Ricardo Afonso Teixeira*

O JAMA Netw Open, periódico da Associação Médica Americana, publicou esta semana resultados de um estudo com voluntários com mais de 65 anos mostrando que muitos dizem que têm interesse em saber sob seus riscos de apresentar a Doença de Alzheimer, mas quase metade desses declinam. E não é por dar trabalho ou falta de recursos para realizar exames, pois eles já haviam sido feitos no decorrer de um longo projeto de pesquisa conduzido pela Universidade de Washington em Saint Louis. É não querer saber mesmo. E a principal razão apontada foi a de evitar a carga psicológica em saber sobre esse risco. Aqueles que tinham familiares com a doença tinham menos interesse em saber sobre os exames.

Pouco se estudou sobre o impacto psicológico sobre os resultados de biomarcadores da Doença de Alzheimer entre voluntários de estudos para a doença. Existem evidências ainda limitadas de que ter conhecimento dessa informação não traz repercussões psicológicas tão negativas. Um estudo pioneiro publicado ainda em 2009 pelo
The New England Journal of Medicine avaliou o estado psicológico entre saber ou não saber sobre um desses biomarcadores (genotipagem da apolipoproteína E). Não houve diferença entre os níveis de ansiedade, depressão e estresse psíquico entre os dois diferentes grupos – saber ou não saber. Entretanto, aqueles que receberam resultados de menor risco no teste apresentaram menor grau de estresse psicológico, e aqueles que receberam resultados de maior risco apresentaram maior estresse psicológico, mas por um período de tempo limitado.

Esses estudos são de extrema importância no momento em que medicações que mudam o curso natural da doença passarão a estar disponíveis e será fundamental que diagnósticos sejam feitos cada vez mais precocemente. Estaremos começando essa nova era no tratamento do Alzheimer com o Donanemab, um anticorpo monoclonal recentemente aprovado pela Anvisa e com resultados clínicos bem modestos e preços nada, nada modestos.

Por ora, esses exames não devem ser realizados na população geral, mas apenas em pacientes selecionados por médico especializado no assunto, pois um resultado sem a devida orientação e aconselhamento pode trazer prejuízos para o equilíbrio psíquico.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

A Scientific American, publicação do grupo editorial da Nature, nos trouxe este mês uma reflexão que compara o comportamento das atuais gigantes da mídia com a das companhias de tabaco no século passado. O artigo é assinado pelo cientista David Robert Grimes, um dos grandes nomes mundiais na luta contra a desinformação.

Desde a década de 1940 já tínhamos evidências da associação entre o tabagismo e câncer de pulmão e, ainda na década de 1950, as companhias de cigarro contrataram uma campanha publicitária poderosa para reforçar a ideia de dúvida. Criava assim na população geral uma opinião de que a associação entre cigarro e câncer era ainda controversa. Mark Zuckerberg da Meta usa a mesma estratégia da dúvida quando diz que não existem evidências científicas que mostrem um efeito danoso das redes sociais sobre a saúde mental, apesar de centenas de estudos mostrarem o contrário.

Zuckerberg anunciou este ano a interrupção da checagem de fatos, modelo já seguido pelo X, com a justificativa de que a checagem tinha um custo alto e por não respeitar a liberdade de expressão. Elon Musk do X se autointitula um defensor da liberdade de expressão absoluta e elenco aqui dois resultados dessa liberdade absoluta: incitação pelo Facebook ao genocídio em Mianmar em 1998 e um vídeo no Tik Tok que alcançou 1.8 milhão de views recomendando lavagem intestinal anual com água sanitária para a prevenção/tratamento de parasitose intestinal.  Há pouco tempo uma criança de oito anos morreu vítima de um desafio da internet que propunha inalação de desodorante.

Para que a desinformação cause danos, ela não precisa convencer. Só precisa gerar dúvidas. É o fenômeno da verdade ilusória, quando a exposição repetida de uma informação nos faz aceitá-la, mesmo que intelectualmente sabemos que se trata de uma ideia falsa. Um capítulo à parte são os riscos que informações sem qualquer tipo de regulação oferecem às democracias. Juristas, ex-ministros, artistas lançaram recentemente um manifesto que pede regras para as redes sociais. O manifesto diz “Se é crime no mundo físico, também deve ser crime no mundo virtual! Internet sem regulamentação mata!”. Aqui você tem o link para assinatura: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfm6UEfbjh-Hvltw5lICgTgW5mJfZmZ0MA2kYnr69A77dBl9g/viewform?pli=1

*Ricardo Afonso Teixeira é Doutor em Neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

A definição de síndrome metabólica é um quadro de pelo menos três desses fatores: obesidade, hipertensão arterial, diabetes, aumento da taxa de triglicérides e redução do colesterol bom (HDL). A Academia Americana de Neurologia publica hoje no seu periódico Neurology um estudo que mostra um risco aumentado de demência entre os portadores desta síndrome. O risco teve um padrão cumulativo, ou seja, maior quanto mais critérios da síndrome estavam presentes, com um aumento na chance de desenvolver demência em 70% quando todos os critérios estavam presentes.

A idade dos participantes do estudo merece uma atenção especial. Os indivíduos faziam parte de uma amostra de duas mil pessoas que realizaram um check-up na Coreia do Sul com idades entre 40 e 60 anos em que 25% apresentavam síndrome metabólica. O acompanhamento médio desses indivíduos foi de oito anos e a identificação dos quadros de demência ocorreu antes dos 65 anos, em idades precoces quando comparados à maioria dos diagnósticos de demência. Os resultados mostraram que quanto mais precoce o diagnóstico de síndrome metabólica maior o risco de demência.

Nesse estudo, o subgrupo de pacientes com síndrome metabólica, mas sem obesidade, tinham um risco menor de demência do que aqueles com obesidade. Entretanto, o impacto negativo da obesidade sobre o cérebro já é bem reconhecido, tanto no que diz respeito a habilidades cognitivas, como na morfologia e conectividade funcional. Uma pesquisa longitudinal publicada em março deste ano pela prestigiada revista Nature Mental Health mostrou que essa influência no cérebro é dependente da duração e severidade da obesidade.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Pesquisadores da Universidade de São Paulo publicaram nesta quarta-feira na Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, um estudo apontando que o cérebro fica mais suscetível a lesões cerebrais com o consumo de mais de oito doses de álcool por semana. Foram estudados 1781 indivíduos com média de idade de 75 anos e que foram submetidos a necropsia após morte de causa não traumática. O consumo de álcool nos últimos três meses de vida foi caracterizado através de questionário com familiares e separado em quatro grupos: abstêmios, consumo moderado (até sete doses por semana), consumo alto (oito ou mais doses por semana), consumo anterior alto (com pelo menos três meses de abstenção antes da morte).

