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Ricardo Afonso Teixeira*
Reconhece-se que a principal razão que faz uma pessoa buscar acompanhamento psicoterápico são suas dificuldades no relacionamento amoroso, e não é de se espantar. O psiquiatra Robert Waldinger da escola de medicina da Harvard define a relação amorosa como a melhor receita para uma vida satisfatória, prazerosa e com saúde.
Há algumas décadas a ciência da conexão entre as pessoas, que no seu início analisou a ligação entre mãe e filho, hoje traz um conjunto de conhecimento sobre a relação amorosa e o quanto os padrões de conexão vivenciados na infância repercutem nas nossas relações como adultos. Hoje já se fala em uma estratégia padrão ouro para aprimorar uma relação romântica, um programa “fitness” para a relação a partir desse princípio..
A psicóloga Mary Ainsworth, pioneira no estudo da conexão entre mãe e filho, descreve três tipos de ligação. A primeira é o bebê que não sente ansiedade exagerada com a ausência da mãe por um curto período, numa relação mãe-filho forte e de confiança. A criança explora sozinha o ambiente sem medo. Outras crianças sofrem com a insegurança da separação, com manifestações de raiva e pânico e, ao entrarem novamente em contato com a mãe, têm menor receptividade por parte delas. E há um terceiro grupo que demonstra indiferença frente à separação ou reencontro com a mãe. Estas não têm expectativa de uma conexão segura.
A partir da década de 1980 foi sendo descrito que esses padrões na relação mãe-filho têm influência nas relações do indivíduo adulto, incluindo as amorosas. Por exemplo, a falta de atenção pela mãe quando ainda bebê pode gerar um comportamento adulto inseguro, na dúvida se têm direito aos cuidados de outra pessoa. Há os que têm um comportamento de evitação, ignoram o parceiro ou parceira, especialmente em situações de vulnerabilidade. Já parceiros seguros têm a expectativa de serem correspondidos e serem amados. Estudos longitudinais mostram que o perfil de conexão com as mães quando bebês vai se refletir no sucesso de relações sociais e amorosas na adolescência e idade adulta.
Um experimento feito com mulheres casadas apontou que, após pequenos choques, elas tinham menor ativação de áreas do cérebro associadas a respostas emocionais e comportamentais a ameaças e também menor sensação dolorosa quando seguravam a mão do marido. Essa mitigação da dor era mais significativa entre casais que mantinham uma relação de apoio mútuo. O efeito era bem menor quando seguravam a mão de um estranho ou mão alguma. Resultados semelhantes já foram demonstrados ao apenas imaginar a pessoa amada, com efeitos positivos também sobre a frequência cardíaca e níveis do hormônio do estresse.
Nossas relações fazem parte do nosso código de sobrevivência. e relações seguras nos fazem sentir protegidos de perigos e ameaças. Elas nos permitem conviver melhor com as fragilidades humanas e isso traz equilíbrio mental que se estende ao corpo.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
É bem reconhecido que comportamentos semelhantes aos encontrados no transtorno do espectro autista (TEA) são exclusivos da espécie humana. Um estudo recém-publicado pelo periódico Molecular Biology and Evolution mostra que, comparado a cinco espécies de primatas, o cérebro humano evoluiu rapidamente para uma concentração generosa de neurônios em duas camadas da sustância cinzenta, concentração esta que está associada a uma maior conexão entre as diferentes regiões do cérebro. Ao mesmo tempo, isso foi acompanhado de alterações em genes ligados ao TEA que proporcionou o crescimento do cérebro humano de forma mais lenta, podendo ter levado à complexidade de linguagem e pensamento dos humanos. Os resultados da presente pesquisa sugerem que o que fez o cérebro humano ser o que é também fez com que fôssemos mais neurodiversos. A alta prevalência de TEA entre os humanos pode ser secundária à seleção natural de uma menor expressão de uma série de genes que conferiu maior adaptação de nossos ancestrais e uma abundância de neurônios sensitivos a perturbações externas, como estímulos sonoros.
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade segue o mesmo raciocínio de uma vantagem evolutiva da espécie. Em 2024, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.
Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha. Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.
Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência. Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.
Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.
Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de um animal ou de um membro de uma tribo invasora. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
A mulher nasce com cerca de dois milhões de óvulos, no início da puberdade são 400 mil, e apenas uma pequena parte é usada nas ovulações ao longo da vida adulta. A maior parte dos óvulos degenera-se com o tempo e quando os remanescentes passam a ser insuficientes para produzir estrogênio suficiente para manter ativo o sistema ovário-cérebro (ovário-hipófise-hipotálamo) a mulher não mais menstrua. Diferente das mulheres, a grande maioria das fêmeas no mundo animal continua fértil até o fim da vida e não sabe o que é menopausa. Duas exceções conhecidas são algumas espécies de baleias e elefantes.
Elegantes linhas de pesquisa têm compreendido a menopausa nas mulheres como uma vantagem evolutiva, ou seja, ela aumentaria as chances da espécie em gerar descendentes, perpetuando assim seus genes. A menopausa serviria como um fator de proteção tanto para as mães como para os filhos. Mas de que maneira?
As mulheres contemporâneas vivem uma condição muito recente na sua história evolutiva que é o grande número de ciclos ovulatórios ao longo da vida, pois começam a ter seus filhos tardiamente, e poucos filhos. Essa frequência maior de ovulações faz com que a mulher seja muito mais exposta às elevações periódicas de estrogênio, o que já sabemos que aumenta o risco de doenças como o câncer de mama. A menopausa pode ser vista como uma resposta adaptativa evitando que a mulher chegue aos 80 anos de idade com o mesmo nível de exposição ao estrogênio.
Outra vantagem de as mulheres não continuarem férteis em idades mais avançadas é a de que assim os filhos poderão contar com suas mães vivas nos seus primeiros anos de vida, e pesquisas nos confirmam que isso aumenta a chance de uma criança chegar à idade adulta. Além disso, os óvulos de mulheres mais maduras têm mais chances de serem defeituosos, e caso fossem fertilizados, haveria maior risco de gerar anormalidades cromossômicas e recém-nascidos de baixo peso ou prematuros.
Por essas e outras razões a natureza foi sábia em fazer com que as mulheres a partir de certa idade fossem mais úteis à perpetuação da espécie ao investir energia para a sobrevivência de filhos que não precisassem gerar: seus próprios netos. Esse conceito é bem conhecido pela ciência como “Hipótese Avó”, onde a avó colabora não só com conhecimento, mas também colocando a mão na massa, aumentando a chance de seus netos sobreviverem. Em contraste, na maior parte das espécies animais, o mais comum é que os filhos em idades pré-reprodutivas colaborem com as mães aumentando o sucesso de geração de novos irmãozinhos. Além de suporte aos netos, a “Hipótese Avó” contempla também a menopausa como fator que evita a competição reprodutiva entre gerações na espécie humana.
