado com menos energia. Maior a experiência, menor ativação neuronal, menor gasto energético e maior eficiência.
Essa adaptação envolve também a reorganização de redes neurais ao longo das décadas. A reorganização conta até com o recrutamento de áreas do cérebro não tão envolvidas entre os jovens para uma dada tarefa, incluindo a participação maior de ambos os hemisférios, como é o caso da memória episódica. E não há dúvida de que a atividade física e estímulos cognitivos amplificam o impacto desses mecanismos adaptativos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
Essa combinação aumenta o risco de doenças cardiovasculares.

Ricardo Afonso Teixeira*
Um grande estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Michigan, nos EUA, mostrou que os sintomas vasomotores na menopausa, que incluem ondas de calor e suor noturno, são mais comuns entre as mulheres que apresentavam enxaqueca antes desse período. A pesquisa foi publicada no periódico Menopause esta semana após acompanhamento por décadas de mais de 1900 mulheres.
As mulheres que tinham a combinação de enxaqueca e sintomas vasomotores por vários anos apresentaram maior risco de doenças cardiovasculares, incluindo infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Este é um grupo de mulheres em que os esforços para redução de risco vascular devem ser ainda maiores. E a receita de prevenção vascular hoje é vista como tendo 8 alvos essenciais: controle cuidadoso do peso, pressão arterial, glicemia e gorduras no sangue, não fumar, dieta saudável, e aqui os peixes ricos em ômega-3 têm seu papel, atividade física regular e boa qualidade do sono.
Enxaqueca é uma condição cerebral, mas não é que os sintomas vasomotores na menopausa também parecem ter origem no sistema nervoso central? Pesquisadores da Universidade do Arizona, nos EUA, descobriram um grupo de células do hipotálamo, região do cérebro que faz a ponte com os sinais hormonais, que podem ser as responsáveis pelas desconfortáveis ondas de calor que boa parte das mulheres vivencia nos primeiros anos da menopausa.
Em um modelo de menopausa em camundongos, os pesquisadores mostraram que o efeito de dilatação dos vasos da pele era interrompido quando um grupo de células do hipotálamo, chamadas de KNDy, era inativado. Apesar de representarem uma pequena população de células do cérebro, elas têm grande importância no controle das fontes de energia do corpo, temperatura e reprodução. Com a baixa dos níveis do hormônio estradiol na menopausa, essas células ficam hiperfuncionantes e disparam o comando de vasodilatação, com a intenção não muito apropriada de provocar a perda de calor do organismo.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Os medicamentos da família do Viagra, inibidores da fosfodiesterase tipo 5, foram desenvolvidos como vasodilatadores para o tratamento da angina e hipertensão arterial e apresentaram um efeito colateral entre os homens que vocês já devem imaginar. Não tiveram sucesso na cardiologia, pois as medicações já existentes eram mais eficazes. Hoje são medicações aprovadas para o tratamento da hipertensão pulmonar e disfunção erétil.
Dois estudos publicados nos anos de 2021 e 2022 apontaram resultados controversos quanto ao efeito protetor desse grupo de medicamentos contra a Doença de Alzheimer. Um terceiro estudo, porém não definitivo, é publicado nesta quarta-feira pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, sugerindo que homens acima de 59 anos que receberam a prescrição dessas medicações tiveram menor chance de desenvolver o diagnóstico de Alzheimer após acompanhamento de cinco anos.
O estudo foi observacional e a metodologia não permite inferir uma relação de causa e efeito e, por isso, o estudo está longe de ser definitivo. Em camundongos, já tivemos evidências que essas drogas podem melhorar a memória e até reduzir um dos marcadores biológicos da Doença de Alzheimer. Teoricamente poderíamos esperar uma ação neuroprotetora do efeito de uma medicação que promova maior fluxo sanguíneo para o cérebro. Entretanto, as pesquisas que avaliaram esse efeito de incremento na perfusão cerebral também são contraditórias até o momento.