Os resultados mostraram que indivíduos com história de alto consumo, oito ou mais doses por semana, apresentam maior contingente de placas neurofibrilares, consideradas biomarcadores da Doença de Alzheimer. Por outro lado, mesmo aqueles que tinham consumo moderado (até sete doses por semana), apresentavam mais lesões vasculares quando comparados aos abstêmios. Aqui estamos nos referindo a lesões secundárias ao espessamento e enrijecimento das pequenas artérias cerebrais (arterioloesclerose hialina). Uma dose de álcool correspondia a 14 g de álcool, 350ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de bebida destilada.

Temos acompanhado nos últimos anos uma série de estudos que demonstra que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, incluindo o infarto do coração e o derrame cerebral. Além disso, é reconhecido que a relação entre álcool e doenças cardiovasculares tem um comportamento estatístico conhecido como curva J. Quanto mais alta a posição na curva J, maior o risco. Isso significa que a ausência de consumo de álcool, que está na ponta inferior do J, está associada a um risco maior de doenças cardiovasculares do que o consumo moderado que se encontra na “barriga” do J. Por outro lado, o consumo exagerado de álcool, que se encontra na ponta superior do J, reflete um maior risco de doenças cardiovasculares.

Alguns estudos epidemiológicos têm demonstrado que o álcool também tem um comportamento semelhante à curva J quando o assunto é declínio das capacidades cognitivas com o envelhecimento, sendo que o consumo moderado está associado a um menor risco de demência, e o consumo excessivo a um maior risco (ponta superior do J). Outras pesquisas não conseguem mostrar vantagem no baixo consumo sobre a abstenção.

Os resultados da presente pesquisa estão em linha com a corrente de pensamento de que o álcool em doses moderadas não protege o cérebro do ponto de vista neuropatológico e nem mesmo clínico. Um estudo de 2022 publicado pela Nature Communications, aponta que o consumo moderado de álcool está associado à redução do volume cerebral ao longo dos anos, fato que pode ter repercussão no desempenho cognitivo. Entretanto, existem também evidências de efeitos benéficos desse uso moderado (curva J) e atualmente essa discrepância de resultados é explicada por fatores confundidores presentes entre aqueles que consomem pouco álcool, como estilo de vida mais saudável, maior socialização e poder socioeconômico.

*Ricardo Afonso Teixeira é Doutor em Neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília


Ricardo Afonso Teixeira*

Pesquisa liderada pela Universidade de Viena e recém-publicada na Nature Communications mostra que voluntários sentem alívio de dor aguda ao serem expostos a vídeos de imagens da natureza. Imagens de ressonância magnética funcional apontaram que regiões do cérebro associadas ao processamento de dor eram menos ativadas, quando se comparou à exposição com outros tipos de vídeo, como o interior de uma casa ou cenas urbanas. Imagens da natureza se mostrando um potencial coadjuvante no tratamento da dor.

Há 40 anos, Ulrich publicou na Science a melhor evolução no pós-operatório de pacientes que tinham uma janela com visão de árvores comparado àqueles que só tinham uma parede de tijolos. Melhor evolução neste caso significa menor uso de analgésicos e alta mais precoce. Já visitei uma UTI na Alemanha em que os pacientes internados tinham a visão de um amplo jardim à frente dos leitos.

Ah! O exercício físico pode ser mais fácil quando a atividade física é feita na natureza, com mais vigor e menor percepção do esforço demandado. Mesmo que a natureza esteja presente de forme virtual no exercício, ela também favorece a regulação da pressão arterial. É o que se chama de Exercício Verde.

Alguns países como a Finlândia, Japão e Coréia do Sul têm programas de “banhos de floresta” como forma de promoção da saúde. São muitos os benefícios já demonstrados com essas pílulas de natureza. Além da promoção do equilíbrio psíquico, temos ganhos na atenção, memória, linguagem e até na capacidade criativa. Também temos menores índices de doença cardiovascular, obesidade, diabetes, hospitalização por crises de asma e, finalmente, menor mortalidade.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Hoje podemos dizer que 50% das chances de desenvolvermos a Doença de Alzheimer estão associadas a fatores genéticos e outros 50% a fatores ambientais. Entre os fatores ambientais, os vírus neurotópicos (i.e.,Herpesvírus) sempre foram considerados potencias agentes etiológicos, mas nunca antes tivemos uma evidência tão robusta dessa associação como a pesquisa publicada esta semana pela revista Nature.

Em 2013, um programa de vacinação no país de Gales no Reino Unido, por limitação na quantidade de doses, ofereceu vacinação para Herpes zoster para indivíduos com 79 anos de idade, no ano seguinte àqueles um ano mais jovens e assim por diante. O programa acabou sendo um experimento natural ímpar, pois permitiu a comparação com os indivíduos de 80 anos que não tiveram acesso à vacinação, apenas poucos dias, semanas, meses mais velhos. Isso foi muito próximo ao modelo de pesquisa padrão ouro para inferência de uma relação causa e efeito, os famosos estudos randomizados duplo-cegos.    

Os idosos que receberam vacinação para o vírus Herpes zoster apresentaram uma redução de 20% no risco de apresentar um diagnóstico de demência em um período de sete anos. Os efeitos foram ainda mais significativos entre as mulheres.

Um corpo bem razoável de evidências laboratoriais e estudos clínicos com metodologia mais frágil mostra associação entre infecções virais, incluindo Herpes zoster, e o desenvolvimento de demência. A vacinação no presente estudo pode ter promovido uma melhora do estado imunológico geral, reduzindo o risco de demência, mas pode ter reduzido o componente inflamatório do cérebro ao inibir a reativação do vírus. Herpes zoster é o mesmo vírus da catapora que fica quiescente no nosso sistema nervoso, até que em idades mais avançadas eles podem ser reativados.

Planeja-se agora um estudo randomizado para testar os resultados em outras populações. A vacina usada no estudo foi a de vírus atenuado (Zostavax®) que vem sendo substituída pela de vírus inativado (Shingrix®). Ambos os tipos deverão ser testados.   