Um dos estudos mais importantes sobre esse tema foi publicado na respeitada revista científica Nature no ano de 2004. Os pesquisadores avaliaram dados históricos demográficos de populações canadenses e finlandesas do século XIX e evidenciaram que tanto mulheres como homens que tinham mães que viveram mais após os 50 anos de idade tiveram seus filhos mais precocemente, intervalos mais curtos entre o nascimento dos diferentes filhos e uma maior chance de que eles chegassem à idade adulta. Além disso, as mulheres que moravam longe das mães tinham menos filhos quando comparadas àquelas que moravam na mesma casa, no mesmo bairro, na mesma vila. O efeito positivo da avó foi mais pronunciado ainda quando a avó tinha menos de 60 anos de idade quando do nascimento de seu neto. Um dos resultados mais importantes do estudo foi o de que a presença da avó foi relevante na sobrevida dos netos entre os três e cinco anos de idade, mas não nos primeiros dois anos de vida (período da amamentação), reforçando a ideia de que o “efeito avó” existe independente das peculiaridades genéticas dos netos ou do desempenho das mães. E os resultados não foram diferentes entre as duas populações estudadas: canadenses e finlandeses.
O que dizer sobre as avós no século XXI? Nas últimas décadas podemos perceber uma mudança no papel dos avós em nossa sociedade, muitos deles passando a desempenhar o papel de pais. Podemos identificar um crescimento no número de lares em que três gerações convivem: pais, netos e avós. Cresce também o número de lares em que os avós cuidam plenamente de seus netos com os pais morando em outro domicílio.
Esses modelos de organização familiar em que os avós assumem o papel de “avós em tempo integral” podem estar associados a benefícios, mas também a dificuldades, tanto para as crianças como para os avós. Os avós podem se sentir realizados, menos sós e com maior autoestima por assumirem a responsabilidade dos netos, mas por outro lado podem estar sendo submetidos a uma sobrecarga de funções que em alguns casos não são mais compatíveis com os estados de saúde física e financeira comuns entre muitos idosos.
A “Hipótese Avó” é bem reconhecida pela ciência como o meio pelo qual a evolução permitiu que as mulheres ao amadurecerem fossem avós e não mães de novas crianças. Hoje em dia cresce o papel de avós como tutores dos netos, mas também há o outro lado da moeda: situações em que os avós entram em conflito com os pais por ultrapassarem os limites de interferência na educação dos netos sem a concordância dos pais. Usando o bom senso a chance de sucesso é grande: avó tem que ser avó e mãe tem que ser mãe.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
O jornalista Stevens Silbermann, autor do best-seller Neurotribes, publicado em 2015 e ainda sem tradução para o português, disse: “Poucas pessoas podem dizer que cunharam um termo que tenha mudado o mundo para melhor, em uma direção mais humana e com mais compaixão. Judy Stinger pode”.
Judy é uma australiana que apresentou ao mundo em 1998 o conceito de neurodiversidade em sua tese na Universidade de Tecnologia de Sydney. O trabalho pode ser conferido no livro: Neurorodiversity: The birth of an idea (Neurodiversidade: O nascimento de uma ideia, em tradução livre). A obra traz uma reflexão sociológica sobre grupos com disfunções neurológicas marginalizadas com foco especial nos portadores do transtorno do espectro autista chamando os leitores para uma revolução da neurodiversidade assim como houve a revolução feminista. O livro também não tem tradução para a língua portuguesa.
O esforço de Judy acendeu a chama para que essa revolução acontecesse. São inúmeras entidades ao redor do mundo que carregam a bandeira da neurodiversidade lutando para que o mundo respeite as diferenças e dê condições para que os neurodiversos, aqueles que não representam a maioria, não sejam estigmatizados e mais, que estes tenham acesso a oportunidades de inserção na sociedade, incluindo o trabalho, já que muitos são capazes de contribuir de forma sofisticada. Alguns têm talentos e capacidades que os neurotípicos, a maioria, nem sonham em ter. Só precisam encontrar o ambiente e o tipo de trabalho certos e muitas organizações têm trabalhado para que isto aconteça. No seu blog você encontra: “Eu não estou aqui para tornar o capitalismo mais eficiente, mas para torná-lo mais humano”.
Uma das pérolas do trabalho de Judy é distinção entre o modelo médico e social de incapacidade. Uma pessoa pode ter uma deficiência, mas isto passa a ser uma incapacidade quando lhe são colocadas barreiras e práticas socias que dificultam as oportunidades de inserção social. É claro que toda condição de saúde é permeada pelo espectro de gravidade e há um subgrupo em cada uma dessas condições que está no extremo mais grave onde deficiência dificilmente será diferente de incapacidade.
E quando falamos de neurotípicos e neurodiversos, vale contextualizar o conceito de normal. A palavra normal na saúde só passou a ser registrada na língua inglesa na metade do século 19, época em que a estatística passou a ser utilizada na saúde pública. O termo era o mais próximo do que se chamava de “ideal”, característica mais própria dos deuses do que dos mortais. Os estudiosos em incapacidade argumentam que o que chamamos hoje de norma, a maioria, raramente alcança o estado ideal.
E você? Você se considera ideal? Parabéns. Que dádiva genética que você herdou! Ou os parabéns podem ser também por sua disciplina com os cuidados com sua saúde. Mas tenho que lhe dizer que no cenário global a humanidade está longe de você ou dos deuses. Não estou sendo irônico. O “Global Burden of Disease Study” (GBD) é um dos maiores esforços para medir a morbimortalidade das principais doenças ao redor do mundo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates e sob a chancela da Organização Mundial da Saúde. Sua última análise foi publicada no prestigiado periódico The Lancet Neurology em 2024 e apontou que o grupo das condições neurológicas representa a maior causa de anos perdidos de vida saudável (DALYs), seguido pelo grupo de doenças cardiovasculares. Os resultados também mostraram que 43,1% das pessoas no mundo sofrem de alguma disfunção neurológica, seja por uma doença neurológica primária ou por efeito de outras condições que afetam o sistema nervoso. Quase metade da população e não estão incluídos aqui muitos diagnósticos psiquiátricos.
A difusão do conhecimento tem ajudado a reduzir o estigma sobre as disfunções neurológicas, mas ainda de forma muito incipiente. É a pessoa que sofre de enxaqueca e sente que as pessoas acham que ela supervaloriza sua condição ou se aproveita dela. E vê cara feia quando pede a alguém para evitar usar perfume, pois desencadeia suas crises. É o portador da Doença de Parkinson que, por ter uma menor expressão da mímica facial e uma monotonia na voz, é tratado de forma infantilizada. São exemplos de neurodiversos, cérebros que funcionam diferente, mas os outros não têm consciência disso.