Futuros estudos deverão ser feitos nos moldes daqueles que vocês acompanharam na aprovação das vacinas contra a COVID-19 – estudos randomizados com número grande de participantes e inclusão das mulheres.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Aliria Rosa Piedrahita de Villegas é uma colombiana de Medelin que têm uma forte predisposição genética a desenvolver a Doença de Alzheimer, já que faz parte de uma família que carrega um gene que faz com que seus membros desenvolvam a doença entre os 40 e 50 anos de idade. Nada de pânico. Esta forma familiar corresponde a apenas 1% dos casos da doença.
Aliria, como ela mesma diz, tem um cérebro de ouro. Aos 70 anos de idade ainda não tinha queixas cognitivas. Foi identificado em 2019 que, além do gene responsável por essa forte predisposição genética à doença (PSEN-1), ela também apresenta duas cópias de uma variante rara do gene APOE, conhecida como mutação de Christchurch, cidade na Nova Zelândia onde se deu sua descoberta. A mutação de Christchurch poderia ser então um fator crítico para a proteção. Aliria e seus familiares têm sido estudados há décadas por pesquisadores de Harvard nos EUA. Através de exame PET, sabemos que seu cérebro apresenta um alto contingente de placas beta-amiloides e uma quantidade muito limitada de emaranhados neurofibrilares (proteína tau), ambos biomarcadores da Doença de Alzheimer. Então a possível proteção da mutação de Christchurch pode se dar pela redução dos depósitos desses emaranhados evitando assim a morte neuronal.
Uma pesquisa revolucionária foi publicada esta semana pela prestigiada revista Cell mostrando que camundongos geneticamente modificados para expressarem a variante de Christchurch apresentaram menores depósitos de proteína tau apesar de grandes quantidades de placas beta-amiloides. As células micróglia, que funcionam como um depósito de lixo do cérebro, ficaram muito mais eficientes em impedir o depósito intracelular de proteína tau. Foi dada a largada para a busca de tratamentos que mimetizem os efeitos da variante de Christchurch!
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Os hipocampos poderiam ser chamados como os principais centros da memória no cérebro, localizam-se nos lobos temporais, e a redução de seus tamanhos predizem o declínio cognitivo em idosos. A interpretação imediata para esse fato é de que a atrofia dessas estruturas seriam sinais precoces da Doença de Alzheimer. Essa interpretação está, na maioria das vezes, correta. Entretanto, uma pesquisa recém-publicada pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, mostra que o déficit cognitivo subsequente pode não estar associado exclusivamente à Doença de Alzheimer.
Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Harvard Medical School e de outros centros na Europa e Australia acompanharam idosos sem queixas cognitivas por uma década. Mediram de forma seriada as estruturas cerebrais pela ressonância magnética, assim como o contingente de acúmulo das proteínas tau e beta-amiloide através do exame PET (tomografia por emissão de pósitrons). Esses exames PET têm sido repetidamente apontados como preditores de declínio cognitivo na Doença de Alzheimer. Idosos sem queixas cognitivas, mas com PET anormal para ambas as proteínas, têm 50% de chance de apresentarem declínio cognitivo nos próximos 2 a 5 anos.
Os resultados do presente estudo mostraram que os idosos com menores volumes dos hipocampos tiveram maior chance de declínio cognitivo durante o período de seguimento. Isso já era esperado. O que chamou mais a atenção foi o achado de que essa associação é independente dos resultados dos exames de PET, sugerindo que outras doenças neurodegenerativas, não só a Doença de Alzheimer, podem ser responsáveis pelo declínio cognitivo.
Entre essas doenças degenerativas devemos nos lembrar de algumas bem menos comuns que o Alzheimer e que têm diagnóstico somente através de lâminas de patologia na necropsia, já que ainda não temos biomarcadores para detecção enquanto o indivíduo está vivo. Uma delas é a LATE (Limbic-predominant age-related TDP-43 encephalopathy), descrita em 2019. Limbic é o envolvimento preferencial da doença nos circuitos límbicos, semelhante ao Alzheimer; Age related nos diz que é uma doença que ocorre em idosos, de forma mais gradual e numa idade até mais avançada que no Alzheimer; TDP-43 diz respeito ao acúmulo de proteínas com esse mesmo nome; Encephalopathy significa disfunção cerebral difusa. PART foi descrita em 2014 e é um outro diagnóstico que pode se assemelhar clinicamente com a demência de Alzheimer. PART é o acrônimo para “Primary Age-Related Tauopathy”, condição em que o acúmulo de proteínas beta-amiloide não é expressivo.