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília   

Ricardo Afonso Teixeira*

Esta é uma receita bem comum na vida de casais que dividem o mesmo teto: homem trabalha o dia inteiro e leva dinheiro para casa, mulher trabalha o dia inteiro e leva dinheiro para casa, ele leva os filhos na escola e ela os busca. E o resto das atividades ligadas ao funcionamento de uma casa e de uma família? Não estamos falando de lavar, passar, cozinhar, fazer faxina, mas sim do trabalho cognitivo de gerenciamento de uma casa.

Existem escalas validadas para avaliar esse trabalho cognitivo doméstico, denominado “mental load” em inglês (carga mental, em tradução livre). Abaixo temos uma delas que divide esse trabalho em sete diferentes categorias. Veja só o quanto você está contribuindo:

1. Limpeza

1.a. Monitorar o momento que lençóis e toalhas precisam ser lavados

1.b. Dispensar roupas dos filhos que não servem mais

1.c. Supervisionar quando a casa precisa ser arrumada

2. Agendamento

2.a. Acompanhar a agenda familiar, como datas de vacinação dos filhos

2.b. Organizar um evento familiar, como o aniversário de um filho

2.c. Lembrar de marcar compromissos, como dentista

3. Assistência aos filhos

3.a. Buscar opções para itens que precisam ser comprados, como novos itens de material escolar, uniforme e calçados

3.b. Decidir por um profissional provedor de cuidados aos filhos (e.g., babá, creche, colônia de férias)

3.c. Supervisionar quando o filho precisa cortar as unhas

4. Manutenção

4.a. Anunciar, por exemplo, quando uma torneira ou a lavadora de roupas precisa de conserto

4.b. Agendar profissional para reparos em casa ou no carro

4.c. Lembrar de manutenção preventiva na casa ou no carro

5. Finanças

5.a. Pesquisar sobre produtos financeiros, como contas bancárias ou seguros

5.b. Decidir como investir o dinheiro

5.c. Monitorar os gastos domésticos mensais  

6. Relações sociais

6.a. Buscar opções de socialização para as crianças (e.g., esportes, clubes)

6.b. Acompanhar datas de eventos esportivos e culturais

6.c. Marcar reuniões com família e amigos

7. Alimentação

7.a. Monitorar quais mantimentos precisam ser repostos

7.b. Decidir a refeição do dia

7.c. Verificar data de validade de alimentos e quais devem ser jogados fora

Os homens têm uma maior tendência em superestimar sua colaboração nesse trabalho invisível do que as mulheres. Eles têm melhorado um pouquinho no que diz respeito a trabalhos domésticos físicos, como limpeza e cuidado com os filhos, e assim como na distribuição do trabalho cognitivo, ambos ainda são bem assimétricos, recaindo mais sobre os ombros das mulheres, mesmo em casais que se julgam igualitários nesse aspecto.

Um estudo recente liderado por pesquisadores das Universidades de Bath e Melbourne (Inglaterra e Australia) mostrou que, entre americanos, 71% dessa carga mental fica com as mulheres e 45% com os homens. Elas tinham o encargo de atividades diárias duas vezes maior que os homens, enquanto eles se dedicavam mais a tarefas episódicas, como cortar a grama, por exemplo. A pesquisa foi publicada pelo Journal of Marriage and Family.  

Assisti a uma entrevista com a apresentadora Fernanda Lima em que ela respondia sobre o exemplo de homem que é o seu companheiro Rodrigo Hilbert, homão da porr@, que faz muitas coisas que um homem não costuma fazer. Ela diz que ele faz mesmo e é o que o homem deveria fazer sem precisar fazer alarde, já que são milhões e milhões de mulheres que fazem o que culturamente é esperado dos homens e não são chamadas de mulherões da porr@.  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília    

Ricardo Afonso Teixeira*

Pesquisa liderada pela Universidade da California do Sul demonstra que idosos que apresentam dificuldade cognitiva apresentam uma menor eficiência dos pequenos vasos cerebrais nas regiões temporais. Esses achados foram encontrados em idosos com ou sem depósitos de proteínas associadas a doenças neurodegenerativas como a Doença de Alzheimer, sugerindo que alterações da microcirculação podem representar um biomarcador precoce de declínio cognitivo nessa faixa etária. Os resultados foram publicados este ano no periódico Neurology da Academia Americana de Neurologia.

Nossos vasos sanguíneos devem ser vistos como órgãos tão inteligentes e complexos como o fígado ou o coração, por exemplo. Quando nos levantamos, quando fazemos força, quando ficamos sem respirar por alguns instantes, todas essas situações exigem com que os vasos sanguíneos do cérebro adaptem seus calibres para manter sempre a mesma pressão do sangue que entra no cérebro. Se este controle falhar, alterações rápidas e transitórias do estado de consciência podem acontecer.  As pequenas artérias do cérebro, também chamadas de arteríolas, são as maiores responsáveis por esse controle. O ato de pensar também exige uma vassorreatividade afinada.

No presente estudo, a eficiência dessa microcirculação foi testada com um teste de vasorreatividade após breves períodos de apneia. Quando prendemos a respiração, aumentamos o teor de gás carbônico no sangue o que leva a dilatação dos pequenos vasos cerebrais. É um mecanismo de autorregulação que, quando afetado, aumenta o risco de doença cerebrovascular e demência.

Tratamentos que visam aumentar a vasorreatividade cerebral nos lobos temporais, principais centros da memória, podem ser ferramentas poderosas no combate de condições como a Doença de Alzheimer. Enquanto não temos medicamentos específicos para alcançar esse alvo, devemos juntar todas as forças para evitar situações que sabidamente podem afetar essa autorregulação cerebral e aqui estamos falando de tratar com rigor problemas como a hipertensão arterial, diabetes e colesterol alto, além de evitar o sedentarismo. Tabagismo nem em pensamento.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

 

Ricardo Afonso Teixeira*

O derrame cerebral, principal causa de morte em nosso país, é mais comum entre os idosos, mas tem ocorrido cada vez mais precocemente. Estudos apontam que os jovens chegam a representar uma fatia de quase 20% de todos os casos.   

As mulheres têm alguns fatores de risco que os homens não têm e outros que elas apresentam de forma bem mais frequente.  

Pílula anticoncepcional.

O tempo de exposição ao estrogênio pode ser estimado em uma mulher antes da menopausa pelo tempo entre a primeira menstruação e a menopausa adicionado ao tempo em que usou estrogênio como anticoncepcional. Uma pergunta muito comum no consultório neurológico é se o tempo prolongado do uso de anticoncepcionais pode aumentar o risco de derrame cerebral e uma grande pesquisa publicada em 2023 mostrou que maior exposição de estrogênio antes da menopausa, na verdade, reduz esse risco.

O estudo envolveu mais de 120 mil mulheres já na menopausa com acompanhamento por nove anos em média. Tanto o tempo de fertilidade, da primeira menstruação à menopausa, como o tempo de uso de estrogênio como pílula anticoncepcional, conferiram proteção contra a ocorrência de derrame cerebral.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que o estrogênio tem um certo grau de proteção vascular no coração e no cérebro por suas propriedades vasodilatadoras, antioxidantes e de regulação no metabolismo do colesterol e glicose. Quando se pensa em reposição de estrogênio após a menopausa, essa proteção ocorre com o uso até os 60 anos de idade ou dentro de um período de dez anos após a menopausa. Após esse tempo, a resposta é indiferente ou o risco pode até aumentar.   

Gravidez.  O terceiro trimestre da gravidez e o puerpério são períodos em que a mulher tem mais chance de apresentar eventos vasculares, incluindo o derrame cerebral. As mudanças hormonais, na circulação e coagulação sanguínea podem responder por esse maior risco.

Enxaqueca com aura. Vale lembrar que as mulheres têm três vezes mais enxaqueca que os homens. Cerca de 25% das pessoas que sofrem de enxaqueca também apresentam sintomas que precedem as crises de dor de cabeça como por exemplo flashes visuais e formigamento de um lado do corpo. A esses sintomas dá-se o nome de aura e há inúmeras evidências de que a enxaqueca com aura aumenta a chance de derrame e o risco é ainda maior quando outros fatores de risco estão presentes.

A relação entre a enxaqueca e o derrame cerebral envolve uma complexa interação de particularidades do cérebro, vasos sanguíneos, coagulação, e até mesmo do coração de que tem enxaqueca.  Os derrames costumam ocorrer mais nas regiões posteriores do cérebro e naqueles com crises mais frequentes. O risco é ainda maior quando existem outros fatores como uso de pílula anticoncepcional, dislipidemia, hipertensão arterial e obesidade e tabagismo. Mulheres com enxaqueca com aura devem evitar as pílulas anticoncepcionais que contêm o hormônio estradiol.

No caso do tabagismo, ele está associado ao derrame cerebral mesmo entre os jovens. Uma pesquisa acaba de ser publicada pela Neurology, periódico da Academia Americana de Neurologia, demonstrando que o risco de derrame cerebral é 2 a 5 vezes maior entre fumantes entre 18 e 49 anos de idade. É claro que esse risco é ainda maior quando o indivíduo tem enxaqueca com aura.  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília


Ricardo Afonso Teixeira*

O que é felicidade? Desde a Antiguidade, colecionamos incontáveis definições, mas uma que pode nortear bem nossa conversa é a seguinte: as pessoas são mais felizes quando têm um dia a dia com predomínio de emoções positivas e também estão satisfeitas com o curso da própria vida.

Pesquisas realizadas com gêmeos têm demonstrado que existe sim um componente genético da felicidade. Cada um tem um nível básico de felicidade, maior em alguns, menor em outros. Essa influência genética pode ser comparada à tendência que algumas pessoas têm em estar sempre com o peso corporal em dia, independente dos altos e baixos da vida.

Esse perfil genético pode corresponder a 50% do grau de felicidade de uma pessoa, outros 10% têm a ver com as circunstâncias da vida (ex: inserção profissional e estado de saúde), e ainda temos uma margem de 40% daquilo que podemos exercitar para termos percepção que estamos mais felizes.

Atividade física faz bem ao corpo e à mente e hoje as pessoas falam com muita naturalidade sobre força, resistência, exercícios para as pernas, braços, abdome, etc. Existe outro tipo de treino que realmente incrementa nosso estado de felicidade de forma mais sustentada. Outras atividades, como se fosse um programa fitness de felicidade. E isso funciona num círculo virtuoso: quanto maior a regularidade dos exercícios, maior a percepção de felicidade e quanto maior o estado de felicidade, maior a disposição para os exercícios.

E qual é a melhor série de exercícios, qual o melhor treino? Boas doses de Otimismo, Altruísmo e Gratidão são reconhecidas como caminhos dos mais férteis para estimular esse estado de felicidade. Além disso, para seguirmos a vida satisfeitos com seu curso, precisamos navegar. O filósofo Sêneca nos deixou o famoso pensamento: “Para aqueles que não sabem para que porto vão, nenhum vento é bom”.

Além do bem estar psicológico, o estado de felicidade traz outros benefícios não só ao indivíduo, mas à sua família, comunidade e à sociedade de forma mais ampla. Pessoas mais felizes têm melhor desempenho profissional e melhores oportunidades, têm mais sucesso nas relações interpessoais, mais energia e saúde, o que inclui um melhor perfil imunológico, menor nível de estresse e maior longevidade. Pessoas mais felizes são mais criativas, autoconfiantes, altruístas e generosas, têm o hábito de praticar atividade física e são mais espiritualizadas. Não é pouca coisa, hein?

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília


Ricardo Afonso Teixeira*

No ano de 2021 o presidente da Coalisão Mundial de Saúde Mental rejeitou a orientação da Associação Americana de Psiquiatria ao dar um diagnóstico psiquiátrico a uma pessoa pública, no caso, Donald Trump, sem examiná-lo pessoalmente. A Coalizão se valeu da Declaração de Genebra que defende que médicos podem se expressar quando frente a governos destrutivos, Declaração criada após a experiência do Nazismo.

De acordo com a Coalisão, o fenômeno Trump e seus seguidores estão embasados em um narcisismo simbiótico e uma psicose compartilhada. Por narcisismo simbiótico devemos entender que um líder, faminto por adulação para compensar sua baixa autoestima, projeta uma onipotência grandiosa, enquanto seus seguidores, carentes pelo estresse social e econômico, buscam ansiosamente por uma figura parental. Quando esses indivíduos assumem posições de poder, eles elicitam a mesma patologia numa parte da população com encaixe perfeito, como uma chave feita para aquela fechadura. Quanto à psicose compartilhada, eles a chamam também de folie à million. Folie à deux (loucura a dois) é um fenômeno descrito na psiquiatria desde o século XVII e refere-se a sintomas delirantes compartilhados por duas pessoas geralmente da mesma família ou próximas. A folie à deux também é chamada de transtorno psicótico induzido, e folie à million, socorro! Quando um indivíduo muito sintomático é colocado em posição de poder e influência, seus sintomas podem se propagar à população por meio de ligações emocionais, amplificando patologias pré-existentes e afetando até indivíduos previamente saudáveis. E o fator delirante provavelmente é mais forte do que um cálculo estratégico, pois ele se dissemina mais facilmente.

É importante salientar que os indivíduos com transtornos mentais como um grupo não são mais perigosos que a população geral, mas quando o transtorno mental vem acompanhado de componentes destrutivos, esses indivíduos são mais perigosos sim. E de onde vem esse elemento destrutivo? Simplificando, se uma pessoa não recebe amor, ela busca respeito. Se ela não tem o respeito, ela realiza ameaças.

Uma pergunta comum que é feita desde o início dessa discussão é se Trump tem algum transtorno mental ou é apenas mau, ou os dois. Para quem quiser se aprofundar nessa discussão, vale a leitura do livro “The Dangerous Case of Donald Trump” (O perigoso caso de Donald Trump, em tradução livre), um bestseller do New York Times publicado em 2017.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Criar marcos temporais é um costume que costuma ajudar na execução de projetos. O acesso no google da palavra dieta é maior na época das festas de fim de ano, às segundas-feiras e no começo do mês. Um estudo mostrou que universitários frequentam mais uma academia de ginástica no começo da semana, começo do mês e no dia seguinte ao aniversário. Esses marcos temporais podem promover a sensação de estar começando do zero, com mais motivação e menos culpa. Pesquisadores usam para isso o termo na língua inglesa de “fresh start effect”.

Uma boa maneira de aumentarmos nossas chances de alcançar nossas metas é enxergar mais claramente o contraste entre as nossas expectativas e a atual realidade, o quanto realmente avançamos na direção de nosso objetivo. Fumantes têm mais chance largar o cigarro quando escrevem as metas lado a lado com os aspectos negativos da situação presente.

Aqui vão outras sugestões para que as intenções não fiquem congeladas no tempo ou andem para trás.

– Todo revés no percurso de seu objetivo deve ser visto como ensinamentos de como chegar lá;

– Encare esse percurso como uma aventura. Ela certamente terá altos e baixos;

– Reexamine periodicamente suas ações e pergunte-se o que você deveria ter feito de outro jeito;

– Convença-se que a persistência é uma escolha e não um traço de personalidade, não um presente de Deus;

– O que separa os “winners” dos “losers” (vencedores e perdedores) não é tanto a persistência. Ambos tentam o mesmo número de vezes para alcançar o objetivo, só que os “winners” chegam lá. Para esses vencedores, os fracassos servem de guias para o aperfeiçoamento para a próxima jogada. Não agem com impulsividade diante de uma batalha perdida. Estão pensando em vencer a guerra. Os “losers” não necessariamente trabalham menos, mas fazem mudanças de táticas além do necessário. Outro ponto que aumenta a chance de sucesso é a rapidez com que novas tentativas, se necessárias, acontecem. Quanto mais rapidamente você perceber o fracasso e se organizar para uma próxima investida, melhor;  

– Não deixe de buscar a visão dos outros;

– Se ficar frustrado com um tropeço, isso é um sinal de que você se importa com o projeto e deixa claro que você deve continuar. Zero de frustração com um resultado negativo significa que aquilo nem é tão importante para sua vida;

– Reduza os níveis de estresse de uma forma geral. As emoções não ficam muito afinadas com altos níveis de estresse. Para suportar as pequenas frustrações as emoções têm que estar equilibradas.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Mais da metade das mulheres apresentam queixas de memória na fase de transição para a menopausa e temos algumas evidências de que, nessa fase da vida, elas realmente apresentam uma menor velocidade de processamento cognitivo e menor desempenho da memória verbal. Esse fenômeno também é conhecido por névoa cerebral (“brain fog”), a mesma expressão usada para as dificuldades que podem ser encontradas na COVID longa.

Uma forma de explicar esse menor desempenho na transição da menopausa é que a redução e flutuação dos níveis do hormônio estrogênio podem dificultar o pleno funcionamento cerebral. Já foi bem demonstrado que algumas áreas cerebrais são ricas em receptores de estrogênio, regiões que são fortemente vinculadas à memória, como é o caso do hipocampo e o córtex pré-frontal. Além disso, estudos experimentais revelam que o estrogênio é capaz de elevar os níveis de neurotransmissores e também promovem o crescimento neuronal e formação de conexão entre os neurônios.

As mulheres que recebem reposição hormonal antes do término da menstruação são beneficiadas do ponto de vista cognitivo, o que não acontece com aquelas que começam esse tipo de tratamento após o término da menstruação. Essa é mais uma evidência de que a reposição hormonal deve ser utilizada pelo menor tempo necessário. Temos até evidências que o uso prolongado desse tipo de tratamento pode levar à perda do volume de substância cinzenta do cérebro e declínio cognitivo.

Uma recente pesquisa aponta também que, quanto mais tarde se dá o início da menopausa, melhores são os indicadores cognitivos e o uso de reposição hormonal não teve qualquer influência. Esses resultados não foram válidos para os casos de menopausa cirúrgica, condição em que as mulheres têm os ovários removidos cirurgicamente. Em 2020, a revista Menopause da Sociedade Americana de Menopausa mostrou que durante as ondas de calor, que afetam um terço das mulheres de forma severa na transição da menopausa e em 30% daquelas na fase pós-menopausa,  o desempenho cognitivo ainda é mais prejudicado. O aumento dos níveis do hormônio cortisol, elevados durante as ondas de calor, pode contribuir para esse efeito negativo na cognição. Isto abre uma oportunidade em que o tratamento das ondas de calor possa ser uma forma de incremento cognitivo nessas mulheres.

E no período pós-menopausa? Dois estudos são considerados referência na comparação entre o desempenho pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa. O primeiro é o americano SWAN de 2009 que sugeriu que a limitação cognitiva era restrita a alguns anos no período de transição para a menopausa e depois as mulheres voltavam a apresentar o mesmo desempenho que tinham anteriormente. Em 2018, um estudo inglês (Kuh e cols.) revelou que as dificuldades cognitivas não são transitórias, mas persistem por vários anos, em concordância com outros trabalhos menos robustos. Entretanto, várias pesquisas também mostram que o perfil cognitivo na perimenopausa é pior que na pós-menopausa e há evidências de uma adaptação cerebral aos baixos níveis de estradiol – Mosconi e cols. (2021). Resumindo, muitas mulheres passam pela transição com dificuldades e depois se recuperam e essa chance pode ser maior se preservarem a rotina de estímulos cognitivos, atividade física, socialização, sono de qualidade e, acima de tudo, se cuidarem do equilíbrio mental.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília 

Ricardo Afonso Teixeira*

O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”. 

Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese, ainda na graduação, na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas, com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista, chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.

O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter.  Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No blog de Judy você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.

Uma das pérolas do seu trabalho é a distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam suas oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.

E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.

E você? Você se considera um neuroideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com a saúde. Mas tenho que lhe dizer que grande parte da humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. E esse sistema é o que faz nossa relação com o ambiente e isso envolve a relação com os outros.

A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar o uso de perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso.  Muitos sofrem de algum grau de marginalização por falta de compreensão plena das suas diferenças pela sociedade. 

O movimento de conscientização da neurodiversidade, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações. Esse é o desejo expresso de Judy na sua obra seminal. Hoje são comumente incluídos sob esse guarda-chuva, além do autismo, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo e dizem sem timidez que são neurodiversos.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Reposição hormonal no climatério com medicamentos orais são menos seguros que os transdérmicos

Ricardo Afonso Teixeira*

Reposição hormonal combinada por administração oral (estrogênio + progesterona), assim como o hormônio sintético tibolona, está associada a um maior risco de eventos vasculares. Tibolona aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC) e infarto agudo do miocárdio (IAM) com estimativa de uma a cada mil mulheres. Terapia combinada está associada a maior chance de IAM e tromboembolismo venoso estimada em 7 a cada mil mulheres. Por outro lado, as terapias de reposição transdérmicas não aumentaram a incidência de eventos vasculares.

Essas foram as conclusões de uma pesquisa da Universidade de Uppsala na Suécia que envolveu um milhão de mulheres na menopausa em uso de diversas formas de reposição hormonal. A apresentação transdérmica evita que o hormônio tenha uma primeira passagem pelo fígado. No caso da administração oral, essa passagem pelo fígado promove a produção de fatores de coagulação que aumentam o risco de trombose.

A tibolona não é aprovada nos Estados Unidos e, após esses resultados, Åsa Johansson, líder dos pesquisadores do presente estudo, declara esperar que o medicamento também saia do mercado Europeu. O estudo foi publicado na última semana pelo prestigiado British Medical Journal.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

A mulher nasce com cerca de dois milhões de óvulos, no início da puberdade são 400 mil, e apenas uma pequena parte é usada nas ovulações ao longo da vida adulta. A maior parte dos óvulos degenera-se com o tempo e quando os remanescentes passam a ser insuficientes para produzir estrogênio suficiente para manter ativo o sistema ovário-cérebro (ovário-hipófise-hipotálamo) a mulher não mais menstrua. Diferente das mulheres, a grande maioria das fêmeas no mundo animal continua fértil até o fim da vida e não sabe o que é menopausa. Duas exceções conhecidas são algumas espécies de baleias e elefantes.

Elegantes linhas de pesquisa têm compreendido a menopausa nas mulheres como uma vantagem evolutiva, ou seja, ela aumentaria as chances da espécie em gerar descendentes, perpetuando assim seus genes. A menopausa serviria como um fator de proteção tanto para as mães como para os filhos. Mas de que maneira?

As mulheres contemporâneas vivem uma condição muito recente na sua história evolutiva que é o grande número de ciclos ovulatórios ao longo da vida, pois começam a ter seus filhos tardiamente, e poucos filhos. Essa frequência maior de ovulações faz com que a mulher seja muito mais exposta às elevações periódicas de estrogênio, o que já sabemos que aumenta o risco de doenças como o câncer de mama. A menopausa pode ser vista como uma resposta adaptativa evitando que a mulher chegue aos 80 anos de idade com o mesmo nível de exposição ao estrogênio.

Outra vantagem de as mulheres não continuarem férteis em idades mais avançadas é a de que assim os filhos poderão contar com suas mães vivas nos seus primeiros anos de vida, e pesquisas nos confirmam que isso aumenta a chance de uma criança chegar à idade adulta. Além disso, os óvulos de mulheres mais maduras têm mais chances de serem defeituosos, e caso fossem fertilizados, haveria maior risco de gerar anormalidades cromossômicas e recém-nascidos de baixo peso ou prematuros.

Por essas e outras razões a natureza foi sábia em fazer com que as mulheres a partir de certa idade fossem mais úteis à perpetuação da espécie ao investir energia para a sobrevivência de filhos que não precisassem gerar: seus próprios netos. Esse conceito é bem conhecido pela ciência como “Hipótese Avó”, onde a avó colabora não só com conhecimento, mas também colocando a mão na massa, aumentando a chance de seus netos sobreviverem. Em contraste, na maior parte das espécies animais, o mais comum é que os filhos em idades pré-reprodutivas colaborem com as mães aumentando o sucesso de geração de novos irmãozinhos. Além de suporte aos netos, a “Hipótese Avó” contempla também a menopausa como fator que evita a competição reprodutiva entre gerações na espécie humana.

Um dos estudos mais importantes sobre esse tema foi publicado na respeitada revista científica Nature no ano de 2004. Os pesquisadores avaliaram dados históricos demográficos de populações canadenses e finlandesas do século XIX e evidenciaram que tanto mulheres como homens que tinham mães que viveram mais após os 50 anos de idade tiveram seus filhos mais precocemente, intervalos mais curtos entre o nascimento dos diferentes filhos e uma maior chance de que eles chegassem à idade adulta. Além disso, as mulheres que moravam longe das mães tinham menos filhos quando comparadas àquelas que moravam na mesma casa, no mesmo bairro, na mesma vila. O efeito positivo da avó foi mais pronunciado ainda quando a avó tinha menos de 60 anos de idade quando do nascimento de seu neto. Um dos resultados mais importantes do estudo foi o de que a presença da avó foi relevante na sobrevida dos netos entre os três e cinco anos de idade, mas não nos primeiros dois anos de vida (período da amamentação), reforçando a ideia de que o “efeito avó” existe independente das peculiaridades genéticas dos netos ou do desempenho das mães. E os resultados não foram diferentes entre as duas populações estudadas: canadenses e finlandeses.

O que dizer sobre as avós no século XXI? Nas últimas décadas podemos perceber uma mudança no papel dos avós em nossa sociedade, muitos deles passando a desempenhar o papel de pais. Podemos identificar um crescimento no número de lares em que três gerações convivem: pais, netos e avós. Cresce também o número de lares em que os avós cuidam plenamente de seus netos com os pais morando em outro domicílio.

Esses modelos de organização familiar em que os avós assumem o papel de “avós em tempo integral” podem estar associados a benefícios, mas também a dificuldades, tanto para as crianças como para os avós. Os avós podem se sentir realizados, menos sós e com maior autoestima por assumirem a responsabilidade dos netos, mas por outro lado podem estar sendo submetidos a uma sobrecarga de funções que em alguns casos não são mais compatíveis com os estados de saúde física e financeira comuns entre muitos idosos.

A “Hipótese Avó” é bem reconhecida pela ciência como o meio pelo qual a evolução permitiu que as mulheres ao amadurecerem fossem avós e não mães de novas crianças. Hoje em dia cresce o papel de avós como tutores dos netos, mas também há o outro lado da moeda: situações em que os avós entram em conflito com os pais por ultrapassarem os limites de interferência na educação dos netos sem a concordância dos pais. Usando o bom senso a chance de sucesso é grande: avó tem que ser avó e mãe tem que ser mãe.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*     

O cérebro humano entende a essência de uma cena visual em um piscar de olhos, mas a rapidez com que isso acontece na linguagem falada ou escrita é a mesma? Imagine a velocidade com que processamos sinais escritos diariamente, notificações que você recebe pelo seu smartphone ou alertas na estrada. Imagine ainda que você posta um vídeo nas redes sociais e usa um aplicativo de geração automática de legendas. Frases curtas das legendas serão registradas pelos cérebros de sua plateia mais rapidamente que o áudio. Parece-lhes contraintuitivo? O recado curto na linguagem escrita chega ao cérebro em aproximadamente 130 milissegundos, a duração do mesmo piscar de olhos para a percepção de uma imagem, o tempo que demoramos para ouvir uma única sílaba.

Esses 130 milissegundos correspondem ao tempo para ativação do lobo temporal esquerdo, região responsável pela interpretação da linguagem. Pesquisadores da Universidade de Nova Iorque mostraram essa resposta, através da magnetoencefalografia, após submeterem voluntários a flashes, com duração de 300 milissegundos, de frases simples de três palavras incluindo sujeito, verbo e objeto, como por exemplo “enfermeiros limpam feridas”.

Impressionante é que a rapidez de ativação cerebral é até maior quando as palavras eram mostradas dentro desse modelo de frases simples do que quando eram expostas individualmente. Isso sugere que cada uma das palavras apresentadas simultaneamente em sentenças simples e com estrutura sintática reforça o reconhecimento das outras por fazerem parte de um bloco único com significado. É uma ativação mais próxima do reconhecimento de uma cena, digo estímulo visual, bem mais rápida que a linguagem falada em que a sequência temporal é soberana e se faz palavra após palavra. O estudo foi publicado na última semana no periódico Science Advances que é parte da editoria da revista Science.  

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

São inúmeros os benefícios demonstrados do café sobre o cérebro. Temos uma ressalva quando se pensa nas gestantes e a recomendação atual é que elas evitem seu consumo por potencias efeitos negativos no desenvolvimento cerebral do embrião. Essa diretriz ainda é válida, mesmo após o estudo recém-publicado pelo periódico Psychological Medicine, envolvendo milhares de famílias norueguesas, demostrando que o café no período gestacional não interfere de forma significativa no desenvolvimento cerebral. A pesquisa se soma a outras que apontaram ausência de interferência negativa no cérebro e a várias outras que evidenciaram o contrário. A inconsistência dos resultados faz com tenhamos que aguardar por novos estudos.

Além das gestantes, pacientes com osteoporose representam outra população que deve ser cautelosa no consumo do café, pois o excesso de cafeína pode promover a perda de cálcio nos ossos.  Na população geral, devemos encarar o café como bebida segura e com inúmeros benefícios à saúde. Uma pesquisa encomendada pela Associação Brasileira das Indústrias do Café (ABIC) revelou que 94% dos indivíduos maiores de 15 anos bebem café e 95% desses o consomem diariamente. Entre aqueles que não tomam café, a principal razão apontada é a de que ele pode fazer mal à saúde.

Uma revisão publicada pelo British Medical Journal reforça aquilo que já tínhamos boas evidências: 3 a 4 doses de café por dia fazem bem à nossa saúde. Pesquisadores do Reino Unido reuniram os resultados de mais de 200 estudos sobre os efeitos do café sobre nossa saúde e concluíram que podemos tomar café, com moderação, sem medo. Os resultados mostraram que o café promove maior longevidade e menor incidência de inúmeras doenças que elenco a seguir:

– doenças cardiovasculares

– alguns tipos de câncer, como o de próstata, endométrio, fígado e pele

– diabetes, cálculos biliares e gota

– depressão, Doenças de Alzheimer e Parkinson

Mas como o café pode ajudar a prevenir doenças neuropsiquiátricas? A grande responsável por esse efeito é a cafeína mesmo. A cafeína se liga a receptores do cérebro chamados de adenosina que promovem uma inibição da atividade cerebral. A cafeína tem uma ação inibitória nesses receptores fazendo uma inibição de um sistema que é inibitório. Por isso o efeito final é estimulante.  Quando reduzimos o efeito do freio de mão, o carro anda mais. Esta é a cafeína.

Modelos animais da Doença de Parkinson apontam que a inibição do receptor adenosina pela cafeína reduz a perda de células dos sistemas comumente envolvidos na doença.  No caso do da Doença de Alzheimer, estudos demonstram que o consumo de café ao longo da vida pode reduzir o risco da doença. Pesquisas em animais revelam que a cafeína tem o poder de reduzir as alterações patológicas encontradas no cérebro de quem sofre dessa doença. Entretanto, o consumo exagerado da bebida pode trazer efeitos danosos ao cérebro. Uma pesquisa, envolvendo quase 18 mil voluntários, nos mostra que o consumo de mais de seis doses por dia está associado a uma redução do volume cerebral e ao aumento do risco de demência. Café sem culpa, mas com moderação.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Enquanto as doenças do coração mantêm a liderança como as principais causas de morte no mundo, observa-se um aumento substancial na prevalência das doenças do cérebro, especialmente as demências como a Doença de Alzheimer. É interessante notar que os quadros demenciais e as doenças do coração dividem os mesmos fatores de risco como a hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo. Está se tornando claro que a redução dos fatores de risco vascular pode fazer a diferença na redução de doenças do cérebro, e não estamos mais falando só de acidente vascular cerebral (AVC).

