O “barato” do atleta é comum entre aqueles que fazem atividades prolongadas, como é o caso dos corredores de longa distância, e é descrito como uma sensação de euforia, bem estar, e alteração da percepção do tempo e espaço. Essas sensações não costumam ser descritas entre os atletas de atividades de curta duração como os velocistas e em esportes que exigem frequente mudança da demanda de força e ritmo da atividade, como é o caso do futebol, basquete, tênis, etc. Curiosamente, não há descrição na literatura desse “barato” entre nadadores, apesar da natação ser um esporte com ritmo regular e repetitivo como a corrida. Já existem evidências apontando que a corrida é especialmente associada a essa sensação de prazer, em parte por causa dos repetidos traumas na pele que promovem a liberação de substâncias que agem tanto no sistema nervoso central como no periférico.
Até a década de 60, acreditava-se que o “barato” do atleta era decorrente do aumento dos níveis de catecolaminas, substâncias da linha da adrenalina. Com a descoberta da endorfina, que é como se fosse um tipo de morfina produzida pelo próprio corpo, passou-se a acreditar que todo o “barato” do atleta podia ser explicado pelo aumento dos níveis de endorfina no sangue, criando-se então um mito popular sem comprovações científicas.
No ano de 2003, foi demonstrado que o exercício físico é capaz de ativar o sistema endocanabinóide e isso transformou radicalmente o entendimento do “barato” do atleta. Esse sistema é composto de receptores chamados de canabnóides, e estão distribuídos não só no cérebro e nervos periféricos, mas também no pulmão, na pele e nos músculos. No cérebro, seu efeito maior é o de inibição da atividade dos neurônios, e a anandamida é o neurotransmissor que se liga aos receptores canabnóides do cérebro mais estudado. São nesses receptores que age o princípio ativo da maconha (tetrahidrocanabinol), e os efeitos são bem semelhantes aos da anandamida.
Já é bem reconhecido que a ativação do sistema endocanabinóide estimula o sistema de recompensa cerebral, que é ativado toda vez que fazemos algo que dá prazer e sinaliza ao cérebro que vale a pena repetir a experiência quando esta é prazerosa. A relação entre esses dois sistemas sugere que os endocanabinóides são fortes candidatos para explicar o vício em exercício físico que algumas pessoas desenvolvem. Nesse contexto, vício significa que ficar alguns dias sem atividade física pode levar a sintomas como ansiedade e alterações de humor, e isso pode acontecer mesmo entre as pessoas que praticam atividade física sem exageros, sem compulsão. Nos casos de comportamento compulsivo, o vício na atividade física passa a ser algo negativo, pois começa a comprometer outras dimensões da vida, como por exemplo, o convívio com a família. Felizmente, na grande maioria das vezes, esse vício é um grande aliado da saúde física e mental.
** CLIQUE AQUI PARA OUVIR um bate-papo na rádio CBN (13 de novembro de 2009) em que discuto com Estevão Damásio e Weimar Pettengill os efeitos que a atividade física exerce sobre o cérebro. Será exagero dizer que dá barato e até vicia?
Leia também um outro texto sobre os efeitos da atividade física no cérebro: Quer turbinar o cérebro? Exercite o corpo.
2 comentários
18 dezembro, 2009 às 2:56 pm
Edinaldo
Olá Dr., achei muito interessante o seu blog, e o parabenizo por ele. Tenho uma grande dúvida, sobre o efeito da corrida de longa distância no cerébro. A dúvida é, pelo que li aqui na postagem “Não há nada de exagero…”, a corrida inibe a atuação dos neurônios, isso logicamente no meu entendimento leigo, diminuiria o raciocínio lógico, assim como a o efeito da maconha faz, acredito. Então para uma pessoa que precisa melhorar o raciocínio, a memória, a resistencia do cerebro para atividades como o estudo, a corrida seria indicada? Eu corro desde os quinze anos, aos 17, passei a correr longas distâncias, e hoje me encontro num estado não muito bom de resistencia cerebral, a verdade é que a única resistencia que tenho é a de não querer parar para estudar, infelizmente, pois quero muito me preparar para um concurso que desejo, mas não consigo… deveria eu parar de correr e procurar uma outra forma de atividade física? Se souber por favor, me responda, desde já agradeço muito.
19 dezembro, 2009 às 10:54 pm
Ricardo Teixeira
Oi Edinaldo
A atividade física não inibe de forma alguma a atividade dos neurônios. Muito pelo contrário. Ativa as conexões neuronais, e não é pouco. O texto faz referência ao efeito da anadamida sobre o cérebro – vale lembrar que a química cerebral é uma grande orquestra e a anadamida é só um dos violinos. CONTINUE CORRENDO, POIS SEU DESEMPENHO NOS ESTUDOS VAI AGRADECER. Não deixe de ler esse texto:
Quer tubinar o cérebro? Exercite o corpo!http://www.icbneuro.com.br/paginas/pdf/artigos/exerciteCorpo.pdf