Neurodiversos somos todos nós, mas o movimento de conscientização, uma ação política para garantia de direitos, começou pelo espectro autista, mas se expande naturalmente para inúmeras disfunções neurológicas em que seus portadores vivem uma marginalização de suas limitações que pode gerar incapacidade. Hoje é comum incluir também sob o guarda-chuva da neurodiversidade o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dislexia, transtorno bipolar, entre outros. Hoje percebo no consultório o discurso libertador e empoderado daqueles que encontraram sua tribo ao dizerem que são neurodiversos.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Dr. Ricardo Teixeira*
Um dos fenômenos muito especiais da maternidade é o deslocamento do eixo de preocupações de uma fêmea. A vida orientada para suas próprias necessidades passa a se concentrar também no cuidado e bem-estar de seus filhos.
A natureza dá uma força para que esse projeto de cuidar da cria seja bem sucedido, já que as alterações hormonais características da gravidez, parto e lactação, permitem que o cérebro das mães seja “turbinado” nessas fases. O cérebro materno é por definição um modelo espetacular do fenômeno de neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro em criar novas conexões em resposta a um estímulo.
A maior parte das evidências de incremento de funções cerebrais com a maternidade tem origem em estudos com mamíferos inferiores, especialmente os roedores. Pesquisas apontam que não só as alterações hormonais, mas também o ambiente rico em estímulos associados à maternidade (ex: múltiplas novas tarefas, sons, cheiros), têm um papel importante nesse upgrade cerebral das mães.
A maioria dos mamíferos compartilha instintos maternais de defender seu ninho e sua cria. Ao ter que optar entre sexo, drogas, alimento ou seu ratinho recém-nascido, as mamães ratinhas escolhem seus ratinhos. O cuidado com os filhotes ativa nas mães centros cerebrais de recompensa ligados ao prazer, mesmo no caso de filhotes adotivos. Esse fenômeno também foi demonstrado entre as mães humanas ao ouvir o choro dos filhos, ou simplesmente ao olhar para eles.
Em ratinhas, temos evidências de que a maternidade provoca aumento do volume dos neurônios e mais conexões em algumas regiões cerebrais. Mais recentemente, tem sido demonstrado também o fenômeno de geração de novos neurônios. As mães passam a apresentar melhor desempenho em orientação espacial e memória, ficam mais corajosas e rápidas para capturar a presa, e com menos sinais de ansiedade em situações de estresse. Tudo em prol de uma maior capacidade de alimentar as crias. Artemis é ao mesmo tempo a deusa grega do parto e da caça.
E esses efeitos parecem durar bastante. As mamães ratinhas chegam ao equivalente humano de 60 anos de idade com melhor desempenho e coragem, além de menor declínio cognitivo e também menos sinais de degeneração cerebral quando comparadas a ratinhas virgens da mesma idade.
Cerca de 80% das mulheres na gestação, especialmente no terceiro trimestre, queixam-se de menor desempenho cognitivo e alguns estudos confirmam essa tendência, mas demonstram que a intensidade não chega a atrapalhar as atividades do dia a dia. Temos evidências também que, após o parto, a mães recuperam suas habilidades e ficam até mais eficientes do que antes da gravidez. O atual corpo de evidências, juntando resultados de modelos animais e humanos, nos permite pensar que a maternidade colabora para uma maior reserva cognitiva, deixando as mulheres mais resilientes ao processo de envelhecimento cerebral. Entretanto, conclusões ainda devem ser tratadas com cautela, pois há muito que se investigar ainda, especialmente no impacto de longo prazo da maternidade sobre o cérebro.
As mães modernas, com suas rotinas de malabaristas, devem apresentar adaptações cerebrais mais robustas do que as dos modelos animais, já que são submetidas a um nível de estimulação ambiental como nenhuma outra espécie. Além de cuidar da cria e de sua própria sobrevivência, protagonizam diversos outros papéis simultâneos (esposa, amante, conselheira, profissional, dona-de-casa, etc.). É estímulo para dar, vender e jogar fora.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
No final de fevereiro, pesquisadores da Universidade da Pensylvania, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.
Em um jogo online os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha. Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram no final pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH entre crianças situa-se entre 7 e 8% e nos adolescentes entre 5 e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.
Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam a o pensamento de que se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência. Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças – CID e para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.
Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, atitudes que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.
Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de uma onça. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento. Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.
E mais um: demência.
Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Farinha pouca, meu pirão primeiro. Quando se pergunta a uma pessoa se ela tem interesse em saber as repercussões que uma escolha feita por ela mesma pode ter na vida dos outros, 40% respondem que não. Essa é conclusão de uma metanálise envolvendo 22 estudos com mais de seis mil pessoas nos EUA e Europa Ocidental.
A lógica é esta: você pode receber, por exemplo, um prêmio de 50 reais sendo que um desconhecido receberá a mesma quantia. Em vez de 50 reais, você pode optar por receber 60, mas o desconhecido receberá apenas 10. Quando as pessoas são perguntadas se querem saber o quanto a escolha de 50 ou 60 reais influenciará nos outros, 40% optam por não saber e abocanhar o maior valor ignorando o que o outro receberia. Essa preferência em não querer saber é de certa forma um egoísmo que não ficará mal na foto, já que a pessoa tem o trunfo de não saber que o outro será prejudicado com sua escolha.
O mesmo raciocínio é válido quando pensamos no consumidor inconsciente, aquele que não faz questão de saber da responsabilidade social ou ambiental da empresa que fornece um determinado produto. Acompanhamos alguns lampejos de boicotes a marcas que não agem dentro da legalidade e estão na contramão da sustentabilidade. O que dirá sobre não querer saber do impacto das mudanças climáticas, do alto consumo de carne bovina. A consciência pode levar as pessoas a se sentirem compelidas, inconvenientemente forçadas a fazer mudanças nos seus hábitos. Lembra-se do documentário sobre o aquecimento global “Uma Verdade Inconveniente” com o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore? Vem à minha mente agora a impressionante “Comfortably Numb” (confortavelmente entorpecido) de Roger Waters, música com que ele abriu seu show esta semana em Brasília.
Não fiquemos desalentados com a espécie humana, pois o altruísmo existe independente de ter alguém olhando ou não. Entretanto o efeito plateia existe sim e não é pequeno. O altruísmo é uma especial característica da espécie humana já que estende os benefícios de nossas boas ações a indivíduos que não fazem parte do núcleo familiar. Atualmente há uma forte linha de pesquisas que busca explicar as raízes de nossas ações altruístas através da ideia de que elas podem gerar ganhos do ponto de vista de reputação, colocando o altruísmo como uma possível vantagem evolutiva, ou seja, indivíduos com comportamento altruísta teriam maior chance de sucesso em gerar descendentes.
Esse efeito reputação é ainda mais reforçado por evidências de que ações altruísticas são maiores quando há plateia. Além dos potencias ganhos sociais, há outro nível de recompensa, já que nosso sistema cerebral de recompensa e prazer é ativado quando nos doamos para outras pessoas. O corpo atual do conhecimento nesta área nos faz pensar que nosso cérebro evoluiu para se sentir bem fazendo bem aos outros e que isso permitiu que aumentássemos nosso potencial de relações e procriação.
O comportamento humano frente a situações injustas reforça ainda mais o papel da reputação como base do altruísmo. Experimentos nos mostram que indivíduos que assistem a uma situação de injustiça, que não os afeta pessoalmente, ganham em reputação quando assumem um comportamento de punição à injustiça. Esse comportamento também ativa os centros cerebrais de recompensa.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Ricardo Afonso Teixeira*
Numa noite de tempestade, ainda no Paleolítico, uma tribo se reúne na caverna, ao redor do fogo, e a mãe aponta para o filho uma erva e lhe diz para ter cuidado, pois aquilo lhe provocou uma forte dor de cabeça no dia anterior e que pode ser um veneno. O pai balança a cabeça e concorda com o alerta, e fala que costuma ter essa dor quando fica muito tempo sem comer ou dorme demais após uma refeição, especialmente durante o dia. O filho emenda: mas pai, você já me ensinou que muito tempo sem comida não ajuda, caso eu precise lutar e, dormindo demais, posso acabar virando comida de onça. Para as pessoas que sofrem de enxaqueca, essa história pode não parecer tão distante.
São várias as causas de dor de cabeça, mas a enxaqueca é uma das mais comuns, afetando 20% das mulheres, um pouco menos de 10% dos homens, e tem como fator determinante o próprio código genético do indivíduo. Quando uma condição médica com forte influência genética tem uma frequência tão alta na população, podemos interrogar se esta condição não representaria uma vantagem evolutiva. As pessoas com enxaqueca seriam mais evoluídas?
De acordo com a teoria da evolução e seleção natural, os seres mais adaptados têm maior chance de sobreviver e se reproduzir. Mas como imaginar que um indivíduo que tem dores de cabeça possa ser mais “adaptado” que aquele que não as possui? A dor, de uma forma geral, é um mecanismo de defesa a situações potencialmente danosas ao corpo. Por sentirmos dor, retiramos nossa mão de uma água fervente e não nos queimamos.
Sabe-se que indivíduos com enxaqueca têm uma sensibilidade aumentada a estímulos sensoriais, visuais, auditivos, olfativos. Apresentam também menor tolerância a alguns desafios tais como jejum, insônia, excesso de sono, estresse físico e emocional. Podemos argumentar que esta sensibilidade apurada faz com que o indivíduo com enxaqueca evite de forma mais eficaz situações e ambientes complexos que poderiam ser interpretados como predatórios. A maior recomendação para que estes “seres evoluídos” tenham uma boa qualidade de vida é evitar estímulos que sabidamente provocam crises. Para que ficar provocando onça com vara curta?
Alguns estudos têm revelado que a prevalência de enxaqueca na população vem aumentando ao longo das últimas décadas, e uma possível explicação para esse fenômeno é que as pessoas se confrontam de forma mais frequente com estímulos desencadeadores da dor descritos acima. Então deveríamos recomendar que os indivíduos com enxaqueca vivessem numa redoma de vidro?
Charles Darwin foi um homem que sofreu dores de cabeça recorrentes e incapacitantes e que provavelmente correspondiam a crises de enxaqueca. Talvez isso contribuísse em parte para sua fama de antissocial. Nem por isso deixou de rodar o mundo a bordo do Beagle e virar de cabeça para baixo o pensamento da humanidade.
O indivíduo com enxaqueca deve aprender a reconhecer quais são os estímulos que desencadeiam suas crises e evitá-los quando possível. Na época de Darwin, era prática comum colocar as metades de uma laranja nas têmporas para tentar aliviar a dor de cabeça. Hoje temos ferramentas mais eficazes. Na hora das crises, deve-se usar analgésicos da forma mais precoce possível, pois depois de um certo tempo de dor, a chance de o remédio ajudar passa a ser menor. Quando as dores passam a ser frequentes, o uso muito frequente de analgésicos pode até piorar a situação e, na maioria das vezes, um tratamento com outros tipos de remédios é indicado. A visita a um médico é importante não só para orientar o tratamento, mas também para avaliar se a origem da dor é realmente a enxaqueca.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira
Alimentos com altos teores de carboidratos e gorduras têm grande poder de estimular nossos centros cerebrais relacionados ao prazer e à sensação de nos sentirmos recompensados, promovendo a liberação de neurotransmissores como a dopamina, serotonina e a endorfina. Sabemos que a ativação desses centros de recompensa cerebral está fortemente associada à sensação de bem-estar e já foi demonstrado que até o simples contato na boca de uma solução de carboidratos, sem sua ingesta, é capaz de ativar esse sistema cerebral.
A interpretação para esse fenômeno é a de que nosso cérebro é programado desde os tempos ancestrais a ter prazer em consumir alimentos calóricos e com isso ter maior vantagem evolutiva. Baseado nessa teoria, a preferência por alimentos calóricos seria inata sim, mas ao consumirmos alimentos calóricos, o cérebro muda suas conexões em curtíssimo prazo, como se fosse treinado a repetir a ação em um futuro próximo. Isso foi o que pesquisadores do Instituto Max Planck na Alemanha e da Universidade de Yale acabaram de demonstrar em estudo publicado pela respeitadíssima revista Cell Metabolism.
Voluntários comeram diariamente um pudim com uma dose extra de gordura, por um período de oito dias, e passaram a apresentar uma ativação do sistema dopaminérgico de recompensa numa intensidade bem maior do que aqueles que comeram o pudim com menos gordura. Essa maior ativação não se desfaz do dia para a noite, o que nos faz pensar que cada alimento hipercalórico que ingerimos faz com que o cérebro, dias ou semanas depois, ainda esteja bem treinado a sentir o prazer novamente. E mais: outros estudos já mostraram que, após semanas comendo alimentos supercalóricos, o cérebro não se ativa como antes a alimentos pouco calóricos.
Em tempos que não mais caçamos ou coletamos, tempos de geladeira e supermercado, esse “treinamento” do sistema de recompensa dopaminérgico é um motor potente que contribui sobremaneira para a espiral de obesidade que vivemos hoje.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília

Estudos robustos nos mostram que os homens são mais amigáveis após o término de um conflito quando comparados às mulheres. Isso parece soar meio desafinado, pois é bem reconhecido que os homens são mais agressivos e competitivos. Que história é essa de amigáveis?
Em um desses estudos, pesquisadores da Universidade de Harvard analisaram centenas de vídeos de “batalhas do dia a dia moderno” de 44 diferentes países. Estamos falando de competições esportivas. Eles demonstraram que ao final de uma partida os homens têm uma maior proximidade com o “inimigo” do que as mulheres. Isso foi identificado como abraços, apertos de mãos e tapinhas nas costas.
A explicação evolutiva para esse comportamento é que os homens, após terminado o conflito, têm a tendência em se aproximar do oponente para garantir alianças para uma futura guerra. Eles garantem a perpetuação da espécie não só vencendo disputas para conseguir gerar mais filhos, mas também por preservarem a comunidade como um todo em conflitos entre grupos.
Estudos com chimpanzés evidenciam essa mesma tendência: os machos depois de uma briga dão mais abracinhos que as fêmeas. Quanto às fêmeas, sabemos muito bem que no universo família elas são mais cooperativas. Porém, as mulheres sentem-se mais abaladas, quando um conflito ocorre com outra mulher quando comparamos com a mesma situação em que os personagens são dois homens.
Voilà Jair. Ligue para o Lula dando as congratulações, faça uma daquelas suas lives pedindo para os caminhoneiros desobstruírem as estradas e, no dia primeiro de janeiro, entregue a faixa e dê uns tapinhas nas costas do Lula.

No contexto da evolução das espécies, o ser humano pode ser considerado um recém-nascido. Os mamíferos apareceram há 225 milhões de anos, os primatas há 65 milhões, e os ancestrais hominídeos apareceram há cinco milhões de anos. Alguns podem achar cinco milhões de anos muito tempo, mas pode ser interessante lembrar que nosso código genético, que é como se fosse um texto composto por três bilhões de letras, é idêntico ao de um chimpanzé em 98,5% do seu conteúdo.
A população mundial está envelhecendo, e isso é explicado em parte pelos grandes avanços da ciência nas últimas décadas. A expectativa de vida do Australopitecus há quatro milhões de anos era de apenas 15 anos, 25 anos para europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX, 55 anos no início do século XX, e atualmente, em muitos países, a expectativa de vida já é maior que 75 anos de idade. Como podemos perceber, nossos ancestrais não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie.
Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Essa é uma forma importante de entender o porquê das doenças degenerativas. Mas vamos deixar de lado as doenças, e focar no nosso envelhecimento normal.
Temos inúmeras evidências do declínio funcional de nosso organismo em idades mais avançadas. O impacto no sistema nervoso é significativo, pois é este sistema que permeia toda nossa interação com o mundo à nossa volta (e.g.; órgãos dos sentidos, respostas motoras, emoção), também chamada Vida de Relação. Talvez seja também o sistema cuja perda de funções seja mais temida por nós. O próprio conceito de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde reflete sobremaneira a dimensão de perdas do sistema nervoso: redução da adaptabilidade a estímulos sensoriais.
Já se conhece bastante sobre as alterações cerebrais morfológicas e fisiológicas associadas ao processo de envelhecimento normal. Por volta dos 15 anos de idade nosso encéfalo alcança seu maior peso (~ 1350g), com uma perda de cerca de 1,5% desse peso a cada década. Essa redução se dá muito mais por redução do tamanho dos neurônios do que por destruição dos mesmos. Paralelamente, há uma redução no número de conexões entre os neurônios e significativo acúmulo de substâncias associadas ao envelhecimento que dificultam o pleno funcionamento cerebral.
Do ponto de vista funcional, essas alterações estruturais só começam a ter impacto após a sexta década de vida. Em média, só a partir dos 60 anos é possível confirmar declínio de capacidades psicométricas, com exceção da fluência verbal que declina levemente já na quinta década de vida. O declínio dessas capacidades é muito modesto até os 80 anos, quando se torna mais acentuado em pelo menos 50% dos indivíduos.
Um conceito fundamental para entendermos melhor como investir bem em nosso cérebro é o conceito de Reserva Cerebral. Se o nosso cérebro tem uma tendência natural a perder um pouco de seu desempenho em idades mais avançadas, quanto mais conexões formarmos no decorrer da vida, quanto mais aumentarmos nosso repertório, menor a chance de que pequenas perdas estruturais tenham repercussão funcional. E o que dirá quando o indivíduo apresenta doença cerebral como a Doença de Alzheimer? Maiores reservas fazem com que mais tempo de doença seja necessário para que ela se manifeste clinicamente. Ou seja, quanto maior a reserva, mais tempo o cérebro mantém seu funcionamento normal, mesmo que ele esteja doente. E isso já foi demonstrado em inúmeros estudos.
O status sócio-econômico e educacional é sem sombra de dúvidas um dos pilares mais fortes de nossa Reserva Cerebral, sendo que quanto maior esse status, maior a reserva. Até mesmo a época em que nascemos faz diferença, sendo que indivíduos que nasceram e cresceram em épocas mais recentes apresentam melhor desempenho cognitivo do que suas gerações anteriores.
Pesquisas recentes demonstram que o cérebro do idoso ao ser treinado responde com melhora de desempenho nas habilidades ensinadas. Tais treinamentos foram realizados com exercícios para estimulação da memória, resolução de problemas, velocidade de processamento, alguns deles por meio de sofisticados softwares. Entretanto, parece que atitudes mais instintivas e artesanais podem ter efeito também bastante significativo: a atividade de lazer é um exemplo.
Há cerca de uma década, repetidos estudos vêm demonstrando que lazer é coisa séria, e é um hábito que está associado a um menor risco de desenvolver demência. A explicação reside no fato de que o lazer também é capaz de treinar nossos cérebros, aumentando nossa Reserva Cerebral. O interessante é que algumas atividades de lazer parecem ser mais positivas do que outras. Estudos realizados na cidade de Nova York revelaram que as atividades mais “protetoras” foram leitura, palavras cruzadas, jogos de tabuleiro, passeios turísticos, visitas a amigos e parentes, idas ao cinema, restaurante ou a evento esportivo, tocar instrumento musical.
Uma pesquisa recém-publicada pela Neurology da Academia Americana de Neurologia mostrou que o efeito protetor dessas atividades é menor entre os portadores de genótipo associado à Doença de Alzheimer – APOE4. Mostrou também o quanto a atividade física pode incrementar nossa Reserva Cerebral especialmente na velocidade do pensamento. Vale lembrar que o lazer para muitos está intimamente ligado a atividades esportivas.
De qualquer forma, precisamos estar atentos em estimular os nossos jovens a desenvolver um repertório amplo de atividades de lazer “inteligentes”, pois os hábitos são mais fáceis de serem adquiridos quando iniciados em fases mais precoces da vida. Quanto aos nossos idosos, atenção redobrada. Podemos começar por melhor conhecer e demandar aquilo que está escrito no Estatuto do Idoso, em vigor em nosso país desde 2003:
Art. 3º – É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Art. 21º – O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.
Art. 24º – Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural e ao público sobre o processo de envelhecimento.
Os Titãs não estavam falando em luxo com: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.
Recentemente pudemos acompanhar cenas do show da lenda do jazz Tony Bennet junto a Lady Gaga no Radio City Music Hall em Nova Iorque. Nos ensaios, ele não era capaz de reconhecer Lady Gaga, amiga e companheira em inúmeros projetos. Mas no dia do show, ele falou o nome dela com muita emoção quando ela subiu ao palco. Tony sofre de doença de Alzheimer desde 2016, está com 95 anos e a turnê era sua despedida dos palcos. O vídeo é emocionante. Clique aqui para assistir.
Depois do show Lady Gaga disse: “Eu quero que as pessoas saibam que, se tem alguém que você ama com Alzheimer, há uma maneira de se comunicar e tocar uma magia no coração que ainda está lá. E eu acho que cabe a nós questionarmos por quais maneiras podemos despertar esses sentimentos e assim nos comunicarmos melhor com eles.” O recado de Lady Gaga é precioso às famílias que têm um ente querido com a doença.
Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos, 25 anos no caso dos europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX e 55 anos no início do século XX.
Já que não somos geneticamente tão “atualizados” assim, e esse tipo de atualização é coisa para milhão de anos, o que podemos fazer para chegar aos 80 anos com a cabeça tinindo é investir em atitudes de vida saudáveis. As estrelas de primeira grandeza são a atividade física regular e uma rotina em que o cérebro tenha muitas demandas, e aí o lazer certamente está incluído.
Além disso, a ciência demonstra, de forma inequívoca, que o padrão da dieta mediterrânea ajuda a prevenir a demência. Essa é uma dieta rica em peixes, verduras, legumes, frutas, cereais (melhor se forem integrais), azeite e outras fontes de ácidos graxos insaturados, e baixo consumo de carnes e laticínios e outras fontes de gorduras saturadas, além do uso moderado, porém regular, de álcool.
Tão importante quanto o incremento dessas atitudes saudáveis é evitar condições que diminuam as reservas do cérebro, como é o caso do tabagismo, álcool em excesso e o uso de outras drogas neurotóxicas. Para quem tem problemas de saúde como hipertensão arterial e diabetes, o tratamento rigoroso dessas condições é de extrema importância para proteger o cérebro das principais causas de “esclerose”, que são a doença de Alzheimer e demência vascular. Esta última é resultante de lesões causadas por vasos cerebrais doentes.

Os neurônios-espelho foram descobertos meio sem querer por pesquisadores italianos ainda na década de 1990. Pela primeira vez constatou-se que a simples observação de ações dos outros era capaz de ativar as mesmas regiões do cérebro responsáveis pelo movimento do próprio observador. A percepção visual inicia uma espécie de simulação ou duplicação interna dos atos de outros. As mesmas regiões também são ativadas quando o próprio indivíduo executa a ação.
Sabe aquela situação em que o carro está parado num cruzamento, faz que vai, mas não vai, e o carro de trás já arrancou cheio de vontade e CRASH? Por outro lado, é mais fácil dirigir na estrada atrás de outro carro. Assistir a um jogo de tênis pode ser visto como um treinamento para quem pratica o esporte. São os comandos automáticos dos neurônios-espelho. Também são esses neurônios que explicam o que faz o bocejo ser tão contagiante.
Fazemos mentalmente tudo o que assistimos o outro fazer e o que a neurociência tem-nos mostrado é que isso vai muito além de movimentos. Neurônios-espelho foram encontrados nas áreas do córtex pré-motor e parietal inferior, associadas a movimento e percepção, bem como no lobo parietal posterior, no sulco temporal superior e na ínsula, regiões associadas à nossa capacidade de compreender o sentimento de outra pessoa, entender a intenção e usar a linguagem.
O cérebro entende através dos neurônios-espelho até mesmo a intenção de uma ação. Uma série de neurônios é disparada ao olharmos para uma imagem de uma mesa bem arrumada e uma mão pegando uma xícara – com a provável intenção de beber o café. Um diferente grupo de neurônios é disparado quando olhamos para a mesma cena da mão pegando a xícara, mas numa mesa desarrumada – com a provável intenção de lavar a xícara. Sentir nojo ou ver uma pessoa com olhar repulsivo de nojo faz com que neurônios-espelho das mesmas regiões do cérebro sejam estimulados.
Dessa forma, neurônios-espelho têm papel essencial na percepção de intenções e na experiência da empatia. É o outro entrando em nosso cérebro – empatia origina-se da palavra grega empátheia, que significa “entrar no sentimento”. Não há muita dúvida de que os neurônios-espelho foram cruciais no desenvolvimento de nossas habilidades sociais através de avanços na comunicação e aprendizado. Com eles a informação é espalhada e amplificada colaborando para a promoção da cultura. Alguns cientistas chegam a chamar esses neurônios de DNA da neurociência.
Você deve estar se perguntando se na leitura de um romance os neurônios-espelho também estão a pelo vapor? A resposta é sim e já temos boas evidências de que eles fazem a gente viver na carne, melhor dizendo, no cérebro, a vida dos personagens. Nós compreendemos o personagem porque temos dentro de nós a mesma experiência. O conteúdo de um livro pode ativar circuitos neuronais da mesma forma que estímulos sensoriais, como a visão de uma ação do outro. A literatura coloca em ação partes do cérebro que vão fazer o leitor experimentar, no próprio cérebro, as sensações físicas e emocionais como num filme mais do que 3D; um superfilme que ativa infinitas dimensões. E é claro que quando falamos de cinema, nem é preciso apontar o quanto vivemos a vida de quem está na tela.

Vocês irão concluir que o oxigênio do título acima refere-se ao espaço verde, mas tem outras conotações também. Pesquisas têm revelado que durante a pandemia as pessoas têm procurado mais contato com a natureza. O mais recente estudo foi conduzido no estado de Vermont nos EUA durante os primeiros meses da pandemia, numa época de fechamento de escolas e comércio não essencial e restrição de viagens. Dois terços dos moradores passaram a visitar os parques naturais com maior frequencia e 80% declararam que as visitas aos parques passaram a ter uma importância ainda maior na pandemia para o equilíbrio físico e mental. Entre aqueles que em 2019 não tinham o hábito de frequentá-los, 26% passaram a aproveitar os parques nesse período.
Em tempos de crise como a que vivemos agora, a garantia de acesso ao espaço verde deve ser vista como uma questão de saúde pública para mitigar os impactos mentais negativos em situações dramáticas. Em 2011, a cidade de Futaba no Japão sofreu simultaneamente um terremoto, um tsunami e um acidente nuclear. O governo imediatamente recriou uma série de ecossistemas na cidade para promover o bem estar psíquico da população.
E falando um pouco mais de catástrofe e governos, o presidente da Coalisão de Saúde Mental Mundial recentemente rejeitou a orientação da Associação Americana de Psiquiatria ao dar um diagnóstico psiquiátrico a uma pessoa pública, no caso, Donald Trump, sem examiná-lo pessoalmente. A Coalizão se valeu da Declaração de Genebra que defende que médicos podem se expressar quando frente a governos destrutivos, Declaração criada após a experiência do Nazismo.
De acordo com a Coalisão, o fenômeno Trump e seus seguidores estão embasados em um narcisismo simbiótico e uma psicose compartilhada. Por narcisismo simbiótico devemos entender que um líder, faminto por adulação para compensar sua baixa autoestima, projeta uma onipotência grandiosa, enquanto seus seguidores, carentes pelo estresse social e econômico, buscam ansiosamente por uma figura parental. Quando esses indivíduos assumem posições de poder, eles elicitam a mesma patologia numa parte da população com encaixe perfeito, como uma chave feita para aquela fechadura. Quanto à psicose compartilhada, eles a chamam também de folie à million. Folie à deux (loucura a dois) é um fenômeno descrito na psiquiatria desde o século XVII e refere-se a sintomas delirantes compartilhados por duas pessoas geralmente da mesma família ou próximas. A folie à deux também é chamada de transtorno psicótico induzido, e folie à million, socorro! Quando um indivíduo muito sintomático é colocado em posição de poder e influência, seus sintomas podem se propagar à população por meio de ligações emocionais, amplificando patologias pré-existentes e afetando até indivíduos previamente saudáveis. E o fator delirante provavelmente é mais forte do que um cálculo estratégico, pois ele se dissemina mais facilmente.
É importante salientar que os indivíduos com transtornos mentais como um grupo não são mais perigosos que a população geral, mas quando o transtorno mental vem acompanhado de componentes destrutivos, esses indivíduos são mais perigosos sim. E de onde vem esse elemento destrutivo? Simplificando, se uma pessoa não recebe amor, ela busca respeito. Se ela não tem o respeito, ela realiza ameaças. Trump vive hoje a rejeição e a violência é uma compensação à perda de poder.
Esta não é uma história de ficção e qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real aqui nos trópicos não é mera coincidência.

É isso mesmo. Localizamos alimentos com alto valor calórico com maior eficiência do que aqueles com menor conteúdo de energia, e isso é independente do prazer que o alimento promove. Essa é a conclusão de um recente estudo publicado pela prestigiada revista Scientific Reports.
Mais de 500 voluntários caminharam por uma sala experimentando amostras de alimentos de baixo e alto valor energético. Após a fase de degustação, as pessoas tinham que se recordar onde estava cada alimento e isso foi 30% mais fácil no caso dos alimentos mais calóricos. O mesmo aconteceu com a localização de amostras de odores, mas a diferença foi menos robusta.
A interpretação é a de que nosso cérebro é programado desde os tempos ancestrais a reconhecer com maior eficiência a localização de alimentos com alto valor energético. Esta vantagem evolutiva pode não ter tanta relevância no mundo contemporâneo de supermercados e geladeiras. Pelo contrário, com as facilidades de hoje, nossas memórias que fixam mais os alimentos de alto valor energético pode contribuir sobremaneira para a epidemia de obesidade.

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Por Dr. Ricardo Teixeira
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Uma série de pesquisas aponta que não. Se você apresentar rapidamente a uma pessoa uma série de rostos desconhecidos, e incluir uma foto da própria pessoa manipulada e com aparência do sexo oposto, esta será considerada uma das fotos mais atraentes (New Scientist 2002). E mais: uma pessoa tem mais chance de escolher outra para uma relação de longo prazo quando ela tem um DNA parecido.
A tal história que os opostos se atraem realmente parece ser um mito. As pessoas costumam se casar com outras com nível educacional / socioeconômico parecido, com crenças religiosas e políticas semelhantes e que têm mais interesses em comum. E a bagagem que carregamos no nosso código genético influencia também a escolha do nosso parceiro.
Não faz muito tempo, o periódico Proceedings of the National Academy of Sciences publicou uma pesquisa mostrando que uma pessoa tem o código genético mais parecido com o do seu parceiro ou parceira quando comparado ao DNA de outras pessoas com mesmo nível socioeconômico, etnia e origem de nascimento.
A ideia de semelhança do código genético dos casais foge um pouco do senso comum. Evitamos casar com nossos parentes e estudos mostram que mulheres se sentem mais atraídas pelo cheiro de homens que tem genes do sistema imunológico diferentes dos delas. Isso parece uma contradição, mas esses genes imunológicos podem ter influência diferente. Os estudos que sugerem uma maior atração por pessoas com o código genético parecido analisaram todo o genoma.
Em janeiro de 2017, outra pesquisa publicada pela revista Nature Human Behavior confirma a tese que DNAs parecidos se atraem. Pesquisadores australianos estudaram os genes de milhares de casais e mostraram uma inequívoca associação entre os genes vinculados a peso e altura de um indivíduo com o peso e altura do(a) parceiro(a). Do ponto de vista evolutivo, isso garante uma maior chance de perpetuação das características fenotípicas à prole.
Resumo da ópera. Pessoas com mais semelhanças que diferenças têm mais chance de se atrair para construírem uma relação de longo prazo. Entretanto, vale sempre a pena lembrar que respeitar e incentivar as diferenças pode ser uma das melhores receitas para que essa relação se sustente.

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As mesmas regiões do cérebro estão envolvidas no processamento da orientação espacial e do olfato. Isso lhe parece lógico? Até o mês passado isso não passava de uma construção teórica de que uma das principais funções do olfato é a navegação, já que a maioria dos animais usam esse sentido para buscar alimento e fugir dos predadores.
Pesquisadores da Universidade de McGill no Canadá publicaram recentemente na revista Nature Communications um estudo demonstrando essa relação pela primeira vez entre humanos e que as regiões cerebrais envolvidas são o hipocampo e o córtex orbitofrontal medial. A pesquisa envolveu adultos jovens que passavam por testes de orientação espacial numa cidade virtual e também um teste para identificar 40 tipos diferentes de odores. Aqueles que se saíram melhor nos testes de orientação também foram os que melhor identificavam os diferentes cheiros. O achado inédito de que essas duas funções são desempenhadas pelas mesmas áreas cerebrais sugerem que os dois sistemas evoluíram ao mesmo tempo no nosso cérebro.

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As pessoas paqueram, apaixonam-se, namoram, ora são aceitas, ora são rejeitadas, até encontrarem uma parceria que julgam ser a mais acertada para viverem juntos, terem filhos, etc. Isso costuma ser um processo longo e cauteloso e poucos vão dizer que é uma perda de tempo e energia. Para a perpetuação da espécie seria mais econômico paquerar e procriar sem toda essa experimentação? A espécie precisa mesmo do amor romântico? Os passarinhos podem nos ajudar a responder.
Ornitólogos do Instituto Max Planck na Alemanha demonstraram resultados de experiências com passarinhos que têm parcerias parecidas com as dos humanos: costumam escolher um(a) companheiro(a) e seguem toda a vida juntos e dividem o trabalho da criação dos filhotes.
Eles estudaram 160 passarinhos e promoveram uma paquera inicial entre grupos de 20 fêmeas que podiam escolher livremente um macho em um grupo de 20 também. Depois que os pássaros formavam casais eles eram divididos em dois grupos: casais que se entenderam espontaneamente e casais que foram separados pelos pesquisadores que em seguida eram forçados a novas parcerias.
Os resultados não deixam dúvida que a escolha espontânea faz a diferença. Os filhotes de passarinhos que continuaram com seus pares espontâneos tinham 37% mais chances de sobreviver nos primeiros dias de vida, provavelmente reflexo do cuidado dos pais. Não houve diferença na mortalidade dos embriões entre os dois grupos, o que sugere que a atração pelo outro não é uma escolha pela melhor genética, mas atração por atributos comportamentais que favorecem a complementariedade.
Aqueles com “casamento arranjado” tinham o ninho com mais ovos não fertilizados ou desaparecidos. Os machos deram a mesma atenção às fêmeas independentemente de serem da turma romântica ou arranjada. Já as fêmeas arranjadas foram menos receptivas ao macho e copulavam menos. Os casais arranjados eram também mais infiéis.
Isso parece familiar?
Uma série de experimentos acaba de ser publicada por pesquisadores da Universidade de Rochester nos EUA em parceria com o centro Herzliya de Israel e aponta que, entre os humanos, a relação é sexualmente mais forte quando o(a) candidato(a) parece ser mais viável para uma parceria romântica no longo prazo. Poderíamos dizer que o turbilhão da atração sexual é potencializado pelo amor romântico que sinaliza uma complementariedade e segurança. O mesmo fenômeno foi observado entre casais que já tinham uma relação estável. Os que demonstravam mais respeito mútuo, consideração e afeto eram os que tinham a maior atração sexual.

A maior parte das evidências de incremento de funções cerebrais com a maternidade tem origem em estudos com mamíferos inferiores, especialmente os roedores. Pesquisas apontam que não só as alterações hormonais, mas também o ambiente rico em estímulos associados à maternidade (ex: múltiplas novas tarefas, sons, cheiros), têm um papel importante nesse upgrade cerebral das mães.
A maioria dos mamíferos compartilha instintos maternais de defender seu ninho e sua cria. Ao ter que optar entre sexo, drogas, alimento ou seu ratinho recém-nascido, mamães ratas escolhem seus ratinhos. O cuidado com os filhotes ativa nas mães centros cerebrais de recompensa ligados ao prazer, mesmo no caso de filhotes adotivos, e essa também é uma forma de explicar as raízes do altruísmo. Esse fenômeno também foi demonstrado entre as mães humanas ao ouvir o choro dos filhos, ou simplesmente ao olhar para eles.
É possível que a neurobiologia da maternidade humana não seja tão diferente daquilo que já foi demonstrado em mamíferos inferiores, já que a maior parte do código genético dos humanos é idêntica à dos ratinhos ou dos primatas. Não duvido que as mães modernas, com suas rotinas de malabaristas, apresentem adaptações cerebrais associadas à maternidade até mais robustas do que das ratinhas, já que são submetidas a um nível de estimulação ambiental como nenhuma outra espécie. Além de cuidar da cria e de sua própria sobrevivência, freqüentemente protagonizam diversos outros papéis simultâneos (esposa, amante, conselheira, profissional, dona-de-casa, etc.). É estímulo para dar, vender e jogar fora.

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O hábito de colecionar coisas, mesmo as que não têm qualquer utilidade à primeira vista, é comum entre crianças e adultos, tanto em sociedades modernas quanto em primitivas. Tal costume também é descrito em outras espécies. O hábito de estocar comida é descrito em diversas famílias de pássaros, mamíferos e vários tipos de insetos. E o de colecionar não é restrito à comida. Alguns tipos de pássaros costumam juntar objetos metálicos e coloridos e hamsters preferem coletar contas de vidro.
A estocagem de alimento faz todo o sentido do ponto de vista de adaptação das espécies como forma de preparação para tempos de vacas magras. Entre os humanos, o comportamento de colecionador pode representar esse mesmo instinto arcaico, e é difícil pensar em alguém que nunca tenha colecionado nada durante a vida. As coleções podem ser justificadas pelo valor estético e emocional dos objetos e até mesmo pelo valor material, como é o caso de obras de arte.
O fato é que, em algumas situações, o comportamento de colecionador não traz nenhuma dessas justificativas anteriores e pode representar um sintoma patológico. Nessa situação, o indivíduo coleciona exageradamente, de forma indiscriminada, e tem muita dificuldade de se desfazer das quinquilharias. Nesses casos, é mais comum a coleção de objetos que podem ser facilmente obtidos e, após a aquisição, são deixados de lado. O interesse pelos objetos volta a acontecer quando outra pessoa ameaça dar um fim na coleção. O ato de colecionar é um fim em si mesmo, comportamento semelhante ao dos roedores, que acumulam por acumular, independentemente se suas reservas estão em alta ou em baixa.
Várias doenças neuropsiquiátricas podem estar associadas a um comportamento de colecionador patológico, como é o caso do transtorno obsessivo-compulsivo, autismo, esquizofrenia, síndrome de Tourette e diferentes tipos de demência. Estudos recentes têm demonstrado que lesões ou alterações no funcionamento de regiões frontais do cérebro, especialmente do lado direito, estão associadas ao comportamento de colecionador patológico. É como se essa região do cérebro funcionasse como freio para o instinto arcaico de acumular por acumular, que tem origem em outras regiões do cérebro, como o sistema límbico, um dos maestros de nosso comportamento. Talvez as crianças ainda não tenham esse freio bem desenvolvido, pois se dependesse delas, elas teriam todos os modelos de brinquedos disponíveis no mercado. Consumismo pode não ser o melhor nome para isso.
Em um extremo, podemos imaginar o colecionador comum e “saudável” que tem toda a obra de seu escritor predileto, e já leu pelo menos uma parte dos livros que comprou. No outro extremo, está o indivíduo que começa a guardar em casa quilos e quilos de objetos sem utilidade que poderiam estar num ferro-velho. Entre os dois extremos, estariam aquelas mulheres que têm um quarto em casa só para guardar a coleção de centenas de sapatos, pessoas que já têm uma respeitável coleção de dinheiro suficiente para sustentar três gerações, mas continuam a trabalhar 18 horas por dia pelo prazer de ver sua coleção aumentando.