A mortalidade global associada à Doença de Alzheimer e outras demências têm crescido num ritmo maior que o das doenças do coração. Entre 2010 e 2020 houve um aumento de 44% na mortalidade associada a quadros demenciais e de 21% por doenças do coração. Quando se pensa em 30 anos (1990-2020), o incremento de mortes por quadros demenciais foi de 144%.

Voltando aos fatores de risco vascular, o que não faz bem ao coração também não faz bem ao cérebro. Hipertensão arterial aumenta em cinco vezes as chances de uma pessoa apresentar declínio cognitivo e quadros demenciais. No caso da obesidade, esse aumento é de três vezes. Tabagismo aumenta o risco de demência em 30-40%.

Há também uma forte relação entre a função do coração e o desempenho cognitivo. Menor desempenho cognitivo é encontrado com 40% mais chances em portadores de doença coronariana. Essa relação também existe na mesma intensidade em quem tem fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca comum. Insuficiência cardíaca eleva em duas vezes o risco de um quadro demencial e cerca de metade das pessoas acometidas por essa disfunção cardíaca apresenta algum grau de deficiência cognitiva.

A influência dessas três entidades cardiovasculares sobre a cognição pode ser dar pelo aumento de êmbolos no coração que se deslocam para o cérebro provocando obstrução de vasos e lesões cerebrais. Aqui incluímos lesões causadas por êmbolos grandes que irão provocar alterações súbitas da função cerebral, o AVC, assim como por microêmbolos, que na sua maioria são silenciosos e frequentemente ultraestruturais, não visíveis por métodos de neuroimagem usados na prática clínica. Mas não é só através de êmbolos que o cérebro é afetado por essas doenças cardíacas. Devemos incluir aqui redução do fluxo sanguíneo cerebral, processo inflamatório sistêmico e ativação neuro-hormonal.

A intimidade da relação entre o coração e o cérebro é bidirecional, o cérebro doente também tem impacto sobre o funcionamento do coração. Nos primeiros dias após um acidente vascular cerebral isquêmico, por exemplo, cerca de 10 a 20% dos pacientes apresentam alterações no coração e aqui devemos incluir as três entidades discutidas anteriormente: doença coronariana, insuficiência cardíaca e arritmia cardíaca. O cérebro que sofre desencadeia um processo inflamatório sistêmico além de uma disfunção do sistema nervoso autônomo que podem afetar diretamente o coração. A esse fenômeno dá-se hoje o nome de síndrome AVC-Coração.     

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*

Na década de 1960, um estudo realizado em diferentes países capitalistas e socialistas, perguntou o que as pessoas ainda precisavam na vida para serem realmente felizes. As respostas foram surpreendentemente parecidas, independente das diferenças culturais e econômicas entre os países analisados. A resposta mais comum foi a de melhoria do padrão de vida material, seguido por uma vida familiar feliz e em terceiro lugar o estado de saúde pessoal e dos familiares.

Será que as pessoas serão mais felizes se subirem um degrau na sua capacidade de consumo?  Ganhadores da loteria voltam ao mesmo estado de felicidade que tinham antes do prêmio após um ano. Dinheiro e felicidade andam juntos até certo ponto, fenômeno conhecido como paradoxo de Easterlin, economista americano que estudou essa questão em inúmeros países. Depois de garantidas as necessidades mais importantes, mais dinheiro no bolso não atrai mais felicidade. Em 2018, uma pesquisa publicada na revista Nature Human Behaviour confirmou o paradoxo de Easterlein com uma população bastante generosa com dados do Instituto Gallup envolvendo 1.7 milhões de indivíduos em 164 países diferentes.

Os pesquisadores encontraram um teto de renda anual de 60 a 75 mil dólares anuais para o bem-estar emocional, definido como sentimentos positivos no dia a dia. Valores maiores não incrementavam esses sentimentos. O mais curioso é que havia uma menor satisfação com a vida quando um teto de 90 mil dólares anuais era ultrapassado. Nessa situação as pessoas podem entrar numa roda viva de consumo e cair na armadilha de ficar de olho na grama do vizinho.

Estudos têm apontado que os mais afortunados podem ficar menos sensíveis aos pequenos prazeres, às coisas mais prosaicas.  O simples fato de se deparar com a imagem de um maço de notas de dinheiro é capaz de reduzir o tempo em que uma pessoa aprecia um pedaço de chocolate na boca antes de engolir.  Nesse caso, as pessoas ainda relatam menos prazer com o chocolate do que aqueles que visualizam imagens neutras.

Gastar direito pode ajudar

Tem uma propaganda de automóvel que diz assim: “Quem fala que dinheiro não traz felicidade ainda não aprendeu a gastá-lo direito”.  Já é bem reconhecido que gastar o dinheiro com experiências é melhor do que com coisas. Experiências que reforçam as relações de amizade, que promovem o crescimento pessoal, que contribuem para a comunidade onde se vive, pequenos prazeres como uma massagem, flores para a pessoa querida, tudo isso pode gerar mais prazer do que uma mega TV ou um turbo-super-carro.

Uma pesquisa muito interessante, publicada no prestigiado periódico PNAS , mostra que as pessoas que gastam dinheiro para ter mais tempo (e.g., serviços de casa) são mais felizes do que aquelas que gastam mais com coisas. O impressionante é que metade dos milionários estudados gastava tempo com atividades que não apreciavam e que poderiam ser feitas por outros, desde que pagassem por isso. Outro achado importante foi que o estado de bem-estar e felicidade esteve associado com essa opção de “comprar seu próprio tempo” em todo o espectro socioeconômico estudado, mesmo entre os que tinham as contas mais apertadas.

Por último, trago aqui uma análise realizada sobre a satisfação com a vida publicada no último mês pelo mesmo periódico PNAS. Foi demonstrada que a satisfação entre moradores de pequenas comunidades, em cinco diferentes continentes, incluindo populações indígenas, com baixíssimo poder aquisitivo, era semelhante ou até maior do que em diversos países considerados ricos, comparação feita com os dados do Instituto Gallup.

Todas essas pequenas comunidades tinham uma forte dependência dos meios naturais para a sobrevivência e, além desse contato íntimo com a natureza, outros fatores podem colaborar para esses altos índices de satisfação, mesmo com pouco dinheiro. Entre eles estão o modelo de comunidades mais coletivistas, menos individualistas, e até mesmo uma maior vivência espiritual. Indígenas da Amazônia brasileira foram um dos 19 grupos estudados.

Vale sempre lembrar que felicidade pode trazer dinheiro. Pessoas mais felizes têm mais chance de ter sucesso profissional e financeiro.

*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

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