Qual a importância disso tudo? Recentemente, três novas drogas para o Alzheimer (anticorpos monoclonais) mostraram efeitos na redução da velocidade do declínio cognitivo e redução no depósito de marcadores patológicos (placas beta-amiloides), resultados que já nos deixam enxergar uma luzinha no fim do túnel. Entretanto, os resultados clínicos foram muito modestos, e uma das explicações para isso é a de que outros diagnósticos foram incluídos nos estudos, além da Doença de Alzheimer. O desenvolvimento de marcadores para essas outras causas de demência que podem se confundir com o Alzheimer é urgente. Um marcador da proteína TDP-43 auxiliaria também no diagnóstico de metade dos pacientes com demência frontotemporal que apresenta depósitos dessa proteína e de 97% dos casos de esclerose lateral amiotrófica.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Nosso cérebro tem um mecanismo de alarme que acende a `luz vermelha` quando fazemos algo de perigoso, errado ou imoral. Contar uma mentira tem o poder de disparar esse alarme, também conhecido como amígdalas das regiões temporais. Em um estudo publicado pela prestigiada revista Nature Neuroscience tivemos a demonstração de como o cérebro colabora para o fenômeno “uma mentira leva a outra”.
Pesquisadores do University College of London estudaram através de ressonância magnética funcional os cérebros de 80 voluntários durante um jogo que eles tinham a possibilidade de mentir para aumentar as chances de ganhar o jogo.
Uma pequena mentira era capaz de estimular as amígdalas, e à medida que novas mentiras iam sendo contadas, as amígdalas iam ficando menos estimuladas, iam adormecendo. Com as amígdalas adormecidas, o cérebro ficaria mais encorajado a contatar mentiras mais robustas. E foi exatamente isso que os cientistas encontraram: à medida que eles iam mentindo, as amígdalas iam se apagando e as mentiras ficavam cada vez mais ousadas. Você deve estar aí imaginando que muitas personalidades do nosso noticiário diário devem ter as amídalas, não adormecidas, mas em coma.
E não é só de amígdalas adormecidas que a mentira vive. Regiões frontais do cérebro precisam estar intactas para que a mentira aconteça. Vejam só o caso dos portadores da Doença de Parkinson.
O Parkinson é muito conhecido pelos seus sintomas motores tais como o tremor e rigidez, mas o fato é que a doença vai muito além disso. Já é bem reconhecida a redução de funções cognitivas na evolução da doença e há quase um século já se descrevia que os parkinsonianos apresentavam uma personalidade peculiar e os estudos têm consistentemente demonstrado que há uma tendência a um maior grau de determinação, seriedade e inflexibilidade.
O processo de degeneração cerebral associado à doença é visto como um grande candidato para explicar esses traços de personalidade. A honestidade também é descrita como um traço peculiar da personalidade do parkinsoniano, descrita como uma tendência em não mentir. Nesse caso, o mais provável é que os doentes tenham dificuldade em mentir devido às alterações cerebrais e não porque sejam genuinamente mais honestos. E foi isso que pesquisadores japoneses conseguiram confirmar em um elegante estudo publicado no periódico especializado Brain.
Num teste psicológico experimental, indivíduos com o diagnóstico da Doença de Parkinson apresentaram mais dificuldade em dar respostas falsas quando comparados ao grupo controle sem a doença. Além disso, foi demonstrado que essa dificuldade em mentir foi maior entre os parkinsonianos que tinham menor metabolismo cerebral nas regiões pré-frontais, medido por tomografia por emissão de positrons (PET). Estudos anteriores já haviam demonstrado que essas mesmas regiões pré-frontais são ativadas quando um indivíduo saudável conta uma mentira. Essa foi a primeira vez que se demonstrou a base biológica da personalidade honesta dos portadores da Doença de Parkinson e que esta está associada à disfunção nas regiões frontais do cérebro.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília



